No dia seguinte como previsto Marie
relatou a novidade para mamãe e titia. Ambas ficaram como se tivessem terminado
de assistir a um filme de romântico. Assim que sentei na mesa para o café da
manhã não pude evitar os comentários e conselhos delas. Como estava apressado
para viajar para São Paulo tomar as últimas providências da mudança para
Curitiba, tomei café num pulo, fiquei um pouquinho com Ivan trocando idéia com
ele sobre a curta viagem que faria. Como sempre ele queria chocolate e saber de
Bia pouco se importando com a minha ausência. Logo em seguida o novo motorista
já estava a postos para nos levar eu e Marie para o aeroporto.
Chegando a São Paulo seguimos direito
para o apartamento, almoçamos por lá mesmo e começamos a organizar o que iria
na mudança. Assim que os funcionários da empresa de mudança chegaram tudo ficou
mais acelerado e ao final da tarde estava tudo encaixotado para ser levado para
Curitiba na manhã seguinte. Enquanto Marie comandava esses detalhes passei no
escritório conversei rapidamente com Marcos e Aline. Após isso, tive uma
reunião extraordinária com minhas assistentes explicando detalhes de como
seriam nosso método de trabalho dali por diante. Quando voltei no comecinho da
noite, meu pai também já havia aparecido por lá além do motorista que “veio por
terra” trazendo o carro que havia emprestado de Marcos por ser mais espaçoso. Como
o velho libanês iria conosco para Curitiba passar o final de semana - que
coincidia com o dia dos pais e com a chegada de meu irmão Thalles - ele nos deu
uma carona até seu rancho onde passamos a noite descansando antes de seguir
viagem no dia seguinte.
Durante o dia corrido e atarefado não
tive tempo de pensar nas recordações que aquele apartamento havia sido palco.
Meu pai durante um churrasquinho improvisado começou a contar as histórias da
época dele sobre aquele apê para os presentes, enquanto isso eu preparava as
carnes. Logo eu também entrei na conversa e contei sobre a minha experiência de
vida ali e de como tinha conseguido comprar de papai o apê que era dele numa cartada
fora do convencional. Contei da época que passei apenas três meses ali com
Valéria e Quim recém nascido e depois quando retornei para aquele lugar depois
de ter passado um tempo morando com a mãe de Marie até ela nascer. Deixei a
fase que Rose, Bia e Aline estiveram ali fora daquele papo, mas na antes de
pegar no sono relembrei de detalhes passados com elas no famigerado apartamento.
Cheguei a conclusão que aquele apartamento apesar das inúmeras mulheres que
passaram por ele tivessem cedido aos meus apelos sedutores, nenhuma delas que
havia passado por ali tinha permanecido em definitivo na minha vida. Aquele
apartamento deveria ter alguma maldição referente a isso, mas fosse que fosse
não tinha mais que me preocupar com isso. Deixaria aquele lugar desativado como
um espaço onde passei bons e maus momentos podendo usá-lo eventualmente para
alguma ocasião futura. Estaria levando comigo tão somente as lembranças do
passado para uma vida nova. Recordações e lições de vida ruminadas entre
aquelas paredes, além dos discos velhos, livros dos tempos de faculdade e
garrafas de whiskys e vinhos teriam um novo lugar na minha nova vida em
Curitiba.
Como Marie estava criando aos poucos
uma nova decoração para a casa que estávamos comprando e tudo parecia fluir de
vento em poupa com Ivan, as meninas jovens e velhas, além da nova fase com
Ágatha. Talvez fosse verdade que tivesse que redobrar a atenção para tudo que
estaria ainda por vir como Marise aconselhou, pois isso seria uma forma de
manter as coisas andando nos trilhos de forma amena e sem perder a direção
quando o destino resolve nos fazer passar por uma série de fatos repentinos e
desordenados. A sensação de que tudo estava finalmente entrando numa etapa de
novos sonhos e projetos era animadora e ao mesmo tempo criava expectativas para
o futuro. Fazia anos que não sentia aquela sensação de alegria e leveza. Nem
sabia mais quando tinha sido a última vez que havia sentido algo parecido com
aquilo. Tentei puxar pela memória algum momento semelhante aquele e só
encontrei algo similar quando me formei e quando os negócios engrenaram muitos
anos antes. Naquele tempo tudo parecia já pronto e resolvido, mas como não
sabemos o que o futuro nos reserva o conselho de Marise fazia todo sentido.
