quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Gerenciando fatos e afetos

No dia seguinte como previsto Marie relatou a novidade para mamãe e titia. Ambas ficaram como se tivessem terminado de assistir a um filme de romântico. Assim que sentei na mesa para o café da manhã não pude evitar os comentários e conselhos delas. Como estava apressado para viajar para São Paulo tomar as últimas providências da mudança para Curitiba, tomei café num pulo, fiquei um pouquinho com Ivan trocando idéia com ele sobre a curta viagem que faria. Como sempre ele queria chocolate e saber de Bia pouco se importando com a minha ausência. Logo em seguida o novo motorista já estava a postos para nos levar eu e Marie para o aeroporto.
Chegando a São Paulo seguimos direito para o apartamento, almoçamos por lá mesmo e começamos a organizar o que iria na mudança. Assim que os funcionários da empresa de mudança chegaram tudo ficou mais acelerado e ao final da tarde estava tudo encaixotado para ser levado para Curitiba na manhã seguinte. Enquanto Marie comandava esses detalhes passei no escritório conversei rapidamente com Marcos e Aline. Após isso, tive uma reunião extraordinária com minhas assistentes explicando detalhes de como seriam nosso método de trabalho dali por diante. Quando voltei no comecinho da noite, meu pai também já havia aparecido por lá além do motorista que “veio por terra” trazendo o carro que havia emprestado de Marcos por ser mais espaçoso. Como o velho libanês iria conosco para Curitiba passar o final de semana - que coincidia com o dia dos pais e com a chegada de meu irmão Thalles - ele nos deu uma carona até seu rancho onde passamos a noite descansando antes de seguir viagem no dia seguinte.

Durante o dia corrido e atarefado não tive tempo de pensar nas recordações que aquele apartamento havia sido palco. Meu pai durante um churrasquinho improvisado começou a contar as histórias da época dele sobre aquele apê para os presentes, enquanto isso eu preparava as carnes. Logo eu também entrei na conversa e contei sobre a minha experiência de vida ali e de como tinha conseguido comprar de papai o apê que era dele numa cartada fora do convencional. Contei da época que passei apenas três meses ali com Valéria e Quim recém nascido e depois quando retornei para aquele lugar depois de ter passado um tempo morando com a mãe de Marie até ela nascer. Deixei a fase que Rose, Bia e Aline estiveram ali fora daquele papo, mas na antes de pegar no sono relembrei de detalhes passados com elas no famigerado apartamento. Cheguei a conclusão que aquele apartamento apesar das inúmeras mulheres que passaram por ele tivessem cedido aos meus apelos sedutores, nenhuma delas que havia passado por ali tinha permanecido em definitivo na minha vida. Aquele apartamento deveria ter alguma maldição referente a isso, mas fosse que fosse não tinha mais que me preocupar com isso. Deixaria aquele lugar desativado como um espaço onde passei bons e maus momentos podendo usá-lo eventualmente para alguma ocasião futura. Estaria levando comigo tão somente as lembranças do passado para uma vida nova. Recordações e lições de vida ruminadas entre aquelas paredes, além dos discos velhos, livros dos tempos de faculdade e garrafas de whiskys e vinhos teriam um novo lugar na minha nova vida em Curitiba.

Como Marie estava criando aos poucos uma nova decoração para a casa que estávamos comprando e tudo parecia fluir de vento em poupa com Ivan, as meninas jovens e velhas, além da nova fase com Ágatha. Talvez fosse verdade que tivesse que redobrar a atenção para tudo que estaria ainda por vir como Marise aconselhou, pois isso seria uma forma de manter as coisas andando nos trilhos de forma amena e sem perder a direção quando o destino resolve nos fazer passar por uma série de fatos repentinos e desordenados. A sensação de que tudo estava finalmente entrando numa etapa de novos sonhos e projetos era animadora e ao mesmo tempo criava expectativas para o futuro. Fazia anos que não sentia aquela sensação de alegria e leveza. Nem sabia mais quando tinha sido a última vez que havia sentido algo parecido com aquilo. Tentei puxar pela memória algum momento semelhante aquele e só encontrei algo similar quando me formei e quando os negócios engrenaram muitos anos antes. Naquele tempo tudo parecia já pronto e resolvido, mas como não sabemos o que o futuro nos reserva o conselho de Marise fazia todo sentido.


