quinta-feira, 17 de abril de 2014

Uma noite quente no Rio



Um dos meus escritores prediletos disse certa vez: “Que nossos vícios sejam comparados aos temporais, às tempestades, aos furacões!” – Disse ainda o seguinte: “O que a mulher mais velha oferece ao homem mais moço é antes de tudo a certeza de que seu amor se desenvolverá longe de qualquer risco matrimonial”. Naquela noite, depois de ter retornado da viagem alguns dias, depois de ter conhecido Luíza e Marie ter bancado o cupido, lá estava eu, mais uma vez, de volta ao meu vício preferido, que é manter ou ter casos passageiros com qualquer mulher tenhas ardores eróticos e beleza que me atraiam. Não é necessário que essas mulheres sejam escolhidas a dedo, basta apenas que elas cruzem o meu caminho e que me sinta atraído por elas ou alguma delas por mim. Basta que ambos os lados cedam aos desejos mais intensos da carne e queiram concretizar suas vontades sem medir consequencias. Consequencias que tantos outros medem e desejos que represam em si mesmos aguardando alguém perfeito para desaguarem ardor e desejo. Muitas vezes essa pessoa idealizada, romantizada, nunca surge e certas pessoas passam a vida numa solidão formal que aceitam como obra do destino. Desde muito cedo em minha vida sempre tentei ser o oposto desse tipo de pessoa que se deixa ficar a sombra dos acontecimentos. Mesmos seguindo intuições, desejos e vontades muitas vezes ficamos fadados aos caprichos do destino. Diante disso, tentar reprimir algum acontecimento ou qualquer outro medindo as causas e efeitos nunca foi o meu forte.

Na manhã seguinte, após uma noite com a vizinha infiel, a qual ainda tinha ainda um estilo jovem no modo de falar e se comportar o telefone toca e nos acorda. Do outro lado da linha a voz de soprano e fala rápida de Marie questionava se na próxima semana estaria em São Paulo, e cogitava planos de ir com Luíza me visitar no próximo final de semana. Confirmei que estaria por lá, e logo Marie passou o telefone para Luíza que com sua voz lenta e doce de contralto confirmou os detalhes finais desse primeiro reencontro e desligou, sem sequer imaginar que deitada sobre meu peito estava uma mulher, talvez até trinta anos mais velha que ela, que por sua vez com sua voz rouca típica de quem acaba de acordar me diz tocando com a ponta do indicador nos meus lábios como se fosse um telegrafo: Sabia que essa boca é muito gostosa?  Respondi cinicamente: Modéstia a parte, tudo em mim é gostoso não acha? A vizinha infiel retrucou: Taí uma coisa que você é e outra que você não é. Você não é modesto, você é orgulhoso, muito orgulhoso, e isso me agrada em você; e o seu jeito de homem arrogante de gostosão também! - Mal tive tempo de responder ela se levantou colocou suas roupas, arrumou o cabelo no espelho e disse apenas: Depois nos falamos! Tchau querido! Fez um coraçãozinho, mandou um beijo e sumiu por semanas.

A semana seguinte já estava definida, passar dias e dias em reuniões e encontrar as garotas em São Paulo. Passei boa parte da semana recluso em reuniões longas me focando nos afazeres, evitei ao máximo fazer previsões ou antecipações proféticas do futuro, apenas delimitei as possibilidades que poderia ter com Luíza ou Aline, com isso deixaria tudo ao poder do acaso sem me aprofundar no que poderia a acontecer. Isso me levava a crer que Aline estava de um lado da moeda e Luíza de outro. Seria o destino a resolver o cara e coroa entre as duas. Uma coisa simples e banal me levou a inventar essa possibilidade. Luíza logo que voltou de viagem tinha desfeito o seu romance água com açúcar com seu namoradinho de faculdade. Contou honestamente que tinha conhecido outra pessoa na viagem, além disso, contou, dessa vez para mim, um outro fato aditivo a esse, que havia outro cara dando em cima dela, um cara quase da minha idade que tentava fazer ela deixar o garoto da faculdade para namorar com ele. Ante a esses fatos isso me fazia acreditar, que mesmo tão disputada por sujeitos que tinham uma vantagem de estarem no mesmo lugar que ela, enquanto eu estava distante em outra cidade, isso me fazia acreditar que por algum motivo ela tinha optado por mim de forma bastante convicta e não seria, ao menos para ela, uma aventura passageira de viagem. Ao menos para mim, não importava o motivo dessa escolha dela, nem mesmo o quanto a história fosse durar, ela tinha deixando um e recusado outro e apostado suas fichas em mim.

Essa confissão dela, estranhamente me causou a sensação típica dum garoto adolescente que sente-se o preferido pela garota mais bonita da escola e que diante disso não faz nada além de ficar na dele e aproveitar os acontecimentos. Naquele final de semana em companhia dela e Marie, também pude notar que amizade delas era algo bom e possivelmente duradouro e nada tinha a ver comigo. Isso me deixou com certo alívio. Por outro lado, Luíza demonstrava não apenas ser amável com Marie, ela estendia esse seu modo a mim também. Aos poucos percebi que aquela mão na nuca fazendo um cafuné nos meus cabelos era algo que exprimia isso da mesma forma que ela fazia o mesmo com Marie. Mesmo tendo passado os dias anteriores em companhia de outras mulheres, tanto da vizinha infiel como de Aline que naquela semana estava arredia comigo, aquele jeito espontâneo e cativante de Luíza não era apenas um indício da sua personalidade, mas também algo prezava em tantas outras como Camila e Bianca que tinham os mesmos modos de expressar carinho e tornar as coisas leves e com certo frescor. Seria pouco provável que cada uma delas tivesse um repertório totalmente diferente umas das outras de como expressar isso através de gestos e comportamentos. Por vezes, olhava para Luíza e via nela os traços da beleza e fragilidade de Camila, assim como em outros momentos conseguia pescar algum traço de gênio indomável de Regina e Elena, e até mesmo a ambição presente na forma de ser de Aline davam sinais de estarem ali escondidos em algum lugar. De Bianca ela tinha algo do jeito de falar e caminhar exuberante e as mesmas palhaçadas que ela fazia.       