As meninas estavam numa fase de
realizarem seus sonhos e traçarem planos para suas vidas o que contrastava com
a decisão de mamãe e titia em se aposentarem de suas ocupações no colégio.
Parecia que tudo estava se encaixando num grande quebra cabeças e as peças
estavam sendo alocadas cada uma no seu devido lugar no tempo oportuno. Em relação a Ágatha tudo parecia promissor,
ela estava radiante com o acontecimento do dia anterior e pelo visto o susto
daquele momento inesperado já havia dado lugar para essa alegria. Não havia
mais razões para me preocupar com uma série de fatos do passado e presente,
tinha que aproveitar o momento e aprender uma nova forma de apreciar a vida e a
essência daqueles momentos. Todas as decisões tomadas nos últimos dias apesar
de terem sido numa velocidade fora no normal estavam de pleno acordo com tudo
que estava acontecendo de bom e até mesmo de ruim como a situação de saúde
emocional de Bia. Assim sendo, não tinha como repensar nisso e naquilo e achar
algum elemento que pudesse ser um detalhe que ensejasse arrependimentos ou
falhas nas decisões tomadas até então. Finalmente estava tudo bem e fluindo
como um rio que busca o oceano.
Na manhã seguinte acordei ao som dos
movimentos do rancho, o barulho dos trotes de cavalos e do café da manhã sendo
preparado avisava que um longo e cansativo dia de estrada iria começar. Apesar da noite bem dormida ainda me sentia ansioso
para chegar logo na nova casa e me instalar em definitivo. Depois dum café da
manhã recheado de quitutes da roça pegamos a estrada e chegamos em Curitiba no
final da tarde, pouco depois do caminhão de mudanças ter descarregado aquela
pilha de caixas de papelão onde estavam mais de dez anos de objetos reunidos ao
longo do tempo. Desde equipamentos de rádio-amador e instrumentos musicais até
coleções de algumas coisas tais como réplicas de carros miniatura tudo iria
precisar encontrar um novo espaço naquela casa que Marie estava redecorando.
Depois dum jantar em companhia dos velhos e das crianças passei o restante da
noite com Ágatha na minha nova suíte assistindo a um filme e relaxando daquela
semana repleta de compromissos fora do habitual. Planejávamos fazer uma viagem
a dois para Buenos Aires na semana seguinte como se fosse uma espécie de
retomada da nossa última estadia por lá que acabou não sendo o nosso recomeço,
mas uma semente que ficou meses sendo gestada nos sentimentos de Ágatha como
uma possibilidade de relacionamento. Ela confessou que aquele final de semana
em Buenos Aires tinha de fato mexido com os sentimentos dela em relação a mim e
despertado nela algo que estava adormecido desde a época que éramos apenas dois
adolescentes imaturos que haviam cedido aos encantos um do outro num final de
semana inconsequente. Parecia algo digno de enredo para um filme, mas pensando
nos encontros e desencontros da vida ter reencontrado ela tantos anos depois
numa oportunidade dessas parecia o momento mais adequado para que pudéssemos
realmente um conhecer ao outro de forma mais calma e fecunda sem ser alvo da
interferência de terceiros. Acertados os primeiros detalhes dessa viagem ela
foi para sua casa e eu fiquei em companhia do meu primeiro hospede naquele novo
lar: O velho libanês passaria o final de semana em casa tentando de alguma forma
reparar suas falhas do passado por não ter dado atenção e afeto aos filhos.
Parecia que com a chegada dos netos o jeitão duro e seco dele estava cedendo ao
peso dos anos e aos apelos duma espécie consciência arrependida por não ter
aproveitado momentos ao lado dos filhos.