As meninas estavam numa fase de realizarem seus sonhos e traçarem planos para suas vidas o que contrastava com a decisão de mamãe e titia em se aposentarem de suas ocupações no colégio. Parecia que tudo estava se encaixando num grande quebra cabeças e as peças estavam sendo alocadas cada uma no seu devido lugar no tempo oportuno.  Em relação a Ágatha tudo parecia promissor, ela estava radiante com o acontecimento do dia anterior e pelo visto o susto daquele momento inesperado já havia dado lugar para essa alegria. Não havia mais razões para me preocupar com uma série de fatos do passado e presente, tinha que aproveitar o momento e aprender uma nova forma de apreciar a vida e a essência daqueles momentos. Todas as decisões tomadas nos últimos dias apesar de terem sido numa velocidade fora no normal estavam de pleno acordo com tudo que estava acontecendo de bom e até mesmo de ruim como a situação de saúde emocional de Bia. Assim sendo, não tinha como repensar nisso e naquilo e achar algum elemento que pudesse ser um detalhe que ensejasse arrependimentos ou falhas nas decisões tomadas até então. Finalmente estava tudo bem e fluindo como um rio que busca o oceano.

Na manhã seguinte acordei ao som dos movimentos do rancho, o barulho dos trotes de cavalos e do café da manhã sendo preparado avisava que um longo e cansativo dia de estrada iria começar.  Apesar da noite bem dormida ainda me sentia ansioso para chegar logo na nova casa e me instalar em definitivo. Depois dum café da manhã recheado de quitutes da roça pegamos a estrada e chegamos em Curitiba no final da tarde, pouco depois do caminhão de mudanças ter descarregado aquela pilha de caixas de papelão onde estavam mais de dez anos de objetos reunidos ao longo do tempo. Desde equipamentos de rádio-amador e instrumentos musicais até coleções de algumas coisas tais como réplicas de carros miniatura tudo iria precisar encontrar um novo espaço naquela casa que Marie estava redecorando. Depois dum jantar em companhia dos velhos e das crianças passei o restante da noite com Ágatha na minha nova suíte assistindo a um filme e relaxando daquela semana repleta de compromissos fora do habitual. Planejávamos fazer uma viagem a dois para Buenos Aires na semana seguinte como se fosse uma espécie de retomada da nossa última estadia por lá que acabou não sendo o nosso recomeço, mas uma semente que ficou meses sendo gestada nos sentimentos de Ágatha como uma possibilidade de relacionamento. Ela confessou que aquele final de semana em Buenos Aires tinha de fato mexido com os sentimentos dela em relação a mim e despertado nela algo que estava adormecido desde a época que éramos apenas dois adolescentes imaturos que haviam cedido aos encantos um do outro num final de semana inconsequente. Parecia algo digno de enredo para um filme, mas pensando nos encontros e desencontros da vida ter reencontrado ela tantos anos depois numa oportunidade dessas parecia o momento mais adequado para que pudéssemos realmente um conhecer ao outro de forma mais calma e fecunda sem ser alvo da interferência de terceiros. Acertados os primeiros detalhes dessa viagem ela foi para sua casa e eu fiquei em companhia do meu primeiro hospede naquele novo lar: O velho libanês passaria o final de semana em casa tentando de alguma forma reparar suas falhas do passado por não ter dado atenção e afeto aos filhos. Parecia que com a chegada dos netos o jeitão duro e seco dele estava cedendo ao peso dos anos e aos apelos duma espécie consciência arrependida por não ter aproveitado momentos ao lado dos filhos.  De certa forma, aquela conduta dele me servia como um alerta para deixar de trabalhar tanto e passar grande parte do meu tempo servindo ao meu próprio ego.  Assim como ele, não tinha aproveitado grandes momentos com os filhos na infância e sequer na adolescência deles. Tinha testemunhado poucos episódios das vidas deles.