Talvez encontrar um pouco de cada uma misturado numa pessoa só fosse uma ilusão da minha percepção, e isso aliado ao escasso tempo que passamos juntos, poderia ainda não ter me dado o tom peculiar de como Luíza fosse realmente. Ela poderia ser uma soma de todas as outras ou até mesmo a diferença desse cálculo imaginário que fazia na minha mente. A melhor analogia que pude tecer para isso seria a de estar numa estrada nova, mas com trechos da paisagem que eu já conhecia, e por lugares que eu já havia passado antes. Entretanto, o final de semana em companhia delas foi alegre e me esvaziou do estresse daquela semana repleta de reuniões nas quais definia os novos rumos da empresa. Estar com uma filha e uma nova namorada no mesmo apartamento que na maior parte do tempo servia apenas para dormir ou receber amigos para jantares em algumas ocasiões, desta vez era diferente, o apartamento ganhava ares de família de certa forma.  As duas sentadas lado a lado num sofá debatendo sobre roupas, sapatos, e fotos de viagem pareciam mãe e filha.  Aquela cena me remetia ao pouco disso que tinha vivido em outras ocasiões. Na maior parte desses momentos não estive presente, apenas presenciei os bebês, e os vi crescer a distância. Acompanhei a infância de cada filho via de regra em visitas e algumas férias juntos. Quando me dei conta Quim e Marie já eram adolescentes e estavam as voltas com suas mães e me procuravam para ajudá-los e isso trouxe eles morarem comigo e conviverem comigo de forma direta e sem interferências do cotidiano ao lado das mães castradoras. Primeiro Quim e depois Marie, cujas mães torciam o nariz e faziam duras e pesadas críticas quanto a fato de estudarem no exterior, ambas preferiam que primeiro cursassem faculdade aqui e depois mais maduros fossem para tão longe delas.  Como sempre defendi a tese oposta que o quanto antes saíssem de casa para estudar e aprender responsabilidades seria em mim que eles encontravam refúgio para se abrirem e evitar que as vontades das mães fossem impostas de alguma forma.

Outro assunto que isso trazia para minha pauta era a grande possibilidade de Ingrid ser minha filha. Tendo quase certeza disso ao presenciar como ela é nos últimos meses em Curitiba, acreditei que estava na hora de questionar Ágata sobre isso e caso ela confirmasse essa hipótese teríamos que dizer isso para Ingrid numa hora propícia. Enquanto isso não decorria, me considerava com certa sorte em ter uma boa relação com eles. Não tinha passado tanto tempo com eles ao ponto de ter criado atritos e desgastes; isso ficou a encargo das mães. Quando eles se aproximaram mais de mim foi de algum modo uma iniciativa deles em recorrer ao pai distante que endossava o que eles queriam.  Sabia que tinha que fazer isso com tato e ao invés de confrontar eles e dar razões para tudo que as mães de cada um diziam e queriam, passei a dar para eles liberdade de escolha em contraponto às responsabilidades que deveriam ter. Isso aos poucos amarrou de vez o laço que tinha com eles e os fazia manterem uma confiança recíproca que parecia que era algo que as mães tinham perdido nesse momento.

Na semana seguinte tinha que visitar o Quim e decidir provisoriamente qual faculdade ele deveria se focar para se manter no EUA sem voltar para trás. Chegando lá pouca coisa precisava ser resolvida nesses quesitos, ele mesmo por si só já tinha tudo bem definido os rumos que a vida dele poderia tomar nesse sentido e bastaria aguardar os períodos de admissão nos próximos meses. Aquele garoto atrevido e um pouco rebelde que tinha passado algum tempo comigo tinha mudado, estava mais compenetrado nas obrigações e contente por ter seguido o próprio caminho . Quando retornei de lá seria a mãe de Marie a importunar ela com as mesmas coisas que a mãe de Quim tinha feito sem sucesso algum tempo atrás.  A história se repetia, e com algumas doses a mais de brigas entre mãe e filhos. Regina tinha mudado o seu jeito de ser, aparentemente aquela mulher desenvolta e segura tinha dado lugar a uma mulher insegura e implicante, depois do casamento dela com um americano ela tinha mudado drasticamente. Isso refletia diretamente no relacionamento dela com Marie. Por sua vez, Marie parecia ter assumido as qualidades que a mãe havia perdido. Isso parecia ser o ponto gerador de desentendimento entre elas em diversos assuntos, em especial, o de estudar moda ou algo parecido no exterior. Decorrente disso e do relacionamento que se esboçava com Luíza, Marie foi ficando cada vez mais próxima não apenas de mim, mas por sinal de Luíza também.

Os dias se passaram quase sempre seguindo a mesma rotina laboriosa de reuniões, discussões de projetos de negócios e vez ou outra uma visita ao campo de golfe treinar umas tacadas. Voltei para o Paraná e para aquela vizinha infiel, as vésperas de carnaval aquele meu loft parecia um misto de escritório com papéis por todos os lados e um esconderijo da vida pacata daquela vizinha adúltera. Apesar de ser uma mulher fogosa e bonita, apesar do fato de não me incomodar com o perigo de algum flagrante, eu já não estava disposto a servir a lascívia da vizinha quando ela bem entendesse.  Se ela tinha algum problema com a falta de vigor do marido, com a calvície dele ou barriga de chopp deveria abandoná-lo e recorrer aos jovens rapazes secos por uma aventura com uma mulher mais velha e caliente como ela. Até pensei em dizer isso para ela, mas não fiz isso, calei-me preferindo me submeter como amante daquele adultério pelo simples fato dela ser boa de cama e sem tabus. Após mais um encontro às escondidas como versa o manual das esposas infiéis resolvi despistá-la e buscar prazeres no corpinho duma professorinha novata do colégio da minha mãe. Essa era o oposto da vizinha infiel em temos de compromisso, jovem e mãe solteira duma bela garotinha de dois anos, sua beleza despertava a minha atenção, mas em termos de conversas e assuntos preferia a vizinha sem dúvida. Já havia tempos que flertava com ela e até tinha dado um passeio com ela, a coisa progrediu lentamente, até o ponto dela ser levada para cama. Mais uma vez essa foi caso passageiro como a tal vizinha infiel, cerca de três encontros madrugada afora já foram suficientes para me impor um certo sentimento de culpa por estar traindo Luíza, visto que ela demonstrava cada vez mais estar apaixonada por aquele canalha infiel pertinaz supostamente incorrigível.

Talvez seja necessário perdoar alguns canalhas, não todos, com base numa convicção de que o amor os inocenta. Como se fosse uma teoria da culpabilidade que levam em conta os sentimentos do acusado. Talvez também seja necessário definir esses homens como pessoas que experimentam sentimentos e não os valorizam, mas quando passam a valorizá-los as coisas mudam de ponta cabeça em suas vidas.  Quando isso acontece os dilemas entre levar uma vida sempre na mesma tônica, dos amores fáceis, das conquistas fugazes e do trato inconsequente sobre tudo isso passa a criar atrito com sentimentos puros que surgem em nós à nossa revelia e muitas vezes nos confundem. Muitos desses homens ficam comovidos com esses sentimentos puros e até mudam, mas um dia inevitavelmente essa sensação se torna opaca e eles se tornam mais uma vez indiferentes ao valor desses sentimentos.

Essa idéia só se tornou clara na minha mente depois de mais um caso passageiro com uma advogada casada, a quem conhecia de longa data e sempre havia entre nós flertes, e algumas oportunidades de levar a cabo nossas segundas intenções, porém nunca nada disso foi levado a sério. Dessa vez o jogo mudaria, ela estava se mudando para Curitiba e me telefonou, contou que estava procurando uma casa para morar na cidade e que tinha vindo sozinha e o marido estava quilômetros de distancia em outro lugar.  Foram apenas três dias em companhia daquela bela ruiva, bastou um encontro num almoço, uma mão sobre a outra na mesa, um beijo na boca, e tudo desenrolou. Mais uma vez uma ponta de culpa surgiu assim que táxi dela virou a esquina. Era apenas mais uma como tantas outras indo embora; seguindo sua vida e me deixando para trás.

