quinta-feira, 31 de julho de 2014

Reviravolta

A terça feira tinha começado leve. Sentia-me longe das preocupações dos últimos dias... Assim que Micaela partiu fui tomar um demorado banho e fazer minha barba. Fazia meses que não me barbeava sem ser num profissional do ramo. Nos últimos tempos estava acostumado a freqüentar barber shops das grandes cidades todas as semanas para manter aquela vasta barba sem pontas rebeldes e no tamanho ideal. Agora lá estava eu já de cara lavada, rosto de bebê, fazendo o nó da gravata como se fosse aquele garoto de vinte e poucos anos no dia da sua formatura...


Há dez ou onze anos atrás eu estava naquele mesmo apartamento que na época estava com o forro corroído de cupins, com as paredes com a pintura descascando, e móveis que eram dignos de brechó de quinquilharias. Aquele apartamento era o retrato exato de todas minhas mudanças e sucessos no decorrer desses onze anos.  Sentia-me bem naquele lugar. Era como se estivesse no meu reino. Apesar de não gostar da agitação paulistana, ao menos ali, naquele apartamento, me sentia tranquilo e relaxado.
Da época em que morei com Valéria e Bia neste endereço pouca coisa restou... Nem mesmo as paredes eram as mesmas. Vez ou outra ainda encontrava algum objeto delas em alguma gaveta ou alguma coisa que Bia fez questão de escolher numa reforma da decoração. Passei dois anos felizes ali com ela, antes de nos mudarmos para uma casa ampla, com vasto quintal e retirada do agito do centro de São Paulo. Visto que ela odiava morar em apartamentos tive que sair do meu reduto para satisfazer o capricho dela. Ela queria uma casa de estilo campestre, como aqueles velhos casarões ingleses habitados por aristocratas e seus criados. Era o sonho dela. Logo que ela engravidou nos mudamos para essa tal casa dos sonhos que ela tanto queria. Bia ficou extremamente feliz com essa casa e passamos bons momentos nesse novo lar. Embora estivesse começando a ter alguns problemas financeiros na empresa, não tinha como negar esse sonho que ela insistia em realizar. Ela comprou o terreno e eu usei os funcionários da empresa para realizarem o sonho dela feitos em pedra de taille. Uma casa enorme, espaçosa, com adega, cozinha ampla e com direito a um salão de jogos com bar, o qual muitas vezes era meu escritório quando trabalhava aos finais de semana. Ela pouco aproveitou seu sonho, sete meses depois o pai dela faleceria e ela entraria numa profunda depressão. Nem mesmo o nascimento de Ivan pareceu vencer o estado de melancolia que se instalou nela. Assim, aquela casa antes alegre e cheia de visitas se tornou uma grande casa onde Bia podia se esconder do mundo a sua volta. Com a separação ela voltou para o interior e eu para o apartamento.


Desde a nossa mudança quem passou a residir no apartamento foi Aline que na época ainda estudava e era minha assistente. Após a separação era irônico ela receber o dono do lugar como uma espécie de amante e hóspede. Passamos bons momentos juntos ali até que resolvi me mudar para Curitiba expandir os negócios. Aline ficou dois anos naquele apartamento sem mudar quase nada. A única coisa que mudou muito foi o perfume que ficava na casa que era o mesmo que ela sempre usava todos os dias. Quando ela chegava o seu perfume já antecedia sua chegada, quando ela saía o perfume deixava seu rastro.


Naquela manhã senti saudades do perfume de Aline e dos bons tempos com Bia naquele apartamento que agora era meu recanto exclusivo e às vezes solitário. Mas era uma solidão boa. Daquelas que refazem as energias entre um dia e outro. Terminei de dar o nó na gravata e saí tomar café no mercadão como nos velhos tempos. Neste dia não havia motivos para tomar mais uma vez café sozinho, ainda mais depois duma noite de prazer com Micaela que saiu às pressas naquela manhã atrasada para abrir sua loja.


Antes de sair, ao avistar um vaso de plantas sem regar, lembrei que tinha sido Bia quem havia comprado aquele vaso de plantas. Aquilo apertou no meu peito, pois me fez lembrar de quanto fomos felizes naqueles dias perdidos no passado consumado. Se por um instante Deus esquecesse de que somos marionetes de nossos próprios sentimentos e desenganos, e nos presenteasse com a possibilidade de retornar ao passado mudar algumas coisas, possivelmente voltaria para época em que havia deixado Bia, e ao menos, teria permanecido um pouco mais cuidando dela sem pensar tanto em mim mesmo. Por outro lado, eu já sabia que a vida nos dá o amanhã como uma chance de não cometer os mesmos enganos e erros do passado. Não havia porque lamentar... Apertei o botão do elevador e desci sozinho como se estivesse saindo do passado para o presente.



Quando cheguei no escritório a primeira ligação que recebi foi justamente de Aline. Ela estava furiosa com a decisão da reunião anterior a qual alterava as funções dela na empresa. Mesmo assim ela não se demitiu, apenas comunicou que estaria de volta no mês seguinte para retomar suas atividades apesar de aceitar aquilo com muitas objeções. No fundo ela não queria reconhecer a conduta displicente dela nos últimos meses. Tinha deixado de lado suas ambições profissionais, cursos e outros afazeres da empresa em constante atraso. Seus planos pessoais de gravidez e quem sabe me laçar num possível casamento tinham dominado a mente dela a tal ponto. Era a única explicação plausível para explicar as atitudes dela um tanto impensadas nos últimos tempos. Agora isso tudo era passado. O bebê perdido, o cargo de confiança perdido, tudo estava perdido, menos o emprego que ela tanto se gabava de ter : executiva de alto padrão e advogada empresarial. Toquei o dia adiante depois de ouvir as lamúrias dela...



Passei o restante do dia preso em reuniões. Quando saí do escritório já era noite, fui para o shopping ver Micaela que fechava o caixa. Após alguns minutos ali conversando sobre negócios e planos para aquela noite fomos para o apartamento. Degustamos uma garrafa de vinho e um fondue. Depois repetimos o script da noite anterior. Pela manhã ela saiu às pressas novamente e disse-me para ir buscá-la na natação naquela noite. Ela queria que eu fosse conhecer sua filha. Mal tive tempo de pensar numa saída para aquele convite surpresa e aceitei sem expor estar contrariado com aquilo. Pelo visto as coisas entre eu ela tinham andado depressa demais e aquilo começou a me deixar um pouco arrependido em ter levado as coisas nesse compasso.