No ano anterior quando Quim, meu primeiro filho, passou algum tempo comigo logo em seguida ele partiu estudar no EUA. Apesar de termos criado uma grande proximidade ele não estava mais presente tornando o cotidiano o combustível dessa relação mais profunda entre pai e filho. Isso me fez repensar todo o processo de enviar as garotas estudarem no exterior terem por um novo enfoque. Marie e Ingrid precisavam um dia cortar as amarras com os pais e deixar a casa, mas com elas faria um processo mais lento e gradual, ajustando cada detalhe dessa fase de preparação ao momento presente de nossas vidas. Marie já estava alguns passos a frente de Ingrid nesse processo devido ter morado com a mãe no exterior, mas por outro lado a dedicação de Ingrid nos estudos era o ponto em que Marie era deficiente. Sendo assim, precisava lapidar aquelas duas meninas para uma experiência de vida longe de casa e com maturidade para viverem coisas boas no futuro. Ágatha parecia reagir como as outras mães, sempre com um pé atrás com temor de soltar os filhos no mundo para que eles escrevam suas próprias histórias e encontrem seus próprios caminhos, mas ao menos ela tinha uma relação sem atritos com Ingrid que pelo visto tinha puxado o temperamento mais sereno e low profile da família. Já Marie com suas novas funções estava motivada e parecia ter ganho energias novas. Ao invés de passar o tempo em casa esperando algo acontecer ela passou a projetar a nova decoração disse que iria retomar alguns cursos. Parecia que a injeção de responsabilidade tinha surtido efeito imediato.   

Quanto a mim, precisava criar um método para me manter atento a tudo e tudo correndo dentro dos trilhos. Desde os negócios até essa nova fase de relações com os filhos e pessoas da família dum modo geral. Teria alguns meses complexos pela frente para gerenciar os negócios duma forma nova e passar com Ivan pela fase da ausência de Bia na vida dele. Apesar de Bia visitá-lo com freqüência, não era algo natural para ele ficar longe da mãe tanto tempo assim.  Naqueles primeiros dias junto dele tudo parecia bem, mas era nítido que ele sentia falta da mãe. Sempre questionando por ela e por que ela estava longe tínhamos que driblar alguma espécie de medo ou sentimento negativo dele em relação a tudo aquilo. A torcida de todos era para que Bia fosse capaz de reestruturar sua vida em todos sentidos e criar uma relação menos turbulenta com o filho que era a principal testemunha das instabilidades emocionais dela. Com certeza essa fase estava apenas no começo e Ivan ainda teria uma longa estadia ao meu lado até Bia ficar definitivamente em melhores condições.


Aos poucos pude compreender que aquela oportunidade de estar perto dos filhos, em especial de Ivan por ser o mais novo, era um ponto importante para estruturar novos caminhos para todos. Como nunca antes tinha passado dia a dia com filhos estava fazendo naquele momento um curso intensivo de como ser pai.  Estava tendo oportunidade de aprender a identificar como cada um deles são em suas personalidades de forma mais aguda e profunda e o melhor modo de abordá-los e ganhar a confiança deles. Parecia um jogo de estratégias e ao mesmo tempo de aprender a como manter uma relação de afeto num patamar de qualidade elevado como nunca tinha realizado antes. Até o momento estava tudo bem, mas sabia que poderia haver no futuro algum momento em que as coisas talvez pudessem sair fora do esperado e ter que ser mais duro ou impositivo em certas coisas, por isso, usar esse tempo em que tudo está correndo bem para aprender como cada um dele realmente age e pensa estaria sendo algo valioso para fomentar uma amizade entre pais e filhos.