Naquele momento fui dar uma volta caminhando, fumando lentamente um cigarro após o outro. Recordava de cada momento passado na presença de Luíza e achava que tudo aquilo seria no mínimo injusto com ela que estava sendo tão sincera comigo quanto aos seus sentimentos. Ela já tinha me apresentado aos pais, aos avós, aos irmãos e amigos, enfim tinha me colocado em contato com a vida dela como se esperasse algo sério entre nós. Da minha parte aquilo não passou apenas de momentos de aborrecimentos, ter que conhecer o pai dela, um quarentão caretão, que se casou cedo e parecia não ter aproveitado nada da vida de solteiro. Aquele sujeito metódico, recheado de opiniões prontas sobre qualquer assunto era no mínimo entediante. A mãe uma ex-alcoólatra que tinha posto o casamento e vida familiar em xeque mate no tempo que Luíza era adolescente ao menos tinha certa simpatia que é comum nos ébrios. O irmão pirralho não passava duma criança mimadas pelo pai, e Luíza parecia destoar de tudo aquilo como se fosse uma alma independente no meio daquelas pessoas aparentemente satisfeitas com suas vidas dentro da média.  Luíza tinha contrariado as intenções do pai que queria que ela fosse médica como quase todos da família, ou ao menos que fosse herdeira dos pacientes dele. Saiu de casa, pagou a própria faculdade sozinha, optando pelas ciências jurídicas para o desgosto do pai controlador. Viveu a vida dela o máximo que pode longe das interferências do pai. Mesmo assim era nítido que ele não tinha desistindo em insistir em certas coisas e desaprovava desde o namorado anterior, como qualquer outro pretendente da filha. Comigo não pareceu diferente, fez o habitual interrogatório dos pais mandões que faria qualquer moleque tremer principalmente por não ter um emprego decente para os padrões dele. Dessa vez ele tinha quebrado a cara. Encontrou pela frente, modéstia a parte, um sujeito com a vida estabilizada, que não devia nada para ninguém e que pouco estava se lixando para opinião dum médico provinciano cheio de manias.

Toda aquela empáfia do pai de Luíza batia no meu desdém pela opinião dele sobre mim e de certa forma isso fez surgir na filha certo sentimento de segurança que nenhum outro rapaz desavisado tivera causado nela. Nova Friburgo tinha ficado pequena demais para o ego do pai e do namorado da filha. Passamos o dia seguinte a sós num hotel fazenda, num clima romântico, enquanto isso o pai da moça que ficasse atônito com suas frescuras habituais. Aproveitei a sensação de segurança de Luíza e passei a provocá-la para ver se algo mais aconteceria entre nós naquele hotel fazenda com paisagem de montanhas e muito verde. Foi nessa ocasião, que ela revelou algo que eu temia ser verdade devido o comportamento comedido e restritivo dela em certas ocasiões. Meio sem jeito e ruborizada revelou que ainda era virgem e aquilo me deixou perplexo por alguns minutos, mas por outro lado atiçou minha imaginação erótica como se fosse um garoto de doze anos na mesma situação. Essa novidade me fez inevitavelmente recordar de Aline que apesar de virgem era uma garota atrevida e sensual, logo que me divorciei de Bianca não tive dúvidas em iniciá-la na arte do prazer, e mais ou menos um ano depois ela não devia nada nem mesmo para aquela vizinha fogosa e infiel com anos de praia que tinha tido mil namorados e talvez uma dúzia de amantes na sua coleção de infidelidades.

Fiquei pensando tanto em Aline que quando voltei mesmo ela estando arredia comigo devido saber do meu romance com Luíza passei a agradá-la até que ela cedeu aos meus avanços numa viagem de negócios e passamos a noite juntos.  Após esses dias cheios de aventuras voltei para Curitiba inaugurar o novo escritório da filial da empresa. Depois de mais ou menos dois anos de preparativos tudo estava maduro para expandir e abrir uma sede na região. Nessa ocasião estando preso ali por conta das obrigações profissionais resolvi conversar com Ágata sobre Ingrid. Cheguei na casa dela e apenas ela ainda estava acordada, ela me ofereceu um chá e perguntou qual era o assunto que me trazia ali como se já tivesse previsto que aquele dia iria chegar. Logo que anunciei o tema da conversa ela levantou da cadeira da cozinha como se tivesse um estalo de nervosismo e olhando séria no meu rosto disse: Sabe quanto tempo eu tenho esperado você tocar nesse assunto? Anos! Achei que você nunca iria perceber algo tão óbvio, pensei que faria de conta que não era da sua conta, como fez todos esses anos! – Tentei interrompê-la e dizer algo; mas ela prosseguiu: Eu sempre quis te falar sobre isso, mas nunca tive coragem também, acho que fui tão covarde quanto você e todos os dias ficava aflita em saber que um dia eu teria que contar isso para Ingrid mesmo que você não desse a mínima para isso! Ainda bem que você pelo jeito vai nos poupar desse desgosto e pelo visto está interessado nisso dum jeito que nem eu, nem a sua mãe cogitávamos que fosse acontecer! Depois de proferido um longo discurso de desabafo Ágata finalmente ouviu cada coisa que eu tinha a dizer sobre este assunto e pereceu aliviada por ter chegado o dia da verdade. Mesmo assim fez me prometer que só contaríamos isso para Ingrid depois do baile de debutante dela que seria nas próximas semanas. Aquela conversa franca, aberta e sem rodeios tinha me dado a sensação de que tinha acertado as contas com o passado e presente, parecia que um senso de justiça tinha iluminado a minha razão e isso passou a invocar dentro de mim mais questões. Dessa vez essas questões estavam ligadas com Aline e Luíza, algo me dizia que teria que escolher entre uma ou outra, ou nenhuma delas para que eu pudesse ficar em paz comigo mesmo.

Foi pensando nisso que tomei todos os fatos dos últimos meses numa espécie de retrospectiva impiedosa e fria, e analisei cada coisa que tinha feito, achei que estava viciado em canalhices, futilidades e infidelidades e alguma coisa deveria mudar para viver algo mais profundo e concreto. Passei a fazer cálculos numa espécie de matemática existencial, conversando com uma pessoa ou outra a quem podia confidenciar tais coisas escutava inesperadamente probabilidades diversas para tudo que pensava e sentia. Numa álgebra que calculava amar alguém mais e outro alguém menos, aos poucos fui deduzindo que não era essa a questão crucial. Na verdade não fazia sequer sentido pensar as coisas dessa forma, pois calcular sentimentos e ações com exatidão matemática é algo impossível, mesmo que fosse possível seria uma violação da honestidade sobre tais sentimentos. Alguma coisa nisso tudo me remetia aos romances russos de Dostoievski ou Tolstoi, e me faziam pensar que se algum dia na vida eu encontrasse alguma Nastassia Philoppovna ou Anna Karenina isso seria suficiente para resolver esses impasses duma forma mais amena.