Naquela quarta feira pouca coisa seria diferente dos outros dias. De manhã o trânsito fez mais da metade do pessoal se atrasar para uma reunião da construtora. Fiquei zanzando pelo andares dos escritórios conversando com este ou aquele que havia chegando discutindo sobre planos de participação nos lucros, projetos de obras, compras e vendas de imóveis. Nada muito sério apenas especulações rotineiras para saber duma novidade ou outra. Na hora do almoço quando já saia comer um belo prato de virado à paulista o médico de Bia me liga passando detalhes da situação clínica dela. Aquilo me fez perder o apetite. Voltei para o escritório e retorno a ligação ao médico - ele afirma que o caso é grave, pois se tratava nas suspeitas dele dum transtorno esquizoafetivo. Não tive nem tempo digerir a informação e saber pormenores. Estava atordoado com a notícia e com pena de Bia.
Dei uma volta no terraço fumei um cigarro e fui direto para uma longa reunião que durou boa parte da tarde. Finalizada a reunião saí caminhar um pouco espairecer, depois voltei peguei o carro e fui buscar Micaela na natação - que na verdade era uma aula de hidroginástica – como combinado. Ela estava junto com a filha Sofia - nome da moda para garotas de oito anos de idade. Me incumbi de fazer amizade com a garotinha semi-ruiva de olhos azuis enquanto sua mãe se desmanchava numa espécie de emoção contida perante aquela situação. Foi uma jogada certeira ter feito aquilo, mesmo que por outro lado fosse um terrível erro, porém não tinha resistir aquela menininha falante e encantadora que contava como foi seu dia e me questionava se era o novo amigo de sua mãe. Levei as duas para casa e Micaela fez questão de me apresentar sua mãe, uma senhora cinquentona tão falante quando a neta. Fiquei para o jantar – péssimo por sinal - e sobremesa – mais ou menos - depois fui embora direto para casa dormir insatisfeito com aquele cinzento dia frio como as ruas paulistanas devido as notícias sobre Bianca.
   


Evitei pensar no futuro de Bia e Ivan e outros assuntos não resolvidos da empresa. Tudo estava se tornando num turbilhão estressante que sugava minhas energias e paciência. Não havia trégua, um dia após o outro eram acontecimentos que exigiam uma resposta sempre equilibrada e madura sem espaços para erros e enganos. Bons eram os tempos em que nada disso acontecia e que a vida se resumia a poucas obrigações e responsabilidades comuns. No fundo, apesar de todo excesso de estresse que aquilo tudo pudesse causar, mesmo assim, me sentia grato pela vida que possuía. Tinha lutado por cada coisa que havia conquistado sem passar por cima de ninguém e desfrutado até então uma vida com altos e baixos; com mais altos do que baixos. Não tinha motivos para ser ingrato e perder a esperança e fé nas coisas. Uma hora ou outra tudo se ajeitaria. Não seria necessário rogar a anjos e santos para isso, a vida sempre vai em frente e segue seu curso. Pronto! Essa onda de pensamentos positivos me embalou num sono profundo e tranqüilo. O que viesse pela frente seria encarado e resolvido nesses alicerces. Embora às vezes me sentisse como um aventureiro em terras estranhas, ou batalhas  com bombas caindo por todos os lados, ainda havia espaço e tempo para coisas boas. Desde os romances fortuitos até viagens e festas, sempre havia um escape para aquela tensão. Entretanto, no futuro logo ali, me reservava uma reviravolta no destino.

Acordei naquele dia revigorado em esperanças e fé na vida. Acreditando que algo de muito bom iria acontecer. A minha intuição me mandava ficar calmo e sereno para o que haveria de vir. Mas parece que o destino tinha reservado planos mais duros para aquela ocasião. No mesmo dia tudo tomaria novos rumos inesperados. De manhã fiquei em mais uma reunião, depois todo pessoal do escritório iria almoçar numa espécie de confraternização para finalizar mais uma etapa num grande projeto. Comi um belo prato de sobremesa e fui visitar Bia na casa de Dado. Ela estava de partida para Curitiba. Inesperadamente ela me chamou para uma conversa a sós. Fomos até o charmoso jardim de inverno da casa, sentamos numa mesa face a face, e Bia parecia querer contar alguma coisa importante. Parecia triste e amargurada, mas ao menos estava controlada e lúcida naquele instante. Ela relatou detalhes da sua consulta no dia anterior e fez um pedido totalmente fora do esperado: Pediu para Ivan ficar comigo por algum tempo para que ela pudesse se recuperar de forma adequada. Ela alegava que tinha ciência que o comportamento instável dela estava fazendo mal para o próprio filho e reforçou o pedido apelando para o meu sentimento paterno.

Não havia como negar tal pedido. Mesmo não sabendo o que fazer e procurando o maço de cigarros no bolso do blazer pelo baque da novidade, tinha que aceitar aquilo e sacrificar-me pelo bem deles. Esse era o pensamento que me guiava naquele momento. Bia ainda relatou que já havia avisado minha mãe dessa decisão dela e que tinha tomado a decisão pensando no bem do próprio filho acima de qualquer outra coisa. Parecia haver um dedo da minha mãe naquilo, mas isso não importava, pois depois de muitos anos testemunhando de camarote ou a distância o sofrimento dela tomei aquilo como decisão sensata apesar da dureza.

Em seguida, Dado apareceu e conversamos por mais alguns minutos sobre toda aquela situação e no final desse encontro dei um abraço em Bia sem dizer nada, mas queria dizer que a amava tanto quanto antes, queria que ela me perdoasse por tê-la deixado sozinha. Mas não disse nada, calando isso dentro de mim. Ela também não disse nada, apenas engoliu o choro e secou uma tênue lágrima. Isso nos bastava depois duma história juntos sem final feliz até então. Assim que eles partiram para Curitiba - onde eu também estaria nos próximos dias depois da chegada de Ágatha com as meninas - telefonei para minha mãe. A velha francesa parecia ter tomado um choque: estava falando sem parar algo atípico para ela. Questionava sobre cada detalhe da situação de Bia e considerava sobre como eu deveria cuidar de Ivan sozinho. Além disso, ela estava às voltas com o retorno do meu irmão de Montreal que depois que sua esposa o deixou – fugindo com seu personal trainner – resolveu voltar a morar no Brasil junto da filha.  Pelo visto haveria uma inusitada reunião de família motivadas por problemas, casa qual com o seu. Cada um teria que repensar na sua própria vida e seguir um novo caminho. Para mim, era hora de colocar a cabeça no lugar, traçar planos e avaliar opções. Não seria nada fácil passar por aquele momento tendo que cuidar dum garoto que mal sabia andar e falar. Por incrível que pareça não sentia medo daquilo, sentia que tinha que fazer aquilo como uma forma de salvar tanto Ivan como Bia de algo pior e proporcionar para eles um futuro feliz.  