Pessoalmente eu nunca admirei boa parte dos modos em que meus pais lidavam comigo em inúmeros casos. Muitas vezes abordavam assuntos delicados na presença de terceiros sendo que poderiam fazer isso em particular com cada um dos filhos. Muitas e muitas vezes tinhas obrigações e não opções que levassem em conta nossas aptidões e planos pessoais. Em suma sempre haviam muitas coisas que eram um ponto de atrito ou obstáculo para uma relação mais amena. Não estava disposto a ser da mesma forma. Parecia que o modelo deles de impor as coisas através de ordens como se fossem superiores hierárquicos e não de dialogar abertamente era o que comandava a visão de como se relacionar com os filhos. Esse formato seria o que eu não queria me valer de forma alguma. Uma das principais coisas que me levava a ter essa certeza era a figura do velho libanês como pai e pessoa. Embora tivesse seguido muito mais o estilo de tio Pepe de como me portar como pessoa e fazer as coisas dum modo mais prazeroso e sem tantas convenções sociais, apesar disso, sempre existiu dentro de mim uma competição interna e pessoal em superar meu pai em todos os sentidos. Tinha que superá-lo de alguma forma como pessoa e como homem de negócios. Com o passar do tempo, e depois de superado em ambos os itens, notei finalmente que aquilo era uma tendência natural de muitos filhos. Entretanto, percebi também que avaliar tê-lo superado era algo sem sentindo também, pois somos pessoas completamente diferentes que tomaram decisões de vida diferentes e comparar os sucessos e insucessos dele como os meus era algo sem a menor valia. Com isso fiquei feliz por ser eu mesmo sem ter sido moldado para ser mais um na multidão. De todas as pessoas que passaram na minha vida tinha aprendido lições de grande valor e precisava apenas saber quais eram essas lições boas e ruins e aprimorar o que ainda estivesse precisando dum plus no meu modo de ser.

De uns anos pra cá, tinha deixando de me desafiar, e isso começou com a fase negra durante o casamento com Bia. Deixei de buscar coisas novas e passei a cair em certas futilidades das quais ao invés de fugir passei a fazer parte. Notadamente passei a ter um circulo de amigos menor e menos qualificados em certos casos, repletos de pessoas convencionais que esperam mais do mesmo da vida e que se acham exitosas pelo pouco que são. Aquilo definitivamente não era o meu estilo e pior ainda estava contaminando insidiosamente a minha forma de ver certas coisas. Passei a recordar dos tempos em que estava nos meios acadêmicos cheios de pessoas grande saber humano e intelectual e comportamento mais elevado e sofisticado no quesito pessoal. Não que eu fosse me tornar um sujeito prepotente e extravagante devido a me relacionar com certas pessoas mais sofisticadas, mas estava na hora de retirar os boçais dos bares da vida e suas conversas habituais sobre mais do mesmo definitivamente do cenário da minha existência como pessoa. Esperava com isso retomar de certa forma a minha sede por coisas novas e por criar novas atividades num espaço e tempo em companhias mais agradáveis e proveitosas. Portanto, estava no lugar certo e na hora certa de mudar até mesmo esses pequenos detalhes em minha vida.

 Na manhã seguinte a casa nova e chateau estariam agitados com visitas e afazeres. Precisava organizar centenas de objetos em seus devidos novos lugares e com a ajuda de Marie criar um espaço para eu, ela e Ivan. Mesmo que provisoriamente por algum tempo aquela nova morada ao lado do chateau das avós seria nosso novo cantinho. Resolvi transformar o loft num home-office e academia doméstica. Enquanto isso, Marie planejava nossos novos dormitórios e um estúdio para ela na casa nova. Passamos o dia entre a recepção feita pelos meus pais para Thalles que chegava para passar também uma temporada com mamãe, e entre os afazeres da mudança com a ajuda de Ágatha. Depois do almoço de recepção de Thalles e sua filha passamos o resto do dia e noite na nova casa montando nossos quartos, transferido roupas e objetos pessoais para eles. Marie e Agatha criaram uma sala de brinquedos com um dos quartos vagos para Ivan. Enquanto isso eu tentava organizar um série de ternos e roupas no meu novo guarda-roupas e instalar uma TV. Ao cair da noite optamos por ficar em casa, visto que o velho libanês estava preparando uma série de pizzas caseiras no forno da casa como se fosse anfitrião e não hospede.  Mais uma vez toda família reunida em volta da mesa tivemos uma espécie de inauguração da nova casa. Depois dos comes e bebes fomos todos dormir.
Logo na manhã seguinte Bia apareceria para visitar Ivan e que ficou esfuziante com o reencontro com a mãe. Enquanto ele ficava com a mãe, eu e Marie dávamos duro no andar de baixo da casa nova arrumando uma série de objetos nas salas, copa e  cozinha e num escritório que seria o estúdio dela. Passamos mais uma vez boa parte do dia nessa atividade com a ajuda de Ágatha que tinha feito um bolo para o lanche da tarde que logo foi devorado por todos. Para fechar o dia caí na cama mais uma vez na companhia de Ágatha para um filminho como se fossemos um casal de namorados inocentes sem tramar ainda nada de mais ousado em nosso “namoro sério”.  Assim que o sono bateu, ela voltou para sua casa e fiquei mais uma vez com Ivan e Marie, além do hóspede libanês que dormiria com Ivan nos seus novos aposentos ainda em fase de decoração.