Ao passo que divagava sobre essas coisas, entre uma noite e outra, achava que todas as mulheres que havia conhecido eram sínteses de Maria Madalenas com Marias ou de Terezas com Sabinas. Não havia um parâmetro adequado para saber o quanto uma era diferente da outra, no final das contas desses cálculos insólitos cheguei conclusão que talvez tivesse conhecido todas superficialmente e de que não tinha amado nenhuma delas realmente. Pior ainda seria não ter solução para isso e ser capaz de amar ao menos uma por inteiro sem os velhos hábitos e condicionamentos egoístas e do orgulho que privam as pessoas de conhecer a realidade sobre si mesmas. Chegava a crer que uma certa forma de insanidade empurrava homens como eu para o casamento e uma forma de racionalidade me levava aos contínuos rabos de saia. Depois invertia os termos e a racionalidade e insanidade não faziam sentido nessa conjectura, com isso passava achar que fé e esperança nas pessoas eram as virtudes para essas coisas acontecerem. No fundo tudo isso não passou dum emaranhado filosófico sem sentido, numa tentativa de refutar as razões pelas quais uma amiga psicóloga disse que tinha medo de relacionamentos mais sérios. Ao menos aquela sensação do desfecho de Fellini 8 e ½ parecia fazer mais sentido que tudo isso.

Foi durante o baile de debutante de Ingrid que comecei a notar que estava com todas essas questões em aberto na minha cabeça como se estivesse numa encruzilhada. Durante a festa, com toda aquela pompa e circunstância que notei que tinha algo fora do padrão habitual. Ao ver Luíza naquele vestido longo, de ombros de fora, com sorriso largo irradiando simpatia desenvoltura num ambiente no qual ela conhecia poucas pessoas que percebei que em tão pouco tempo não era apenas a beleza dela que me atraia, mas também o jeito de ser dela. Passei o baile inteiro alheio ao cerimonial que de certa forma era apenas mais um sonho de adolescente sendo realizado em grande estilo. Fiquei prestando a atenção em cada gesto e momento de Luíza, no modo que ela conseguia atrair os olhares de outros homens e também das mulheres com seus falsos ares de aristocracia adquiridos em shoppings centers.

Antes disso, eu apenas estava extasiado com a beleza dela, do jeito dela parecer com tantas outras que haviam passado na minha vida, estava motivado pelo fato dela ser inexperiente e que tudo que poderia proporcionar para ela seria algo novo. De um lado os violinos tocavam seus acordes com sinos ao fundo, mas o lado racional e egoísta dava marretadas nesse sentimento de paixonite tão pueril.  Algo me dizia que para ficar ao lado dela teria que renunciar todas as outras, dentre elas havia Aline, a qual era de certa forma a rainha desse baralho com mulheres de tantos naipes. Mesmo assim me concentrei nos encantos da bela carioca e a chamei para dançar, passei a mão pelo ombro dela, pelas costas sorrateiramente, deslizei pelo braço e cotovelos como se estivesse acariciando uma seda, segurei a mão dela e a levei para a pista de dança. De novo experimentei aquela sensação de ser o garoto com a menina mais bonita da escola, todos olhavam atentos o casal e até mesmo a velha francesa olhava com aprovação a nova conquista do filho. Entre um passo e outro, só tinha olhos para os olhos de Luíza, e ela que antes ficava um pouco constrangida com esses pequenos gestos de sedução, naquele dia estava inteiramente inebriante e segura. Quase no final do baile reconheci os acordes de Moonglow, algo tão inesperado quanto essa música, foi a reação que tive de sair de cena da vista de todos e levá-la num recanto a sós para namorar com a música ao fundo.  A noite estava perfeita, mas mesmo assim, com toda essa magia e empolgação de tantos beijos apaixonados Luíza quase não resistia em ceder ao momento, porém, não foi dessa vez que ela iria se entregar.

Talvez tenha sido essa negativa naquela noite tão cheia de emoções que me fez ir para os braços de Aline tão logo a revi em São Paulo. Por outro lado, talvez também tenha sido tudo que ocorreu de bom naquela noite que me fez decidir a deixá-la também. Depois de noites e noites às escondidas com Aline, saindo e voltando para o apartamento sem que Marie desconfiasse das fugas noturnas do pai, resolvi terminar tudo com Aline no dia da conjunção de marte com a lua. Naqueles dias a minha cabeça estava a mil, com assuntos do escritório, com a fuga repentina de Marie para São Paulo depois duma série de brigas com a mãe, aliado a isso cada final de semana passado com Luíza me fazia acreditar que me aproximava do dia que logo ela cederia a tantas investidas românticas da minha parte para um gran-finale na cama. Outro elemento que me levava a deixar Aline eram suas constantes pequenas crises de ciúmes em virtude da atenção que eu estava dando para Luíza. Parecia que dessa vez ela se importava em ser a outra, que aquele posto já não seria mais aceito por ela até mesmo ao ponto dela resolver entregar o nosso relacionamento para Luíza num desses arroubos intempestivos de ciúmes. Dessa vez, Aline que sempre manteve-se segura de que ela, apesar de qualquer outra era a única para quem eu sempre voltava, parecia apostar nisso, mas não com tanta segurança como das outras vezes. Ela  passou a repetir isso constantemente também, assim como, cada vez que repetia que seria para ela para quem eu retornaria depois de me frustrar com Luíza devido julgar ela uma garota mimada e pedante, passou a deixar claro que poderia fazer algo para que o meu romance com Luíza fosse água abaixo.


Ao ponto que isso passou a incomodar e devido a possibilidade das bravatas dela se tornarem reais as coisas entre Aline e eu foram perdendo o sentido e esfriando da minha parte. Aline estava perdendo o encanto para mim, e tudo que ainda me atraia nela estava ficando em segundo plano devido aos ataques de ciúmes e ameaças dela. Terminei com ela, e mesmo achando que isso iria me tirar um peso da consciência, no fundo me deu certa tristeza, pois de alguma forma ainda sentia algo por ela, algo que só percebi logo depois que já tinha jogado todas cartas na mesa para findar nossa relação de amantes. No final de semana seguinte estava com Luíza mais um vez, e mesmo estando com ela e tudo correndo bem entre nós, num momento ou outro surgia uma espécie de arrependimento por ter libertado Aline daquela condição de eterna amante. Nesse mesmo final de semana, por ironia do destino, Luíza resolveu ter a sua primeira crise de ciúmes também e armar barraco. Ao apresentar uma prima estudante de medicina, a qual achei cuspida e escarrada como Ágata na época que a conheci, Luíza logo ficou insatisfeita com a atenção que dispensei a tal prima em decorrência desse fato inusitado. Ela brigava, enquanto ficava calado, aos poucos consegui contornar mais uma crise de ciúmes feminina através de velhas estratégias e logo estávamos novamente aos beijos e abraços como se nada tivesse acontecido. Após isso, como estava com a agenda mais livre, passei mais alguns dias no Rio como se fossemos um casal de recém casados naquele novo apartamento que Luíza tinha acabo de comprar. Planejamos viajar para Argentina à convite de Paolo, e numa noite depois dum jantar desprentensioso Luíza foi dormir cedo como habitual, fiquei terminando alguns preparativos para negócios que teria que resolver na próxima semana noite a dentro.