De certa forma, aquela conduta dele me servia como um alerta para deixar
de trabalhar tanto e passar grande parte do meu tempo servindo ao meu próprio
ego. Assim como ele, não tinha
aproveitado grandes momentos com os filhos na infância e sequer na adolescência
deles. Tinha testemunhado poucos episódios das vidas deles.
No ano anterior quando Quim, meu
primeiro filho, passou algum tempo comigo logo em seguida ele partiu estudar no
EUA. Apesar de termos criado uma grande proximidade ele não estava mais
presente tornando o cotidiano o combustível dessa relação mais profunda entre
pai e filho. Isso me fez repensar todo o processo de enviar as garotas
estudarem no exterior terem por um novo enfoque. Marie e Ingrid precisavam um
dia cortar as amarras com os pais e deixar a casa, mas com elas faria um
processo mais lento e gradual, ajustando cada detalhe dessa fase de preparação
ao momento presente de nossas vidas. Marie já estava alguns passos a frente de
Ingrid nesse processo devido ter morado com a mãe no exterior, mas por outro
lado a dedicação de Ingrid nos estudos era o ponto em que Marie era deficiente.
Sendo assim, precisava lapidar aquelas duas meninas para uma experiência de
vida longe de casa e com maturidade para viverem coisas boas no futuro. Ágatha
parecia reagir como as outras mães, sempre com um pé atrás com temor de soltar
os filhos no mundo para que eles escrevam suas próprias histórias e encontrem
seus próprios caminhos, mas ao menos ela tinha uma relação sem atritos com Ingrid
que pelo visto tinha puxado o temperamento mais sereno e low profile da
família. Já Marie com suas novas funções estava motivada e parecia ter ganho
energias novas. Ao invés de passar o tempo em casa esperando algo acontecer ela
passou a projetar a nova decoração disse que iria retomar alguns cursos.
Parecia que a injeção de responsabilidade tinha surtido efeito imediato.
Quanto a mim, precisava criar um
método para me manter atento a tudo e tudo correndo dentro dos trilhos. Desde
os negócios até essa nova fase de relações com os filhos e pessoas da família
dum modo geral. Teria alguns meses complexos pela frente para gerenciar os
negócios duma forma nova e passar com Ivan pela fase da ausência de Bia na vida
dele. Apesar de Bia visitá-lo com freqüência, não era algo natural para ele
ficar longe da mãe tanto tempo assim.
Naqueles primeiros dias junto dele tudo parecia bem, mas era nítido que
ele sentia falta da mãe. Sempre questionando por ela e por que ela estava longe
tínhamos que driblar alguma espécie de medo ou sentimento negativo dele em
relação a tudo aquilo. A torcida de todos era para que Bia fosse capaz de
reestruturar sua vida em todos sentidos e criar uma relação menos turbulenta
com o filho que era a principal testemunha das instabilidades emocionais dela.
Com certeza essa fase estava apenas no começo e Ivan ainda teria uma longa
estadia ao meu lado até Bia ficar definitivamente em melhores condições.
Aos poucos pude compreender que
aquela oportunidade de estar perto dos filhos, em especial de Ivan por ser o
mais novo, era um ponto importante para estruturar novos caminhos para todos.
Como nunca antes tinha passado dia a dia com filhos estava fazendo naquele
momento um curso intensivo de como ser pai.
Estava tendo oportunidade de aprender a identificar como cada um deles
são em suas personalidades de forma mais aguda e profunda e o melhor modo de
abordá-los e ganhar a confiança deles. Parecia um jogo de estratégias e ao
mesmo tempo de aprender a como manter uma relação de afeto num patamar de
qualidade elevado como nunca tinha realizado antes. Até o momento estava tudo
bem, mas sabia que poderia haver no futuro algum momento em que as coisas
talvez pudessem sair fora do esperado e ter que ser mais duro ou impositivo em
certas coisas, por isso, usar esse tempo em que tudo está correndo bem para
aprender como cada um dele realmente age e pensa estaria sendo algo valioso
para fomentar uma amizade entre pais e filhos.