No decorrer da semana Marie terminou a decoração do quarto novo de Ivan. Mesmo assim, dispondo de dois espaços exclusivos tanto para dormir como brincar, ele preferia dormir comigo devido ainda sentir medo do seu novo dormitório. Apesar do capricho de Marie em pintar as paredes do novo quarto dele e fazer diversos desenhos infantis, Ivan parecia não ser muito influenciado com aquilo na hora de dormir. Aos poucos ele iria se habituando com seus cantinhos e tomando confiança em permanecer neles, ao meu ver era apenas uma questão de tempo e incentivo para que isso acontecesse. Depois da visita de final de semana de Bia ele parecia mais reconfortado com sua nova vidinha em companhia das irmãs bajuladoras e das avós atenciosas. Da minha parte eu passeava muito com ele todas as manhãs, tanto fora de casa como em passeios dentro do condomínio. Visitamos diversos lugares e fizemos passeios inusitados, como levar o avô no aeroporto, andar de Opala, e até mesmo ir em cafés e lanchonetes fazer uma boquinha nos finais de tarde em companhia de Marie. Ao que tudo indicava estaria na hora de começar a pensar na educação dele fora de casa e pensar em matricular ele no colégio de mamãe numa turma da idade dele no próximo ano. Confesso que nunca tive intimidade com tais assuntos e pensar sobre isso era mais uma novidade para mim nessa altura do campeonato. Como a decisão não era apenas minha e dependia da situação e aval de Bia isso poderia esperar algum tempo.

Quanto a Marie, ela parecia ter se tornando a dona da casa. Estava entusiasmada com a mudança e por ganhar um território definitivo onde pudesse realmente viver sua vida. Parecia que tinha se desamarrado definitivamente das correntes de sua mãe e de algumas coisas impostas pelas duas anciãs até então responsáveis pela estadia dela em Curitiba. Parece que tudo foi repentinamente tudo em relação a Marie foi transferido para a minha jurisdição e seria eu quem teria que lidar com o temperamento volátil dela e certos caprichos. Logo nessa primeira semana apesar de estar dando conta dos novos afazeres ela já tentava fugir de alguns compromissos com os estudos e tentava camuflar seus planos de encontros com seus admiradores. Como para mim aquilo não era novidade devido ter passado por situações comuns a essas na mesma idade. Assim sendo, tudo que ela tramava em fazer era fácil de detectar e manter as ações dela dentro do alcance do radar de paizão responsa. Mesmo assim, tive que sentar com ela mais uma vez e dialogar com ela sobre estudos, responsabilidades e como ela deveria se portar nas suas horas vagas. Isso fatalmente despertou o gênio volátil dela, mas apesar de contrariada pelos limites e certos nãos aceitou sem gerar mais atritos como era típico nas batidas de frente com a mãe. São nesses momentos que se passa a compreender que muitas das coisas que os pais fazem conosco baseados num senso de responsabilidade pelos filhos e também enxerga em como em certas ocasiões eles não souberam abordar uma situação de forma mais amena e com uma posição menos drástica.

Sentar com os filhos e chegar num acordo era como sentar com um cliente ou sócio e tentar colocar fatos e situações e fazê-los compreender mais por dados concretos e persuasão como que um acordo em certo ponto, mesmo havendo divergências e convergências, era o mais acertado para determinada relação ou situação de negócios. Usar essas mesmas estratégias, apesar do diferencial do lado afetivo se fazer presente de forma elementar, não fugia muito ao que fazia no dia a dia de trabalho.