Após algumas horas de silêncio trabalhando resolvo fazer um happy hour solitário antes de dormir. Pego uma garrafa de vinho, encho a taça, me sento numa cadeira na varando e fico apreciando a cidade dormindo. Penso em Aline com uma ponta de saudade incomodando devido decisão tomada dias atrás. De repente surge na porta da sacada Luíza de pijama coçando os olhos e bocejando depois de ter feito um abajur cair no chão da sala. Ela me questiona se não vou dormir, reclama do frio daquela noite, puxo ela pela mão coloco ela no colo, ajeito seus cabelos loiros escuros e ela fica ali alguns minutos quieta até que me pede um beijo de boa noite mais uma vez alegando frio. O que era para ser mais uma breve beijoca de boa noite se transforma num beijo longo, carrego ela até o quarto dela, e a deito na cama, finalizo o beijo longo e dou boa noite. Dessa vez ela não quer boa noite e pede mais beijos, e assim entre um beijo e outro, o frio daquela noite logo é esquecido por ela, e aos poucos cada peça daquele pijama deixa o corpo dela rumo ao chão do quarto, e da boca o beijo passa a ser no pescoço, nos ombros nos seios, na barriga e coxa dela, até finalmente aquela meias ser a única peça de roupa que resta, e que tiro lentamente olhando para ela que olha para mim dócil como uma gata manhosa. Tiro a camiseta coloco o pé dela no meu peito e acaricio sua perna e pé e ela me pede outro beijo. Faço o caminho de volta pelos pé, joelho coxas dela até os quadris, sentindo o calor dela coloco a mão na parte de trás da cintura deslizando pelas costas até o pescoço, a seguro nos meus braços, a beijo até começar a fazer amor lentamente; sem mais pensar em nada apenas escuto cada gemido de Luíza que se entrega pela primeira vez.

Pela manhã o despertador berra nos nossos ouvidos, Luíza acorda assustada, e fica olhando para o seu pijama jogado no chão com a mão no queixo, depois olha para mim e ao invés de dizer bom dia se lança sobre mim, sem mais nenhum pudor e diz baixinho no meu ouvido: Você sabia que isso iria acontecer não é mocinho? Respondi que sabia, mas não sabia quando, e ela cola sua testa e nariz no meu rosto olho no olho me diz lábios nos lábios: Então saiba que só fiz isso porque te amo! Depois disso um beijo e quase que ela perde a hora de ir para o trabalho.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Alonso 8 e ½




Depois dessa viagem ao Mato Grosso do Sul e reencontro com Karen haveria ainda mais um reencontro com ela, ou o que seria o encontro final. Durante as festas de final de ano Tia Charlô fez questão de convidá-la pra passar o Natal em Curitiba em nossa casa e decorrente disso Karen também acabou indo junto com o filho passar o final de ano em Camboriú junto comigo e Quim e o resto do pessoal da família.



Na tarde de véspera de Natal Karen disse que queria conversar comigo, no momento pensei que seria apenas realmente uma conversa sobre alguma coisa ligada ao filho dela ou coisas de família, mas não foi isso, foi só um pretexto para sair do meio de primos, tias, mãe e filhos para ela me lascar um beijo na boca ali mesmo dentro do carro. Aquela sensação de amor proibido tinha voltado de repente. Tantos anos depois, sem contato, sem nos falar e vivendo cada um a sua própria vida ela estava ali como antes nos meus braços dizendo que estava com vontade de dar esse beijo desde quando estávamos na fazenda nessa última vez devido aos negócios.



Após a ceia de Natal fugimos mais uma vez da presença de todos, enquanto uns foram para a balada e outros ficaram em casa descansando, eu e Karen fomos para o meu apartamento onde logo que fechei a porta encostei ela na parede e a beijei como se fossemos dois adolescentes mais uma vez. Ela trançou suas pernas nas minhas costas e caminhei com ela grudada em mim até a cozinha onde a sentei na mesa e depois a deitei aos beijos e beijos como fora naquela tarde da fazenda em nossa primeira vez. Acontece que dessa vez ao invés de tudo transcorrer como daquela vez ela pediu para parar e não fizemos amor. Fiquei surpreso e sem entender, mas como ela tinha ficado viúva já algum tempo achei que ela estava com alguma espécie de temor. Passamos algumas horas ali conversando, e desta vez colocamos a conversa realmente em dia ao conversar sobre nosso pequeno romance do passado, de como nossas vidas tinham sido e tudo mais sobre essas coisas. Os olhos dela brilhavam como antes, o modo dela arrumar o cabelo não tinha mudado, a boca continuava molhada e beijoqueira como antes, a única coisa que tinha mudado era uma vida passada cada um no seu canto vivendo a própria vida mantendo as recordações daquela paixão entre primos numa gaveta.



Dois dias depois viajamos para o litoral e após algumas tardes de passeio a dois para ver o por do sol uma chuva nos pegou de surpresa, voltamos correndo até a casa de praia. Logo ao entrar molhados de chuva mais um beijo como aquele do apartamento, dessa vez tirando a blusa molhada dela pelas alças e deixando cair até os pés, segui colado naquela boca duas vezes molhada com sabor de chuva e calor, avancei para o pescoço e depois os seios molhados e quentes, carreguei ela até o sofá e fizemos amor ali enquanto a tempestade lá fora matinha qualquer visita indesejada bem longe dali. Após isso pegamos no sono e acordamos no meio da noite, subimos para o quarto e como os garotos não tinham voltado por estarem em alguma festa, continuamos fazendo amor o resto da noite. De manhã bem cedo ao ouvir o barulho do Quim e João Paulo voltando da festa e tentando entrar na casa, pulamos da cama no susto, enquanto eu fui abrir a porta Karen foi tomar banho e durante o café da manhã com eles fazíamos de conta que tudo estava como antes.