Pessoalmente eu nunca admirei boa
parte dos modos em que meus pais lidavam comigo em inúmeros casos. Muitas vezes
abordavam assuntos delicados na presença de terceiros sendo que poderiam fazer
isso em particular com cada um dos filhos. Muitas e muitas vezes tinhas
obrigações e não opções que levassem em conta nossas aptidões e planos
pessoais. Em suma sempre haviam muitas coisas que eram um ponto de atrito ou
obstáculo para uma relação mais amena. Não estava disposto a ser da mesma
forma. Parecia que o modelo deles de impor as coisas através de ordens como se
fossem superiores hierárquicos e não de dialogar abertamente era o que
comandava a visão de como se relacionar com os filhos. Esse formato seria o que
eu não queria me valer de forma alguma. Uma das principais coisas que me levava
a ter essa certeza era a figura do velho libanês como pai e pessoa. Embora
tivesse seguido muito mais o estilo de tio Pepe de como me portar como pessoa e
fazer as coisas dum modo mais prazeroso e sem tantas convenções sociais, apesar
disso, sempre existiu dentro de mim uma competição interna e pessoal em superar
meu pai em todos os sentidos. Tinha que superá-lo de alguma forma como pessoa e
como homem de negócios. Com o passar do tempo, e depois de superado em ambos os
itens, notei finalmente que aquilo era uma tendência natural de muitos filhos.
Entretanto, percebi também que avaliar tê-lo superado era algo sem sentindo
também, pois somos pessoas completamente diferentes que tomaram decisões de
vida diferentes e comparar os sucessos e insucessos dele como os meus era algo
sem a menor valia. Com isso fiquei feliz por ser eu mesmo sem ter sido moldado
para ser mais um na multidão. De todas as pessoas que passaram na minha vida
tinha aprendido lições de grande valor e precisava apenas saber quais eram
essas lições boas e ruins e aprimorar o que ainda estivesse precisando dum plus
no meu modo de ser.
De uns anos pra cá, tinha deixando de
me desafiar, e isso começou com a fase negra durante o casamento com Bia.
Deixei de buscar coisas novas e passei a cair em certas futilidades das quais
ao invés de fugir passei a fazer parte. Notadamente passei a ter um circulo de
amigos menor e menos qualificados em certos casos, repletos de pessoas
convencionais que esperam mais do mesmo da vida e que se acham exitosas pelo
pouco que são. Aquilo definitivamente não era o meu estilo e pior ainda estava
contaminando insidiosamente a minha forma de ver certas coisas. Passei a
recordar dos tempos em que estava nos meios acadêmicos cheios de pessoas grande
saber humano e intelectual e comportamento mais elevado e sofisticado no
quesito pessoal. Não que eu fosse me tornar um sujeito prepotente e
extravagante devido a me relacionar com certas pessoas mais sofisticadas, mas
estava na hora de retirar os boçais dos bares da vida e suas conversas
habituais sobre mais do mesmo definitivamente do cenário da minha existência
como pessoa. Esperava com isso retomar de certa forma a minha sede por coisas
novas e por criar novas atividades num espaço e tempo em companhias mais
agradáveis e proveitosas. Portanto, estava no lugar certo e na hora certa de
mudar até mesmo esses pequenos detalhes em minha vida.
Na manhã seguinte a casa nova e chateau
estariam agitados com visitas e afazeres. Precisava organizar centenas de
objetos em seus devidos novos lugares e com a ajuda de Marie criar um espaço
para eu, ela e Ivan. Mesmo que provisoriamente por algum tempo aquela nova
morada ao lado do chateau das avós seria nosso novo cantinho. Resolvi
transformar o loft num home-office e academia doméstica. Enquanto isso, Marie
planejava nossos novos dormitórios e um estúdio para ela na casa nova. Passamos
o dia entre a recepção feita pelos meus pais para Thalles que chegava para
passar também uma temporada com mamãe, e entre os afazeres da mudança com a
ajuda de Ágatha. Depois do almoço de recepção de Thalles e sua filha passamos o
resto do dia e noite na nova casa montando nossos quartos, transferido roupas e
objetos pessoais para eles. Marie e Agatha criaram uma sala de brinquedos com
um dos quartos vagos para Ivan. Enquanto isso eu tentava organizar um série de
ternos e roupas no meu novo guarda-roupas e instalar uma TV. Ao cair da noite
optamos por ficar em casa, visto que o velho libanês estava preparando uma
série de pizzas caseiras no forno da casa como se fosse anfitrião e não
hospede. Mais uma vez toda família
reunida em volta da mesa tivemos uma espécie de inauguração da nova casa.