Após isso, passei o resto da tarde numa reunião informal com um produtor de queijos que estava me ofertando uma parceria nos seus negócios no interior paulista. Recebi aquele velho matuto em casa. Ele me trouxe variedades dos queijos que produzia, além de doces que serviam como acompanhamento para aqueles queijos saborosos. Entre uma conversa e outra sobre detalhes de negócios e outras histórias sobre queijos e vinhos, além de outras histórias que surgiram sobre nossas famílias nesse ramo tudo servia para me distrair. Histórias antigas regadas com nostalgia me fazima crer que tudo que fazemos na vida deixa sua marca. O velho queijeiro era um antigo amigo da família, em especial do meu avô, com quem aprendeu tal ofício. Ele ainda tinha as receitas de queijo meia cura de vovô. Fez questão de trazê-las numa pastinha que parecia portar dentro um documento secreto guardado a sete chaves. Fiquei feliz com tamanha demonstração de respeito por uma tradição, a qual meu avô, tinha trazido da sua experiência de vida na França.  

Após esse encontro magnífico segui meu rumo; o velho tomou o caminho de seu rancho leiteiro feliz pelo negócio fechado. Fui até o shopping e chamei Micaela para um rápido happy hour. Sem fazer rodeios fui direto ao assunto colocando todas cartas na mesa. Expus que iria ter que ficar com meu filho e cuidar dele por tempo indeterminado. Expliquei como aquilo iria afetar o meu cotidiano devido tamanha responsabilidade. Apesar dela ter entendido a situação senti um certo tom de egoísmo emanando dela. Pelo visto apesar de ser divorciada e mãe, ela não tinha o menor tato com situações desse tipo. Ela ficou de passar no meu apartamento mais tarde, mas acabou telefonando adiando o encontro, deixando isso para semana seguinte. Pelo visto, embora sem dizer nada claramente, ela estava pensando em pular fora do barco decepcionada com o desfecho dos fatos. Para mim aquilo seria uma boa opção se ela mesma tomasse essa iniciativa em fazer isso.

Passei o restante da noite arrumando as malas e degustando vinhos e queijos que havia ganhado de presente naquele dia. Além disso, fiz telefonemas para minha mãe e Bia que já estava por lá acertando detalhes sobre a situação de Ivan. Ainda falei com Marie para informar que havia decidido ir de carro com elas para Curitiba no dia seguinte assim que elas retornassem do nordeste, ou seja, elas teriam um longo dia cansativo de viagens no dia seguinte. Esse tempo de estrada seria útil para contar as novidades e perceber a reação delas sobre a situação de momento - em especial a de Ágatha que nas últimas semanas parecia querer se aproximar de mim não mais como uma amiga e ex caso do passado. Tudo planejado fui dormir depois duma garrafa de vinho lentamente sorvida com queijos meia cura.   

terça-feira, 29 de julho de 2014

Monday, Monday...

Clarice Lispector disse num dos seus livros: “a liberdade sou eu diante das coisas”. Ela sabia muito bem como as histórias da vida são cheias de paixões das mais cruas e pungentes que contemplam e se adornam de nossas ações mais nobres até as mais miseráveis. Qualquer coisa que façamos movidos por paixão ou outro sentimento qualquer fazemos sempre como um ato de liberdade.

Foi assim que comecei aquele sábado:

Na noite anterior como havia dormido tarde e o frio estava intenso na cidade ­- tendo em vista que São Paulo é bipolar no seu clima no dia a dia - mas desta vez estava frio mesmo, muito frio. Resolvi esticar um pouco mais na cama antes de sair debaixo das cobertas. Fiquei acordado, com os olhos fechados tentando controlar o fluxo de pensamentos sobre o que teria de fazer naquele final de semana. A enxurrada de pensamentos tinha diversas pautas desde onde almoçar até como seria o torneio de golf daquele final de semana no clube campestre. Pensava ainda nos negócios e nas mulheres que estavam se ausentando e se fazendo presentes na minha vida. Nenhum pensamento era conclusivo, eram apenas pensamentos desordenados e infestados de alguma espécie de acerto de contas com a própria consciência. Naquela manhã eu tinha acordado um tanto reflexivo por assim dizer.

Quando resolvi me levantar fui checar telefonemas perdidos no celular e mensagens em redes sociais. Não tinha nada de novo além de bate bocas em debates de internet, mensagens de amigos e ligações não atendidas propositalmente no celular. A única coisa que mereceu destaque foi uma mensagem da Bia dizendo alguma coisa de irrelevante sobre o nosso inusitado encontro na noite anterior. Naquela manhã eu não sabia ainda que no dia seguinte ela iria surtar e fazer seu possível novo amor passar por algo que nem eu mesmo –  na época que éramos casados –  havia testemunhado nas crises depressivas que ela havia tido antes. Como não sabia disso ainda, nem poderia prever, fui tomar banho e seguir o meu destino. Me afundei na hidromassagem borbulhante como se fosse um nobre fidalgo dos tempos modernos. Fiquei quase uma hora ali mergulhado lendo um livro qualquer para relaxar e eis um trecho desse livro: "Uma vida completa deve ser uma que termine com uma identificação tão completa com o "não eu" que não há um "eu" para morrer". Talvez isso queira dizer que para uma vida ser completa nós não devamos viver apenas em nós mesmos. Mas sim viver também na vida dos outros. Quem sabe um dia assim, quando nossas vidas terminarem, não teremos morrido e nem sejamos esquecidos, pois nossas memórias e sentimentos não morreram nem foram esquecidas por alguém. Aquilo que semeamos na vida dos outros como um grande canteiro de afetos, desejos, sonhos e paixões será de alguma forma lembrado por alguém - não importa quem - quando não estivermos mais aqui.

Saí daquela banheira de corpo e alma lavados com este pensamento. Depois dum desjejum rico em fibras e vitaminas me mandei para o clube orientar meu pupilo William que seria quem iria disputar o torneio. Ao chegar lá fui recepcionado pelo pai dele um velho empresário setentão magro e falante que parecia mais avó do que pai do garoto. Junto dele estava a namorada dele – de William não a do velho – Gabi. A menina parecia ser um tanto avançada e exuberante para a idade dela. Usava maquiagem excessiva e um amplo decote – apesar daquele dia frio – expondo seus seios durinhos quase totalmente. Não tinha como não fitar aqueles seios e pensar: Que garoto de sorte esse William! Foi nessa hora entre uma olhada e outra nos seios da garota que eu percebi que o meu novo look estava me favorecendo. Pois antes, já tinha encontrado com a jovem fêmea e ela nunca tinha puxado assunto comigo sobre nada. Sempre arredia e talvez me achando um barbudo ordinário que fazia seu namoradinho treinar até quase ficar sem os movimentos dos braços.