Por outro lado, o que passou batido nessa zona de previsões, foi o ataque de ciúmes de Ágatha quando atendi uma ligação de negócios de Aline. Ela ficou furiosa como se aquela ligação fosse algo mais do que uma ligação habitual de fundo profissional. Por mais que pudesse ser isso, o chilique dela só demonstrava o quanto ela estava ainda insegura com nossa relação. Talvez o jeito de menina sonhadora dela ainda não tivesse dado lugar a uma mulher totalmente madura e confiante devido aos fatos que ela atravessou no passado. Apesar do perrengue e duma pequena discussão sobre isso, o que extraí desse momento foi o entendimento que precisava deixar ela confortável e confiante em nosso relacionamento evitando fatos e situações como aquela. Em tese, isso poderia fazer ela começar a ver as coisas de modo mais sereno e confiante e com isso passasse a ser até mesmo uma pessoa mais independente, visto que todo esse tempo tinha seguido quase à risca conselhos e orientações da minha mãe sobre que rumo deveria dar a sua vida. Parecia que havia não uma manipulação, mas sim uma necessidade dela se firmar em relação a si mesma sem necessitar de opiniões de terceiros e aprender a como reagir diante determinadas situações. Desde a época que resolvemos contar sobre Ingrid ser nossa filha ela fazia de tudo para adiar, pois parecia temer o desfecho ou que algo desse errado. Não tinha confiança que aquele ato por mais complexo que fosse seria o mais acertado a fazer sem adiar mais tempo.




Como Aline estava numa rota de saída, seja da empresa como do circulo pessoal, não entendia as motivações de Ágatha para se alarmar tanto com um simples telefonema num primeiro instante. Depois avaliando alguns detalhes se mostrava nítido que precisávamos ainda acertar algumas coisas para que tudo continuasse sendo promissor como na primeira impressão. Tinha que aproveitar aquele sentimento renovado que surgiu nela a partir do episódio sobre Ingrid e saber lidar com algumas das inseguranças dela que no fundo eram produto do passado que tinha que ser de alguma forma não mais somatizado no presente.  Mesmos sem achar um caminho definitivo para isso, a melhor opção foi mais uma vez dialogar e colocar as cartas na mesa. Depois duma conversa com ela no dia seguinte tudo ficou resolvido e ela confessou estar vivendo uma espécie de sonho adiado por tanta coisa que não conseguiu evitar no passado por não ter tido forças para lutar contra. Enfim, ambos tiveram que ceder e convergir e chegar num acordo assim como é habitual no campo dos grandes negócios para um resultado satisfatório.

Com o final de semana se aproximando a nossa agenda estava aberta para diversos programas. Desde um concurso de piano que Ingrid iria participar até uma viagem que Marie queria fazer junto de alguns amigos para o rancho do velho libanês no sul. Isso criava um dilema entre prestigiar uma ou outra e precisava tomar uma decisão que pudesse talvez contemplar as duas coisas no mesmo espaço de tempo. Como era impossível fazer isso tive que contrariar os planos de Marie que ficou furiosa em ter sido de certa forma preterida em relação à irmã. Acontecimentos assim mostravam que gerenciar uma vida nova levando em conta a família não era uma tarefa fácil...     
   

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Mudanças

Nunca fui afeito a mudanças de casas ou lugar, mas sempre gostei de estar em lugares diferentes. Vai entender isso!

Na terça de manhã tinha resolvido de vez me mudar em definitivo para Curitiba. Para ficar e concentrar até mesmo os negócios entre sul e sudeste. Tomar providências cheias de detalhes nesse sentido sempre são confusas, pois não sabemos por onde começar e sempre há um assunto pendente. Nos negócios tinha que deixar alguém de plena confiança encarregado dos meus afazeres no escritório em São Paulo. 