O segredo duraria pouco tempo guardado, no dia seguinte estávamos sentados na areia com Karen com a cabeça no meu ombro e ouvimos ao fundo os garotos cantarolando alegremente: “Tão namorando, tão namorando...”  Sentaram-se eles junto de nós cada um de lado e ficamos batendo papo planejando o dia seguinte que seria a virada de ano. Passamos o réveillon juntos, a meia noite um beijo e a sensação que as coisas com Karen seriam um novo capítulo, uma bonita e possível história de amor entre dois primos que um dia já foram apaixonados e agora se reencontravam depois de anos podendo viver essa história. Entretanto, não foi assim, uma semana depois Karen me ligou dizendo que tudo tinha sido um sonho maravilhoso, mas que nossas vidas são completamente diferentes e opostas, disse que seria melhor cada um seguir seu destino como antes. Na certa, aquilo me deixou chocado, parecia que tinha perdido pela segunda vez o gosto daquela paixão juvenil, tentei insistir para ela mudar de idéia, creio que estava apaixonado por ela novamente duma forma nova e até mesmo esperançosa. Karen manteve seu juízo e nenhum argumento fez ela mudar de opinião sobre isso. Passei os dias seguintes com aquele nó na garganta, me sentindo rejeitado, ou algo parecido, sem entender porque ela esteve tão aberta e envolvente a permitindo tudo aquilo acontecer entre nós mais uma vez e dias depois vetava qualquer esperança. Feito isso ela não deu mais notícias, desapareceu mais uma vez e agora todas vezes que recordo de tudo que passamos juntos lembro disso com um desfecho infeliz que tenho que aceitar. Tudo que vivemos juntos ficou divido em dois atos como numa peça de teatro onde o tempo e destino se encarregam de trazer e levar sentimentos conforme bem entende sem levar em conta o sentimento dos personagens.



Com isso voltei a rotina habitual de trabalho, enquanto todos contavam fatos sobre suas férias no escritório alegremente e bem bronzeados, eu ficava quase calado no meu canto e fugia dessas conversas pelo simples fato disso me fazer lembrar do desfecho daqueles dias tão bons que nunca mais iriam retornar. Coube como sempre a Aline me dar consolo, sem saber nada disso, ela sempre estava ali de braços abertos e presente para de alguma forma fazer esquecer seja da Bia, Karen, ou qualquer outra. Talvez seja por isso que quando ela quis deixar a empresa e voltar para casa eu tenha feito de tudo para ela ficar. Além de ser uma pessoa de total confiança nos negócios, o meu “braço esquerdo” na empresa, ela também se tornou minha amante mais longeva, uma amante que duma forma ou de outra me mantém livre, e sabendo que mesmo surgindo uma ou outra na minha vida eu sempre volto para os braços dela. Pensando nela assim tudo parece indicar que ela sempre está presente, apenas aguardando o momento que eu retorne para que ela como e sempre faz, chega ao meu lado fala alguma coisa próxima do meu ouvido sussurrando, toda perfumada, sem acusações ou cobranças e isso já me faz rende-se a ela.



Aquela garota falante e sorridente que havia conhecido numa das minhas viagens de negócio, à época tão inexperiente em tudo, mas que me transmitia um certo brilho de ambição e fascinação aos poucos se transformou numa mulher graciosa e mais viçosa que aquela garota de antes. De início, ao mesmo tempo que quis seduzi-la ela se deixou seduzir, não tinha medo de entregar-se para mim desde o começo, não fez jogos nem criou barreiras. Com Aline tudo fluía nesse sentido, sentia que ela me admirava e ela por seu talento revelado nos negócios e por ser uma mulher que permitia se envolver comigo sem imposições fazia com isso que eu a admirasse duplamente. Essa recíproca entre nós sempre se estabeleceu assim desde o início. Há quem diga que ela seria a mulher ideal para ficar do meu lado e conduzir a empresa e  para termos um possível casamento feliz. Embora tenha pensando nisso vagamente, nunca quis dar essas esperanças para ela de forma evidente, por perceber que ela passou a nutrir essas mesmas idéias. Por outro lado, ao não fazer isso, ao não tentar enganar ela, acho ao menos, que a protejo de alguma decepção maior ou que quem sabe algum dia isso ocorra com ela mais madura e eu também.



Aos poucos com o passar do tempo deixei de tentar prever o futuro, de tentar estabelecer o controle sobre sucessões de fatos de acordo com meus interesses e desejos. Sempre que deixei de seguir a intuição noto que as coisas saíram totalmente fora do esperado. Foi assim com Bia meses antes e com Karen pouco tempo atrás. De alguma forma intuía que algo não iria ser suficiente ou dar certo no final, mas deixei de lado essa intuição, preferi me arriscar com ilusões e falsas esperanças como se fosse um garoto que ainda teimava em viver alguma história de amor corriqueira dos enredos de cinema com algum final feliz surpreendente. De certa forma passei a não me reconhecer mais devido a esses dois últimos ou três fatos. Avaliando a minha relação com Bia, uma ex-esposa com a qual tive um casamento feliz até certo ponto, regado de viagens internacionais, pois Bia era uma exímia planejadora de viagens e vivíamos num constante namoro mesmo depois de casados viajando e sonhando. Isso durou até a primeira pane no casamento, até o momento que ela adoeceu e ficou inerte deixando a vida tão perfeita que tínhamos naufragar aos poucos como se fosse um barco repleto de furos. Depois disso, continuei amando ela, de alguma forma passiva e distante, mesmo não tendo os momentos intensos de antes sabia que tinha restado algo e quando mesmo sabendo que esse algo restante não seria o suficiente para retomar aquele amor e vida de antes quis arriscar tudo e me deparei com o destino impedindo isso de alguma forma.



O mesmo ocorreria com Karen, anos e anos sem nos ver, sem trocar uma palavra e repentinamente tudo ressurge abrasador como antes, e dias depois desfalece dessa vez por uma iniciativa dela. Apesar de saber que poderia ser passageiro mais uma vez preferi sonhar e apostar no incerto, sem dar ouvidos a alguma coisa que dizia: “Não vai ser dessa vez meu camarada”. Esse é ponto que parece que atualmente as coisas andam quando penso em Aline. Duma forma um pouco diferente. Existe a mesma intuição que freia ou acelera as coisas em direção a ela, às vezes quando sinto que estou prestes a deixá-la em definitivo ela surge e me seduz, ou quando ela quer me deixar eu vou até ela e faço o mesmo, a seduzo, digo tudo que ela quer ouvir e a convenço como se fosse uma relação dialética num jogo de sedução interminável.



Por outro lado, em casa, há que faça suas apostas num possível romance com Ágata, mesmo contrariando uma decisão que tomei logo após o fiasco da nossa volta de Buenos Aires onde mais nada fluiu entre nós a não ser a mesma amizade de sempre. Decidi não reviver mais histórias com passado. Nisso fui pego de surpresa logo em seguida com Karen e tudo que aconteceu e terminou em semanas entre nós. Tudo isso me serviu para reforçar essa decisão: Mulheres do passado nunca mais. Ao meu ver seria necessário uma mulher nova, ainda desconhecida com poderes de me seduzir e me fazer sentir algo novo e dominar-me de alguma forma. Uma mulher que rompesse com tudo que é superficial e até profundo já existente dentro dum cara como eu, que teve muitas, umas que remetem a Gina, a empregada, essas as quais significam apenas novidades passageiras e prazer mas sem afeição alguma. Em outro patamar existem outras onde talvez se encaixem Elena, Ágata e Regina a mãe de Marie, que são aquelas que passaram em minha vida e deixaram suas marcas, porém nunca as amei, talvez no máximo fossem uma paixão de momento que pouco durou apesar da consequências e no final uma se transformou em amiga e outra também, apesar de devido aos fatos perder esse laço de amizade com a segunda. Por fim, existe o rol daquelas que foram amadas e pelas quais fiquei perdidamente apaixonado, as quais levei a sério, e quis uma vida com elas e essas até hoje são talvez apenas duas: Camila e Bia. A primeira partiu prematuramente antes que tudo fosse solidificado, quanto a outra, mesmo havendo amor não houve tempo de criar solidez permanente na relação.