Ela desta vez estava puxando assuntos e mais assuntos como se estivesse me paquerando na maior cara dura. Aqueles seios empinados sempre estavam à minha vista como se fosse um cartão postal do paraíso dos homens bombas. De fato ela estava se insinuando mesmo. Sempre que podia deixava o velho falando sozinho e me acompanhava fazendo questão de roçar seu braço no meu e de me olhar de um jeito um tanto provocante. William como era iniciante tanto no golf como nessas coisas da vida nem notou sua namoradinha ousada dando mole, nem mesmo o velhote que estava eufórico com mais um torneio do filho. William estava tão concentrado no jogo que Gabi poderia me beijar na boca que ele nem daria a atenção. Bom pra ele e ruim pra mim, pois a garota estava mexendo com o meu juízo, e se pudesse faria amor com ela no green sem pensar duas vezes.

Quando o torneio começou deixei de lado os seios e flertes com Gabi e me concentrei no campo, no vento, e nos swings de William . A tarde estava sem vento e isso ajudava e muito o meu jogador a fazer muitas aproximações com precisão. Conseguimos chegar ao final da rodada em segundo lugar deixando para o próximo dia a possibilidade do título em aberto. Após o jogo fizemos um lanche e conversamos sobre as tacadas do dia, depois disso cada um seguiu seu rumo. Voltei para casa e mais uma vez fui checar mensagens. Dessa vez havia uma da minha irmã me solicitando receber minha sobrinha e seu namorado que iriam chegar de viagem naquele dia. Seria bom receber alguém da família em casa naquele dia, pois seria uma distração para minha mente que estava cheia de tantos pensamentos aleatórios. Assim que eles chegaram jantamos juntos e ficamos conversando longamente sobre a viagem deles para o México. O casal de pombinhos tinha ido comemorar três anos de namoro em grande estilo. Isso me recordou da lua de mel com Bia em Cancun também.  

Findo o jantar eles foram descansar e eu fui para o meu gabinete fazer a rotineira rodada de telefonemas e bate papos. Fiquei umas duas horas conversando com Ágatha que estava viajando com as meninas. Colocamos nossa conversa em dia e marcamos de nos encontrar no aeroporto quando elas retornassem. Ágatha estava diferente depois do episódio sobre a paternidade de Ingrid. Ela parecia querer recuperar o tempo perdido e tinha deixado de lado algumas de suas atitudes comedidas e recatadas. Estava desde a viagem do Rio de certa forma se insinuando de alguma forma para mim. Ela tinha terminado o namoro com aquele sujeito e parecia que estar disposta a começar uma nova fase na vida dela. Essa mudança repentina do comportamento dela não fazia muito sentido de imediato, pois parecia que ela tinha mudado da água para o vinho. Aos poucos notei que ela sempre em nossas últimas conversas colocava frases como “se nós tivéssemos ficados juntos” – “se nós não tivéssemos nos casado com outras pessoas” etc. Essas frases pareciam indicar que a nossa relação não foi aquela que ela havia esperado tanto tempo atrás. Fiquei intrigado com aquilo e Ágatha passou a tomar conta do meu pensamento duma forma nova um pouco tentadora depois dessas conversas. Teria que esperar ela voltar para ter certeza do que ela queria dizer com tudo aquilo e quem sabe eu e ela poderíamos nos entender agora duma nova forma também, visto que no passado as coisas fugiram de nosso controle totalmente. Não descartava essa hipótese, pois mesmo não estando apaixonado por ela naquele momento eu tinha por ela uma grande estima e atração.

Micaela também deu o ar da graça depois disso. Ela tinha acabado de chegar duma balada e falou rapidamente comigo. Aproveitei e a convidei para ir ao torneio de golf no dia seguinte e ela disse que iria, mas acabou não indo alegando um imprevisto. Na calada da noite ainda levei um papo com Marise, uma amiga daquelas que você pode contar tudo e receber altos conselhos sobre como agir na vida. Ela sem dúvida era uma espécie de confessora de tudo que faço além de psicanalista de plantão a qual sempre consulto como se fosse uma espécie oráculo personalité sobre diversos assuntos. Depois de tantas conversas finalmente adormeci sem pensar em mais nada.

No dia seguinte pela manhã providenciei um mini churrasco e fiquei na companhia dos “sobrinhos” que logo iriam voltar para casa enquanto eu iria ficar mais uma tarde na companhia dos seios provocantes de Gabi. Dessa vez ela iria encobrir os seios com uma blusa de lã que parecia ter sido furtada do guarda roupas da mãe dela. Naquela tarde, tudo mudaria de rumo, a começar pelo vento. O vento daria as caras e com isso aniquilaria com todo o avanço de William conquistado no dia anterior fazendo ele perder diversas tacadas e terminar sem levar o campeonato. Aquilo foi frustrante para todos, ainda mais para o velhote. Saímos do campo arrasados, depois de estar tão perto do troféu aquilo foi o nosso 7x1; porém o pior estaria por vir para mim.

Quando chequei o celular havia diversas ligações perdidas do Dado. Não compreendi bem aquilo e retornei curioso para saber do que se tratava. A notícia não podia ser pior: Ele precisou chamar um médico para examinar Bia. Ela tinha acordado e ficado sentada estática a beira da cama. Quando Dado foi falar com ela, nada de respostas ou esboços de reações. Ela estava muda, como se estivesse num mundo paralelo pensando em algo que só ela mesma sabia. Depois de alguns instantes dessa forma, deitou-se e ficou parecendo desorientada mentalmente. Ainda sem dar uma palavra apenas olhando firme para o teto ela permaneceu assim por muito tempo até voltar a acordar novamente desorientada caminhando pela casa parecendo sem saber onde estava. Dado resolveu chamar ajuda e assim que o médico a examinou constatou que era uma espécie de crise nervosa e a sedou.

Dado começou a me ligar sem parar querendo saber se eu já tinha visto ela daquela maneira tão assustadora. Ao saber disso, saí do clube e fui direto para a casa dele ver como ela estava. Ao me atender Dado parecia ele mesmo ter passado por uma crise nervosa. Estava ainda de pijama e com os cabelos ainda sem pentear e muito agitado. Pelo que conhecia dele não era típico ele ficar daquela maneira, pois se tratava dum sujeito metódico e frio em quase tudo que fazia possivelmente devido sua ascendência alemã. Ele contou o que havia ocorrido com todos os detalhes omitidos na primeira conversa e se demonstrava preocupado e abalado com o acontecimento. Para mim não era novidade Bia acordar estranha depois voltar a dormir e ainda passar dias reclusa num quarto escuro sem querer ver ninguém. Entretanto, ela nunca tinha ficado estática e muda sem corresponder a perguntas ou perambulando pela casa daquela forma. Geralmente ela resmungava ou arrumava uma imensa confusão por questionarem como ela estava se sentindo. Na maioria dos casos o jeito era deixar ela ficar sozinha e evitar contrariá-la até voltar ao normal.