Depois dos comes e bebes fomos todos dormir.
Logo na manhã seguinte Bia apareceria
para visitar Ivan e que ficou esfuziante com o reencontro com a mãe. Enquanto
ele ficava com a mãe, eu e Marie dávamos duro no andar de baixo da casa nova
arrumando uma série de objetos nas salas, copa e cozinha e num escritório que seria o estúdio
dela. Passamos mais uma vez boa parte do dia nessa atividade com a ajuda de
Ágatha que tinha feito um bolo para o lanche da tarde que logo foi devorado por
todos. Para fechar o dia caí na cama mais uma vez na companhia de Ágatha para
um filminho como se fossemos um casal de namorados inocentes sem tramar ainda
nada de mais ousado em nosso “namoro sério”.
Assim que o sono bateu, ela voltou para sua casa e fiquei mais uma vez
com Ivan e Marie, além do hóspede libanês que dormiria com Ivan nos seus novos
aposentos ainda em fase de decoração.
No decorrer da semana Marie terminou
a decoração do quarto novo de Ivan. Mesmo assim, dispondo de dois espaços
exclusivos tanto para dormir como brincar, ele preferia dormir comigo devido ainda
sentir medo do seu novo dormitório. Apesar do capricho de Marie em pintar as
paredes do novo quarto dele e fazer diversos desenhos infantis, Ivan parecia
não ser muito influenciado com aquilo na hora de dormir. Aos poucos ele iria se
habituando com seus cantinhos e tomando confiança em permanecer neles, ao meu
ver era apenas uma questão de tempo e incentivo para que isso acontecesse.
Depois da visita de final de semana de Bia ele parecia mais reconfortado com
sua nova vidinha em companhia das irmãs bajuladoras e das avós atenciosas. Da
minha parte eu passeava muito com ele todas as manhãs, tanto fora de casa como
em passeios dentro do condomínio. Visitamos diversos lugares e fizemos passeios
inusitados, como levar o avô no aeroporto, andar de Opala, e até mesmo ir em
cafés e lanchonetes fazer uma boquinha nos finais de tarde em companhia de
Marie. Ao que tudo indicava estaria na hora de começar a pensar na educação
dele fora de casa e pensar em matricular ele no colégio de mamãe numa turma da
idade dele no próximo ano. Confesso que nunca tive intimidade com tais assuntos
e pensar sobre isso era mais uma novidade para mim nessa altura do campeonato.
Como a decisão não era apenas minha e dependia da situação e aval de Bia isso
poderia esperar algum tempo.
Quanto a Marie, ela parecia ter se
tornando a dona da casa. Estava entusiasmada com a mudança e por ganhar um
território definitivo onde pudesse realmente viver sua vida. Parecia que tinha
se desamarrado definitivamente das correntes de sua mãe e de algumas coisas
impostas pelas duas anciãs até então responsáveis pela estadia dela em
Curitiba. Parece que tudo foi repentinamente tudo em relação a Marie foi transferido
para a minha jurisdição e seria eu quem teria que lidar com o temperamento
volátil dela e certos caprichos. Logo nessa primeira semana apesar de estar
dando conta dos novos afazeres ela já tentava fugir de alguns compromissos com
os estudos e tentava camuflar seus planos de encontros com seus admiradores.
Como para mim aquilo não era novidade devido ter passado por situações comuns a
essas na mesma idade. Assim sendo, tudo que ela tramava em fazer era fácil de
detectar e manter as ações dela dentro do alcance do radar de paizão responsa. Mesmo
assim, tive que sentar com ela mais uma vez e dialogar com ela sobre estudos,
responsabilidades e como ela deveria se portar nas suas horas vagas. Isso
fatalmente despertou o gênio volátil dela, mas apesar de contrariada pelos
limites e certos nãos aceitou sem gerar mais atritos como era típico nas
batidas de frente com a mãe. São nesses momentos que se passa a compreender que
muitas das coisas que os pais fazem conosco baseados num senso de responsabilidade
pelos filhos e também enxerga em como em certas ocasiões eles não souberam abordar
uma situação de forma mais amena e com uma posição menos drástica.