Poderia até dizer que talvez nenhuma delas foi amor, amor verdadeiro, não saberia apontar isso com clareza, mas no fundo àquelas que passaram em vão pela minha vida apenas por puro prazer em face das outras que ficaram mais tempo e de forma mais profunda apontam para um afeto genuíno. Se alguma delas tivesse faltado ou Camila ou Bia, quem sabe não teria como dizer isso, se não tivesse encontrado com Elena, Regina ou Ágata num momento qualquer quem sabe também não poderia dizer isso. A sucessão de cada uma delas, de todos os fatos pertinentes que uniriam e nos separaram fazem parte dum todo indissolúvel na minha vida.



Seria pensando nesse tipo de coisa, quase sem nexo, que me sentia como Guido de Fellini 8 e ½, naquela cena onde suas amantes do presente e passado, bem como, sua esposa aparecem numa cena reverenciando Guido e fazendo de tudo por ele, até um breve momento que se revoltam com ele fazendo-o arrumar um chicote para fazer as coisas voltarem ao status quo do ínicio da cena. Aquela sensação de que não se sabe mais nada, de como as coisas foram ou como serão, parece ter batido a minha porta cobrando maturidade e sabedoria, mesmo que seja impossível alegar se isso é algo temporário ou definitivo a sensação é que algo precisa mudar para que eu sai de cenas como essa que rondam a minha imaginação.



Como sempre são durante festas e viagens que os momentos de iluminação acontecem comigo. Por mais que haja vozes alienígenas fazendo uma leitura da realidade diferente de como vejo as coisas, são nessas horas que as duas coisas se complementam e percebo o fio da meada. Dessa vez, esse processo começou durante a festa de aniversário de minha mãe e se estendeu numa viagem que fiz com Marie para Europa.



Na festa lá estava eu ainda remoendo o fora levado de Karen, estava opaco no meu canto com minha dose de Jameson dando lugar a dose de Jack Daniels para mudar um pouco o sabor das coisas. Todos os presentes estavam em conversas animadas, enquanto vez ou outra passava por eles como espírito vagante que não chama a atenção como antes. Fazia de tudo para evitar conversas com os convidados, em especial as mulheres, não sei por que raios estava farto das mesmas perguntas e interrogatórios delas sobre quem seria a minha namorada ou porque estava sozinho e os porquês deveria arrumar uma nova namorada. Fiquei isolado alguns minutos num recanto, perto do barman, quase envolto numa cortina para não ser notado e passei a julgar e analisar a vida amorosa de quem eu conhecia ali. A começar pela da minha irmã: Ali estava ela aquele baluarte de dignidade intacto. Anos e anos casada com um milico extremado e ensimesmado que se tornou alcoólatra e a traiu com as mulheres mais vis possíveis devido ao vício. Jogou fora o casamento tradicional e duas belas filhas e uma esposa fiel pela janela. Primeiro amor, ela se casara com o primeiro amor, e depois de tanto amor, assim como eu em relação a Bia, houve alguma coisa com o cônjuge, muito pior no meu entender, que a fez  ela deixar ele definitivamente. Depois disso, arrumou um namorado, da mesma idade, também divorciado, homem de posses, mas este mais uma vez era adepto do rabo de saia e isso para ela é imperdoável. Um ano depois rompeu com este e estava ali em companhia das filhas que logo se casam e de algumas amigas trazidas a tira colo como damas de companhia duma espécie de duquesa ainda empolada apesar dos pesares.



Uma das amigas dela até que merecia receber flerte da minha parte, só pela beleza, mas o ambiente e a minha elevada vontade de encher a cara e sair correndo dali evitaram que eu me precipitasse nisso. Após isso lancei as minhas análises para Ágata, lá estava ela na companhia dum cara boa pinta atlético, alto e loiro, com um blazer comprado em liquidação de shopping certamente. Seria o namorado oculto dela dando as caras possivelmente e ao julgar pela distância que Ingrid, filha dela, mantinha de ambos alguma coisa não agradava a filha em relação ao namoradinho da mãe. Para uma mulher como ela, bonita e na casa dos trinta, o cara me pareceu bastante razoável para ela, parecia bem articulado, extrovertido, quem sabe com um bom emprego e intenções mais sérias com ela. O passado de Ágata tinha somente aquele “deslize” comigo, no mais, passou anos assim como minha irmã sendo fiel ao marido ensimesmado e dado aos rodeios e traições. Contando comigo, Ágata,minha irmã e com a minha mãe, e alguns outros, aquela sala parecia uma convenção de divorciados e fracassados na vida a dois. Com exceção das meninas que ainda iriam se casar com seus noivos e dos adolescentes com seus paqueras habituais, os quais quem sabe um dia passariam pelo mesmo. Fiquei mais aliviado em saber que não era o único a ter quebrado a cara nesse departamento e pedi mais uma dose de whisky.



Como estava prestes a viajar com Marie para Londres, ela volta e meia estava contanto a novidade para alguém e isso constantemente fazia com que alguém, desconhecido ou não, olhasse na minha direção ou viesse falar do fato comigo. Passei o resto da noite falando sobre isso diversas vezes até o ponto do tédio me fazer bater em retirada logo após o bolo ser servido. Entrei no carro e sai dar uma volta pelo condomínio. Quando voltei, a vizinha, uma senhora enxuta e até bem sensual, na faixa dos quarenta e alguma coisa aparentemente, estava na varanda do jardim da casa dela e mencionou algo sobre a festa. Ficamos de papo e ela disse estar sozinha naqueles dias devido o marido ter viajado, os filhos estudando fora, enfim lamentos habituais dessas mulheres. Ousadamente perguntei se ela gostaria de tomar uma taça de vinho, e ela aceitou para minha surpresa. Peguei um vinho e levei até a varanda dela com duas taças e passei o resto da noite conversando com a vizinha quarentona ou cinquentona, nem ousei descobrir a idade exata. Para ela contar sobre a viagem para Europa não estava sendo entediante, talvez porque ela de alguma forma ficasse tentando jogar algum charme para cima de mim sendo extremamente simpática e afeita quem sabe ao adultério. Confirmei a minha suspeita apenas depois que voltei de viagem, quando a mesma, sozinha mais uma vez, resolveu  me retribuir a visita dada a ausência do marido mais uma vez. Entretanto, durante a viagem havia surgido uma mulher que tinha posto o meu coração a bater em outro compasso, e não seria uma vizinha adultera ou outra qualquer que iria me tirar Luíza da cabeça.