Quando cheguei em casa eu também estava tão surpreso e preocupado como Dado. Liguei o toca discos e fiquei imerso na hidromassagem tentando descobrir o que havia acontecido com Bia. Fiz um caldinho verde no jantar e não conseguia parar de pensar naquilo como se fosse um mistério intrigante. Ficava pensando no Ivan e como isso afetaria o garoto que com três anos de idade somente tinha convivido com uma mãe que muitas vezes ficava fora do ar por dias sem dar a devida atenção para ele.  Fui até o terraço e me deitei numa espécie de divã com uma manta e fiquei tomando vinho pensando naquilo tudo, ora me sentindo culpado por não ter cuidado de Bia e Ivan como poderia ter cuidado, ora tomado por preocupação de como seria o futuro deles. Cheguei a conclusão que era preciso dar tempo ao tempo para ver como as coisas iriam se desencadear depois daquele estranho episódio.

Apesar do frio ótimo para dormir o sono não chegava. Fiquei zanzando pelo apartamento até resolver sentar e pegar no violão tirar alguns acordes. Há tempos tinha deixado de estudar, estava enferrujado, e não lembrava de repertório algum. Um blues depois aquilo já tinha me enchido o saco, preferi colocar outro disco na agulha e ficar conversando com alguém que estive acordado na internet. Abri mais uma garrafa de vinho e entre uma taça e outra o sono começava a surgir, mas o pensamento indócil estava voltado para Bia e sua situação infeliz. Não tinha como pensar em outra coisa. São nessas horas que aquela pessoa que passou anos vivendo debaixo do mesmo teto está longe e você não sabe se o que fez no passado foi um erro ou um acerto. Este era o dilema. Bia não era mais a mesma e eu já nem sabia mais quem fui um dia. Estava perdendo aos poucos aquele ímpeto da juventude irracional e imatura e me tornado um cara que pensa nas consequências de seus atos em tudo que faz duma forma mais madura e serena.

A fase era propícia para fazer uma retrospectiva e balanço da vida e achar que entre acertos e erros do passado tinha vivido tudo de forma intensa e sem deixar escapar muita coisa. Já havia degustado de tudo um pouco, desde a efervescência sem limites duma adolescência rebelde até as agruras das desilusões e perdas. Estava quite com toda escola da vida pelo visto. O meu diploma poderia ser de doutorado ou mestrado, mas isso de pouco vale quando não se sabe o que vai acontecer no próximo segundo.


Foi nessa hora que o celular tocou e vi o nome de Micaela na tela. Me perguntei o que será ela iria queria comigo naquela hora? Já era quase meia noite e ela tinha me dado de certa forma um bolo não indo no jogo. Além disso, não estava com cabeça para falar com ela naquele primeiro momento.  Deixei tocar até o final, pois sabia o que viria a seguir: Uma conversa insossa pedindo desculpas mais uma vez. Nada mais nada menos que isso pelo visto e um boa noite seco que colocaria um ponto final em qualquer expectativa dela. Não seria novidade se isso acontecesse, visto que naquela hora eu precisava ficar longe de rabos de saia e tentar pensar em como resolver o problema de Bia e outros tantos na empresa. Estava decidido a ser um monge que trabalha e medita a vida sem se deixar levar pelos pecados da carne. Aquela virtude barata dos castos estava me fazendo bem apesar de sentir vontade de chupar aqueles seios durinhos de Gabi ou de passar uma noite toda nos braços de qualquer uma daquelas loiras. Seja qual fosse ela: Ágatha, Micaela, Flávia ou Juliana eram todas lindas e qualquer uma que desse brecha eu não hesitaria em pensar duas vezes.

Afinal, já eram semanas sem levar qualquer uma para cama. A fase era de introspecção e novos rumos. Talvez pudesse levar qualquer outra para cama facilmente. Desde uma adolescente furtiva que quer sair do convencional seguindo cada borbulhar dos seus hormônios ou uma vizinha jogo duro que parece ter renunciado a vida sexual pelo sucesso na carreira. Ah como fazia falta uma mulher madura e ao mesmo tempo com experiência nesses jogos de sedução. Uma mulher que soubesse falar menos e decifrar olhares e numa conversa te dissesse apenas o essencial, e depois, num gesto fatal, te colocasse aos pés dela no leito de prazer. Era essa mulher que queria naquela hora. Gabi um dia seria assim provavelmente, mas eu não estava afim de esperar ela chegar lá. Depois pensei que Micaela poderia ser esta suposta mulher...

Pensando nisso deixei de lado toda virtude monástica e seus possíveis benefícios e retornei a ligação para ela. Ela atendeu de imediato com uma voz alegre, e como já era previsto passou a pedir mais uma vez desculpas por não ter comparecido no jogo e assim começamos a conversar sobre outros assuntos revelando um ao outro como havia sido nossos finais de semana. Omiti todo caso de Bia e apenas citei o torneio e aquela derrota para o vento com riqueza de detalhes.

Meia noite e o relógio da sala ressoa. Questiono Micaela se ela não deveria estar dormindo. Ela responde que está sem sono e que a conversa está agradável. Dito isso, não tinha mais o que adiar então passei para o ataque. Logo a primeira cantada ela fica sem palavras e tudo parece já decidido. Convido ela para no dia seguinte sair jantar depois do trabalho e isso a deixa eufórica. Ela ainda declara ingenuamente que está atraída por mim também. Pronto não precisa mais nada. Agora só restava dar boa noite e esperar a hora marcada chegar. Enrolei mais um pouco entre uma taça e outra, depois de mais uma garrafa vencida era hora de dormir.



Na manhã seguinte acordei envolto num sentimento de preocupação pela situação de Bia. Fui até a casa do Dado, tomei café com eles e a conversa foi amarga e desagradável: Falar para Bia se tratar devidamente sem se deixar levar pela falsa impressão que está curada era um caminho tortuoso. Ela inventava como sempre desculpas e até ceder a consultar o médico e fazer novos exames foi um calvário. Feito isso, fui direito para o escritório um pouco mais aliviado. O dia seria cheio de reuniões e a minha concentração e conhecimentos de pormenores dos assuntos era exígua devido a falta de Aline nessas horas. Para piorar troquei algumas farpas com Marcos meu sócio de longa data logo no começo da reunião. Apesar das discussões serem comuns e o respeito entre nós ser sólido, essas discussões levavam horas ou dias para serem digeridas. Resolvi agir como pacificador e resolver tudo no ato dessa vez. Chamei ele no terraço para fumarmos e acalmamos nossos ânimos. Abri meu coração e planos para ele sobre o que estava se passando naquele momento comigo.  Ele entendeu os rolos com a Bia, Ingrid e outras coisas, e o que eu realmente tinha em mente para o futuro da empresa. Demos um abraço como sinal de paz e prosseguimos como sempre: velhos amigos grandes parceiros nos negócios depois de resolver nossos atritos sobre aquele projeto.