Sentar com os filhos e chegar num
acordo era como sentar com um cliente ou sócio e tentar colocar fatos e
situações e fazê-los compreender mais por dados concretos e persuasão como que
um acordo em certo ponto, mesmo havendo divergências e convergências, era o
mais acertado para determinada relação ou situação de negócios. Usar essas
mesmas estratégias, apesar do diferencial do lado afetivo se fazer presente de
forma elementar, não fugia muito ao que fazia no dia a dia de trabalho.
Por outro lado, o que passou batido
nessa zona de previsões, foi o ataque de ciúmes de Ágatha quando atendi uma
ligação de negócios de Aline. Ela ficou furiosa como se aquela ligação fosse
algo mais do que uma ligação habitual de fundo profissional. Por mais que pudesse
ser isso, o chilique dela só demonstrava o quanto ela estava ainda insegura com
nossa relação. Talvez o jeito de menina sonhadora dela ainda não tivesse dado lugar
a uma mulher totalmente madura e confiante devido aos fatos que ela atravessou
no passado. Apesar do perrengue e duma pequena discussão sobre isso, o que
extraí desse momento foi o entendimento que precisava deixar ela confortável e
confiante em nosso relacionamento evitando fatos e situações como aquela. Em
tese, isso poderia fazer ela começar a ver as coisas de modo mais sereno e
confiante e com isso passasse a ser até mesmo uma pessoa mais independente,
visto que todo esse tempo tinha seguido quase à risca conselhos e orientações
da minha mãe sobre que rumo deveria dar a sua vida. Parecia que havia não uma
manipulação, mas sim uma necessidade dela se firmar em relação a si mesma sem
necessitar de opiniões de terceiros e aprender a como reagir diante
determinadas situações. Desde a época que resolvemos contar sobre Ingrid ser
nossa filha ela fazia de tudo para adiar, pois parecia temer o desfecho ou que
algo desse errado. Não tinha confiança que aquele ato por mais complexo que
fosse seria o mais acertado a fazer sem adiar mais tempo.
Como Aline estava numa rota de saída,
seja da empresa como do circulo pessoal, não entendia as motivações de Ágatha
para se alarmar tanto com um simples telefonema num primeiro instante. Depois avaliando
alguns detalhes se mostrava nítido que precisávamos ainda acertar algumas
coisas para que tudo continuasse sendo promissor como na primeira impressão. Tinha
que aproveitar aquele sentimento renovado que surgiu nela a partir do episódio
sobre Ingrid e saber lidar com algumas das inseguranças dela que no fundo eram
produto do passado que tinha que ser de alguma forma não mais somatizado no
presente. Mesmos sem achar um caminho
definitivo para isso, a melhor opção foi mais uma vez dialogar e colocar as
cartas na mesa. Depois duma conversa com ela no dia seguinte tudo ficou
resolvido e ela confessou estar vivendo uma espécie de sonho adiado por tanta
coisa que não conseguiu evitar no passado por não ter tido forças para lutar
contra. Enfim, ambos tiveram que ceder e convergir e chegar num acordo assim
como é habitual no campo dos grandes negócios para um resultado satisfatório.
Com o final de semana se aproximando
a nossa agenda estava aberta para diversos programas. Desde um concurso de
piano que Ingrid iria participar até uma viagem que Marie queria fazer junto de
alguns amigos para o rancho do velho libanês no sul. Isso criava um dilema
entre prestigiar uma ou outra e precisava tomar uma decisão que pudesse talvez
contemplar as duas coisas no mesmo espaço de tempo. Como era impossível fazer
isso tive que contrariar os planos de Marie que ficou furiosa em ter sido de
certa forma preterida em relação à irmã. Acontecimentos assim mostravam que gerenciar uma vida nova levando em conta a família não era uma tarefa fácil...