A viagem para Europa começou em Londres, a pedido de Marie estávamos à procura de algum colégio ou curso de intercambio para ela ir estudar na Europa. Assim passamos uma semana à moda britânica garimpando possíveis oportunidades para ela estudar por lá, assim como na França e Suíça. Entre uma vitrine e outra ela sempre citava a que uma tal Luíza iria gostar desse modelito ou daquele. Para mim essa tal Luíza não passava duma adolescente como ela, a qual Marie tinha conhecido no vôo para Londres. Além disso, a nova amiga estava na Irlanda e possivelmente só encontraríamos a mesma na Suiça devido a mesma ter avós suíços por parte pai.  Passei aquela semana em Londres aproveitando todos os eventos que estavam rolando na cidade, desde jogo de futebol no Emiriates até shows e palestras sobre negócios, restaurantes e compras. Na França, tivemos um pouco menos de tempo para aproveitar essas coisas, as compras deram mais espaço para as visitas aos restaurantes, cafés e museus. Notava que a cada novidade Marie sempre falava da amiga.



Como previsto foi na Suíça que a amiga oculta de Marie deu as caras. Numa tarde de sexta feira, eis que Marie surge com a amiga enquanto eu estava lendo um livro no lobby do hotel esperando o tempo ruim ceder para sairmos passear e depois jantar em Genève. Quando Marie disse: “Pai quero te apresentar a Lu!” Foi aí que tudo começou. Tirei os olhos dum livro que tinha comprado no mercado de pulgas de Paris e não consegui tirar mais o olhar daquela loira de olhos verdes, um pouco tímida com a ocasião, mas que tinha um sorriso espontâneo e cativante. Três beijinhos no rosto como manda a moda brasileira e senti aquele pele alva roçar meu rosto e boca, senti aquele cheiro do shampoo dela entrar pelas minhas narinas como se quisesse de antemão guardar cadê detalhe dela para posteridade. Sem dúvida fiquei extasiado com a beleza dela naquele primeiro momento, depois graças a Marie, Luíza passou ser nossa companhia naquele final de tarde e noite, bem como, no restante da viagem para Itália até o momento da despedida no aeroporto do Rio.



Ficamos alguns minutos no lobby do hotel conversando sobre os lugares que tínhamos visitado durante o percurso na Europa, e assim que Marie foi buscar algum objeto esquecido no quarto para o passeio, Luíza ficou as sós comigo, ainda encabulada e trajada de boina e casaco fiquei admirando aquele rostinho angelical dela por quase um minuto antes de puxar uma nova pauta para o tema da nossa conversa. Assim que Marie reapareceu saímos passear juntos por alguns pontos da cidade. Luíza parecia ter caído nas graças de Marie devido ao modo espontâneo e pelo gosto típico pelas mesmas coisas em termos de moda. Só falavam de roupas e coisas do tipo. Além disso, Luíza mora também no Rio como Marie, e aos poucos foi se abrindo e falando mais comigo como uma flor que desabrocha apesar de sempre estar atenta a cada conversa de Marie. Contou que estava viajando para Europa para conhecer a Irlanda, devido ter certo gosto pelo país, e Suíça por causa dos avós serem de lá. A viagem se devia ao fato de ter-se formado recentemente, era um presente dela para ela mesma devido os anos de estudo completados. Para minha sorte, ela se formou em Direito e isso nos dava muito engates para conversas e aquela velha coisa de “temos algo em comum”.



Durante o jantar a conversa foi ficando cada vez mais entre eu e Luíza, enquanto Marie pouco se intrometia em nossa conversa olho no olho já com certos ares de paquera.  Retornando para o hotel nos despedimos formalmente, mas antes de  Marie ir para o seu quarto ela me perguntou: Pai você gostou da Luíza? – Gostei sim, achei ela legal e bonita! Marie me olhou com um pouco de cinismo e disse: Percebi mesmo que você gostou dela! Vou contar pra ela que achou ela bonita! E legal também! Marie me deu um beijo de boa noite e certamente foi direito para o quaro da amiga relatar o fato. Achei naquele momento que a minha sorte estava voltando. Pensei comigo mesmo: Seja o que for para acontecer “carpe diem”.



Na manhã seguinte Marie apareceu com boas novas durante o café da manhã: Bom dia pai, sabia que a Lu também te achou legal e bonito? Dito isso ela riu e arrematou: Eu acho que formariam um belo casal! E riu novamente. Mais uma vez passamos quase o dia todo juntos, passeando em pontos turísticos e tirando fotos no Jardin Anglais e outros lugares. Passei o dia servindo de tradutor para ambas nas lojas que fomos.  Passamos um final de semana fabuloso, entre passeios e jantares, consegui apenas ter poucos momentos privilegiados de conversas a dois com Luíza. Em especial no domingo numa taça de vinho a dois no bar do hotel enquanto aguardávamos o demorado banho de Marie. No dia seguinte embarcaríamos de trem para Itália e foi no trem que consegui ter um momento realmente a dois com Luíza. Enquanto Marie  pegou no sono, convidei a bela amiga dela para tomar um chocolate no vagão bar do trem. Passamos uma hora ali conversando tranquilamente em bom português sem interrupções, a não ser do garçom, cada vez mais o tom de paquera ficava evidente de ambas as partes. Assim que foi anunciado a fronteira com a Itália, o trem diminiu a velocidade e aproveitei o momento para sentar-me ao lado de Luíza, e sem dizer nada, apenas olhando naqueles belos olhos azuis, entoei internamente o mantra “carpe diem” e beijei aqueles lábios deliciosos. Fiz questão de dar um beijo longo, o tanto quanto fosse correspondido por ela, e nisso se deu o inesperado, o flagra de Marie sussurrando próximo de nós: Que lindo! Os dois se beijando! Caímos na risada e depois daquilo não havia mais o que esconder, a não ser o fato, de Luíza depois me revelar que tinha um namoradinho no Rio a espera dela. Pouco me importei com isso, naquele momento não sabia se ela seria algo passageiro ou duradouro, e tudo mais corroborava para a nossa paquera nos Alpes ser algo inesquecível.



Após o flagra Luíza voltou a ficar um pouco tímida, ruborizada, e aquele coração dela que disparou durante o beijo parecia ainda estar com altas pulsações. Ao chegar em Milão naquela noite cansados pela viagem longa, dormimos, aproveitamos dois dias ali no centro da moda italiana para a alegria das meninas e depois seguimos destino a Roma com aqueles passeios turísticos habituais pelo Vaticano ao ponto de receber benção novo Papa devido um amigo dos idos tempos de república de faculdade ser padre da cúria romana e conseguir tal feito. Depois da benção papal fizemos as malas pela última vez na Europa e voltamos para casa. Em todo caso, eu me sentia abençoado por Fellini por ter conhecido Luíza naquela viagem.