A reunião ainda tinha um item da pauta peculiar: a saída de Aline da empresa. Como ela deixou tudo da noite para o dia havia muita coisa ficado a encargo de outros que não tinham o mesmo conhecimento dela sobre detalhes de assuntos importantes. Devido a situação dela resolvemos colocá-la num nível abaixo na hierarquia assim quando ela voltasse  – caso quisesse voltar – teria que ascender novamente. Uma decisão dura que fiz questão de endossar. Nessas horas por mais que ela tenha sido anteriormente uma profissional excepcional; o que contava era seguir a razão e não sentimentalismo nos planos. Nessa hora chamei Charles, o agora ex office boy  –  ele teria sua prova de fogo: Dar para Aline a notícia e passar os detalhes de suas novas funções. Caso ela se demitisse em definitivo estaria tudo bem, pois era algo previsível. Depois dessa reunião um almoço executivo. Nesse momento Micaela liga novamente para confirmar nosso jantar. Poderia inventar uma desculpa qualquer devido o dia estar sendo estressante, mas preferi manter o jantar com ela nos planos daquela noite.

Ao cair da tarde saio de mais um reunião longa e entediante. Horas e horas sentado, a base de cafezinhos, escutando projeções e detalhes sobre hotéis e restaurantes os quais pretendíamos abrir em algumas cidades. Cansado e estressado telefono para Bia saber como ela está. Ela confirma que irá consultar o antigo médico ainda naquela semana e parece tranquila. Após isso seria hora de me encontrar com Micaela e ver até onde ela estaria disposta a ir naquela noite. A encontrei no shopping onde ela trabalha depois de quase uma hora preso no trânsito caótico de São Paulo.
Ao chegar na loja de Micaela ela me recebe com um largo sorriso e aqueles olhos azuis e cabelo caindo no rosto dela era um bom pretexto para começar a quebrar o gelo. Arrumo a franja dela e deslizo a mão naquele rostinho dela. Logo no primeiro toque ela se desmonta e baixa a guarda. Dou-lhe um beijo que logo passa ao nível de beijos mais quentes como se fossemos dois adolescentes movidos por hormônios descontrolados.

Depois dum curto passeio naquele shopping com Micaela já totalmente seduzida, não tinha pressa para mais nada. Perguntei se ela tinha hora para voltar para casa e a resposta foi irônica: “Eu disse para minha mãe que iria ficar nada casa duma amiga esta noite”. Depois do jantar com ela num restaurante discreto e propício para encontros dessa natureza fomos direto para o meu apartamento. No elevador encontramos com a juíza que estava voltando de sua corrida noturna toda suada e com aquele moleton colado no corpo. Se me dessem a opção de levar as duas para cama eu certamente teria uma noite inesquecível, mas como os deuses dos caprichos libidinosos são sábios aquela bela loira de olhos azuis já era um prato cheio devido também ter um corpo esbelto e sede de prazer. No apartamento, coloquei um daqueles discos de música lenta dos tempos da minha mãe e dançamos um pouco após uma taça de vinho. Aquela dança seguida dum longo beijo fez Micaela ceder de vez. A carreguei para o quarto como se fosse uma noiva, despi ela e passamos a noite juntos como se fossêmos dois adolescentes irresponsáveis descobrindo os encantos do sexo. Na manhã seguinte, ela ainda com as roupas da noite anterior foi direto para o trabalho e eu me mandei para a empresa para mais um dia de reuniões intermináveis.    

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Voltando para casa outra vez...



Retornando ao Brasil logo de cara fui bombardeado por uma série de fatos inusitados. Desde a fuga de Marie algum tempo antes do Rio para São Paulo devido atritos com sua mãe extremamente protecionista que se opunha a ela ir estudar no exterior por ser “apenas a sua garotinha que nada conhece da vida e do mundo”. Além disso, a história sobre a paternidade de Ingrid ainda não estava resolvida e Agatha cada dia mais parecia querer adiar o inadiável sob o pretexto de prepara a filha para a notícia.  Como se isso não envolvesse uma carga emocional de certo já bem pesada como um caminhão de toras num aclive constante esperando o declive para perder os freios devido ao excesso de carga Aline estava grávida e revelar isso para Luíza era inevitável.

Com Marie as coisas se resolveram de forma mais simples. Ela foi morar e estudar em Curitiba com minha mãe e quem sabe a companhia duma mulher mais madura e o fato de ser avó ajudasse a garota. Ademais, ela estaria perto de Ingrid e mesmo sem saber que eram irmãs de sangue a amizade delas serviria tanto para uma como para outra aceitar a notícia que vinha sendo adiada há meses a pedido de Agatha.  Já com Aline as coisas seriam mais complexas. Assim que soube da notícia da gravidez dela tive uma daquelas longas conversas que pessoas adultas devem ter num clima quase sempre estranho e tenso. Aline parecia apenas estar comunicando um fato, como se fosse um memorando da empresa. Disse que iria se mudar de São Paulo e se desligar da empresa durante a gestação e que voltaria no futuro. Apesar de pedir para ela continuar morando em São Paulo ela irredutível partiu para o nordeste e não citou nada de casamento, nem de como a nossa relação seria a partir daquele momento. Disse apenas que o que mais importava naquela hora era nosso filho e ter uma gravidez tranqüila. Sem conseguir convencer ela deixei ela sair pela porta daquele apartamento e partir para o segundo estágio daquele assunto que seria contar sobre a gravidez de Aline para Luíza.

Por uma lado eu esperava que ela perdoasse a traição e que compreendesse alguma coisa sobre a minha natureza diante daqueles fatos, mas assim que ela teve um ataque de raiva achei melhor que o ponto final da nossa relação ficasse naqueles termos por pior que isso pudesse ser. 
Nas semanas seguintes Quim, Marie e Ingrid estariam de férias e todos eles viriam para o Rio ficar comigo por ocasião de negócios a serem resolvidos na cidade e Copa do Mundo. Marie acabou convidando Luíza para passar um final de semana conosco numa casa de praia em Búzios e ela havia aceitado. Parecia que havia um plano de Luíza em voltar atrás e aproveitar o momento para reatar. Entretanto, numa nova conversa com ela, na qual ela se demonstrava mais carente do que desapontada, a conversa toda se tornou numa discussão na qual ela me acusava de ter enganado e estragado com nossa relação. No fundo era verdade, porém ela parecia querer usar algum sentimento de arrependimento da minha parte para poder ter controle da relação e levar um barco avariado para alto mar em meio à tempestade. Mesmo me culpando por tudo esboçava que me perdoaria com o tempo desde que nossa relação resultasse num casamento aos moldes dela. Para mim aquilo seria um martírio dada as proporções que as coisas haviam tomado nas últimas semanas. Pensar em algo assim num momento daqueles era uma loucura e como ela parecia mais destemperada que convicta disso as minhas negativas soaram para ela como mais um ato de terrorismo contra os sentimentos dela. Depois disso ela fez suas malas e partiu no dia seguinte alegando outros compromissos para Marie.

Nesse momento tinha que colocar as coisas comigo mesmo nos eixos. O foco era aguardar alguma novidade de Aline e achar um meio de nos entendermos como antes sem que a posição de um fosse imposta ao outro. Havia ainda toda a história da Ingrid e enquanto não surgia novidades com Aline passei a refletir como resolver o impasse de contar para ela sobre ser o pai dela. Agatha ainda achava que não era a melhor hora, mas dias antes de viajarmos para Búzios o inesperado me levava a crer que adiar mais um dia que fosse era a pior saída. Quim e Ingrid pareciam estar começando um namorico, a proximidade de ambos naqueles dias estava criando um sentimento de afeto entre eles. Seria algo desastroso se os dois depois de começar um romance juvenil descobrissem que são filhos do mesmo pai. Isso foi o fato e argumento que fez Agatha concordar em revelar a verdade imediatamente.

 Numa conversa sem muitos rodeios e de forma bastante simples e direta, eu e Agatha narramos para Ingrid o nosso passado em comum e as razões de ter mantido por tanto tempo isso em segredo. Num primeiro instante a surpresa da notícia, duma verdade intensa posta a mesa deixou Ingrid desolada sem entender muito bem tudo aquilo. Algumas horas depois Marie já sabia do mesmo e Quim também e ficaram cada um ao seu modo perplexos com a novidade. Agatha tentava estar perto da filha e controlar tudo na medida do possível. Com o passar dos dias Ingrid parecia ter assimilado tudo aquilo e não demonstrava sensações de raiva ou revolta com aquilo. Ao que tudo indicava tinha digerido a notícia na medida do possível para uma garota de quinze anos e que sempre esteve duma forma ou outra relacionada com todos os envolvidos nessa história.

Na manhã da final da Copa Ingrid me encontrou na cozinha pro acaso. Eu estava fazendo preparativos para um churrasco. Logo sentamos no quintal e tivemos uma conversa a dois, de pai e filha. Ela disse que sempre gostou de mim e que nunca imaginou que pudesse ser eu o pai dela. Contou que seu pai de criação nunca tinha sido tão chegado dela, e que apesar dos pesares saber da verdade a tinha feito se sentir bem devido o fato de Marie ser sua melhor amiga e agora irmã. Um singelo abraço um pequeno sorriso algumas lágrimas de ambos encerram essa primeira conversa oficial entre pai e filha.

As emoções daquele dia estavam sendo positivas até o a hora do final do jogo. Depois que saímos do Maracanã recebo uma ligação da família de Aline relatando que ela havia perdido o bebê na noite anterior e que estava internada. Aquilo me pegou de surpresa e em cheio como se tivesse levado um golpe de marreta na cabeça. Quando me recuperei do peso inicial da notícia resolvi ir no dia seguinte visitar Aline. Assim que cheguei em Campina Grande conversei com ela já em casa e acamada se desfazendo em prantos pela perda do bebê. O feto não tinha se desenvolvido corretamente nas primeiras semanas e era inevitável um aborto espontâneo. As explicações médicas não me importavam muito, o fato em si era um duro golpe em Aline muito maior que poderia ser em mim e isso me fazia pensar apenas numa forma de ajudá-la. Entretanto, pouco pude fazer. Após esses momentos tristes com Aline o pai dela um velho nordestino desses bem conservadores já me chamou para uma conversa dura e seca e desferiu todas as críticas possíveis sobre a situação me culpando por ter arruinado a vida da tão estimada e única filha como se ela fosse uma garotinha inocente e sem responsabilidade pelos seus atos. Escutei calado ao sermão. Não tinha o que dizer em face ao ódio do pai incompreensivo sobre certas coisas. No dia seguinte parti para Curitiba desta vez. Estava precisando estar num lugar onde ao menos tivesse espaço para me recondicionar para tocar a vida em frente.

Cheguei na hora do almoço e como minha mãe não estava em casa fui visitá-la no colégio. Fazia uns dois meses que não a via e estava com saudades dela e na esperança que ela pudesse me dar algum sábio conselho. Conversamos sobre Aline e Ingrid e chegamos as mesmas conclusões sobre Agatha ter adiado aquilo por tanto tempo por temor de se sentir rejeitada e de alguma forma aquilo também serviria para ela como um recomeço. Sobre Aline e o bebê não havia nada mais além do que lamentar. Antes de sair do colégio e voltar para casa fiquei tomando um café na cantina e nesse momento Daniela apareceu falar comigo com Flávia uma das professoras do colégio. Ela nos apresentou e disse que no dia seguinte seriamos visitas em casa devido um jantar que minha mãe estaria fazendo para alguns amigos dela e alguns parentes de visita. Mesmo em meio a tantas coisas e momentos complicados fiquei fascinado com a beleza de Flávia e no dia seguinte no jantar me esquivei das conversas chatas e comentários duma tia chata que estava de visita e passei boa parte da noite tentando me aproximar de Flávia. Com uma certa ajuda de Daniela consegui levar Flávia para um canto sossegado da casa e ficamos conversando a três e depois apenas eu e Flávia até o final daquela pequena recepção pós jantar.

Terminado o jantar fomos para uma das baladas da cidade e os dias seguintes passei entre baladas, almoços e jantares com Flávia e alguns passeios. Pode até parecer fútil agir assim logo depois de tantos fatos extremamente complexos, mas estar com Flávia me servia mais como um passatempo e meio de fazer as coisas tomarem o mais rápido o possível a normalidade. Nas horas em que estou sozinho é inevitável que este ou aquele acontecimento não venha requerer contas com a consciência. Visto que não há nada a fazer a não ser lembrar e repensar nisso ou aquilo com algum arrependimento ou alívio o certo é que se ficarmos estagnados no passado será o nosso futuro o comprometido. Depois do final de semana leve e solto em companhia daquela professora loira de olhos celestes e jeitinho meigo parti para Ilha Bela prestigiar Paolo numa competição de vela.


domingo, 20 de julho de 2014

Beirut & Dubai



Depois desse reencontro com Elena em Madrid meu destino seria a terra de “babai”: Beirute.
Visitar aquela cidade cerca de quinze anos depois que havia estado junto com o velho libanês  logo depois do final da guerra civil libanesa seria sem dúvida um novo aprendizado de história e cultura social e humana. Aqueles postes cravejados de tiros que eram comuns em muitos pontos da cidade e pessoas pedindo esmolas tinham cedido espaço para uma cidade nova e moderna com prédios charmosos e pessoas que queriam apagar da memória os incidentes sombrios do passado.

A sensação era mais uma vez de que estava numa terra desconhecida e por outro lado rica em referências de memórias afetivas devido às histórias que meu pai e tios nos narravam quando  éramos crianças.  Meu pai nasceu nos subúrbios da região sul de Beirute e quando ainda era criança migrou com sua família para a Genebra na Suíça, depois Colônia na Alemanha, e por fim Argentina aos dezoito anos junto de alguns irmãos e vovó. Eram todos praticamente sapateiros, alfaiates ou marceneiros de ofício. Meu pai por ter paixão por cavalos deixou os móveis de lado e passou a trabalhar para o meu avô materno num rancho onde criavam cavalos de raça no Rio Grande Sul. Dessa forma a paixão deles pela mesma coisa uniu não apenas o destino de ambos como também de meu pai com o de minha mãe.

Começaram a namorar logo depois que ela retornou da França e um ano depois já estavam casados e com uma filha, minha irmã Agnes que nasceu na Argentina devido papai ter ido estabelecer uma filial dos negócios do meu avô por lá. Depois de algum tempo residindo em terras portenhas retornaram ao Brasil devido o negócio não ter logrado o êxito esperado. Naquela época como hoje trabalhar num mercado tão específico e tido como de luxo era sem dúvida uma tarefa que não dava lucro rápido. Voltando ao Brasil essa pequena família foi residir no interior de São Paulo, mais uma vez devido aos arranjos do meu avô aquele jovem libanês de vinte e cinco anos pode começar a fazer frutificar o seu talento como comerciante, deixando assim ambos os cavalos como hobby e um negócio a parte. Anos depois meus irmãos nasceram e por fim eu nasci na fase onde papai já era um sujeito de renome na região e envolvido com política. Viajava muito com ele nas épocas de eleições e testemunhava os bastidores dos acordos entre aqueles homens que naquela época me pareciam tão distintos e bem humorados faziam em jantares regados a muita bebida e causos. Apesar do ambiente festivo e repleto de pessoas extrovertidas nessas ocasiões meu pai não bebia e nem falava muito, era uma espécie de sujeito caladão na dele, mas que sabia impor suas idéias de forma persuasiva com uma fala pausada e mansa que dominava a atenção de todos ao seu redor. Quando estive no Líbano com ele quando era adolescente foi a única vez que o vi chorar e demonstrar algum sentimento mais abertamente. Ao visitar o antigo local onde moravam quando crianças ele e meu tio se emocionaram em ver a velha casa já ocupada por novos habitantes ainda mantendo a arquitetura da fachada a mesma. Ambos se abraçaram e começaram a relatar fatos que vieram à memória naquele momento. Eu e meus irmãos que estávamos ali de camarote assistindo aquilo ficávamos surpresos com essa demonstração emocional de ambos, pois sempre ambos foram dois homens muito fechados e de poucas palavras até mesmo com os filhos.

Desta vez, por desconhecer o local com precisão não encontrei a tal casa onde essa cena atípica se deu. Gostaria de ter estado mais uma vez nesse local como uma forma de homenagem a memória da minha família paterna. Apesar disso, percorri muito a cidade e conheci desde lugares onde o cheiro da comida me convidavam para conhecer até locais onde belas libanesas eram uma atração a parte na paisagem. Durante minha estadia na cidade conheci uma bela advogada que estava me auxiliando em alguns negócios por indicação dum corretor local amigo do velho libanês. Como meu árabe era nada mais que dizer bom dia e boa noite e devido ser necessário alguém com habilidade e conhecimento em detalhes legais sobre determinados assuntos a bela Gihan uma moça alta, de pele clara e olhos que pareciam duas amêndoas na coloração me ciceroneou naquelas semanas em Beirute. Apesar do encanto com a beleza dela, não tivemos nada mais que almoços e jantares juntos e algumas baladas nas quais onde ela me apresentou a seu circulo de amizades pessoais. Passei dias e dias na companhia desses novos amigos que sempre faziam questão de regar nossos encontros com muita bebida, música e dança. De dia eu e Gihan trabalhávamos e fechávamos negócios, à noite fechávamos a noite em bares e discotecas com muita festa e conversas animadas e boas risadas.

Num final de semana posterior a tantos negócios e baladas Gihan resolveu me levar para Jounie almoçar com ela e conhecer alguns parentes dela. Passamos um final de semana maravilhoso numa bela casa nas montanhas com vista para o Mar Mediterrâneo. No final da tarde antes de voltarmos para Beirute ela me confidenciou algumas coisas pessoais. Disse que havia terminado um relacionamento recentemente e que se não fosse por isso talvez se arriscasse a ter um romance passageiro comigo por ido com a minha cara. A franqueza e modo direto com que ela disse isso me pegou de surpresa. Eu havia descartado qualquer possibilidade desde o início em tentar alguma coisa nesse sentido com ela preferindo dar ênfase apenas a nossa relação profissional e no máximo como amigos que se conhecem a pouco tempo. Fiquei pensando em quantas mulheres no Brasil haviam passado na minha vida, as quais não seriam capazes de demonstrar tanta segurança assim sobre suas emoções e ao invés de dizerem as coisas com serenidade e honestidade sempre preferiam encenar o papel de carentes e imaturas de corpo e alma. Raras eram as exceções de mulheres que conhecia que tendo ou não envolvimento comigo que eram capazes de dizer as coisas de forma direta com tanta personalidade e segurança sem cair na pieguice. Gihan e Elena faziam parte desse rol, e por serem estrangeiras talvez isso mude alguma coisa, mas uma com temperamento mais brando e outra com o gênio mais explosivo não se escondiam em falsas impressões e desculpas corriqueiras, falavam abertamente sobre como se sentiam e não responsabilizavam ninguém por suas falhas ou algo de tenha dado errado em questões amorosas principalmente. Simplesmente aceitavam, compreendiam e não faziam questão de dramatizar tais fatos com remorsos ou ressentimentos banais. Aqueles dias passados juntos de Carolina, Elena e Gihan me fizeram aprender algo novo sobre as mulheres e descobrir muito daquilo que eu mesmo busco numa mulher.

Mesmo assim o meu gan finale nas Arábias seria sem levar em conta nada disso, pois ainda segui meu destino para Dubai jogar e golf e no avião conheci uma bela médica jordaniana com a qual passei um final de semana digno de enredo de filme naquela cidade esplendorosa no meio de tanta areia. Depois de tantas semanas longe de casa e vivendo cada dia intensamente tinha que voltar ao Brasil. Tinha que voltar a rotina que nem sempre é cheia de glamour e boas sensações, mas que no fundo é de fato a minha vida real e tinha que cuidar dela duma forma nova e mais madura.