Passei um bom tempo escolhendo entre uma série de nomes que não levasse em conta o nome de Aline nessa escolha. Sem encontrar um nome adequado que atendesse esses requisitos a minha opção foi inovar e ratear atribuições para as novas secretárias e manter Charles como uma espécie de informante sobre o andamento dos serviços. Uma escolha ousada – apesar de temporária - na minha forma de gerir e delegar funções. Por mais que Aline fosse a pessoa mais apta e indicada para tomar esse posto a confiança nela estava em baixa tanto no quesito profissional quanto pessoal. Ao comunicar isso para Évelin, Tássia e Fernanda elas ficaram surpresas com o upgrade repentino de suas atribuições, mas não seria nada que não tivessem como dar conta. Apesar da distância física a comunicação diária seria a grande chave mestra para manter as coisas andando nos trilhos.

Resolvido isso, fui dar um passeio com Ivan no aeroclube para me matricular num curso de piloto comercial. Há anos pretendia deixar de ser piloto privado para subir na hierarquia aeronáutica. A minha estadia no Paraná seria o momento oportuno para esse projeto pessoal. Ao chegar por lá e depois de mostrar os aviões que fascinariam Ivan estava tudo acertado. Restava agora cuidar da mudança e contratar um motorista para que eu não ficasse sendo chofer de dona Nina e Charlô por tempo indeterminado. Ao invés de contratar um foram contratados dois motoristas, ambos com credenciais que atendiam um rol de expectativas além da função de motorista. Devido ter ido com a cara de ambos e precisar de ajuda nas mudanças, além de alguém que pudesse fazer viagens para São Paulo buscando e trazendo desde arquivos de documentos que não tinham como ser expedidos pelo correio e servindo como uma espécie de secretário pessoal. 

Como Marie estava sendo encarregada de ser a contadora doméstica pelas avós ficou a cargo dela lançar a remuneração desses novos empregados no seu caderninho libanês, algo que se tornou tradição na família. No dia seguinte, pegaria as chaves da casa na imobiliária e seria a última vez que daria carona para as meninas. Dali por diante seria tarefa de algum dos novos contratados fazer isso todas manhãs e tardes, além de levarem as donas da casa em seus passeios em casas de parentes e amigos  e outros compromissos. Quanto a mim, eu estava planejando uma vida de trabalho diferenciada, organizando um home-office naquele loft que logo seria desativado para finalidades de moradia. Com isso teria que me deslocar bem menos e poderia passar mais tempo a disposição de Ivan. Tudo isso solucionado em tempo recorde passei a me focar em outros assuntos.

Naquela noitinha fria de quarta feira Ing e Marie iriam numa festa de aniversário duma colega de escola e com isso tomei a iniciativa de convidar Ágatha para um jantar de despedida do loft sob pretexto de conversar alguma coisa sobre Ingrid e colocar nosso papo em dia. Assim que as garotas partiram para a festa, Ágatha apareceu sorrateira na porta do loft e enquanto o jantar não ficava pronto ficamos naquela pequena cozinha tomando vinho e conversando sobre temas dos dias anteriores como a batida do carro dela e a situação de Bia. Quando servi um belo prato de lasanha ao molho branco mudamos de assunto para a minha mudança para Curitiba.  Até então não havia nada típico dum jantar romântico, o clima entre Ágatha e eu naquela noite parecia estar distante daquilo. Entretanto, fui falando dos meus planos de me transferir para casa ao lado, e com isso ela ficou curiosa em conhecer o interior da casa. 

Como estava com as chaves fui até lá mostrar o imóvel para ela logo depois que terminamos o jantar.  Lá chegando mostrei a casa toda e antes de sair paramos naquela cozinha vazia com móveis embutidos e foi ali que resolvi mudar os rumos daquela noite. Quando Ágatha perguntou se eu tinha mais planos para minha nova vida em Curitiba isso foi a deixa perfeita para abrir o coração para ela. Não havia mais como negar estar atraído por ela tendo em vista as últimas investidas dela. Não tirava ela da cabeça há semanas desde do final da Copa do Mundo. Assim que ela perguntou sem nenhuma pretensão de ouvir algo em relação a ela, foi nesse ponto que a minha cantada surtiu efeito. Quando ela me perguntou ingenuamente se eu tinha mais planos para Curitiba ouviu um simples “você” dito olhos nos olhos em resposta. A resposta inesperada desmontou ela. Caminhei alguns passos na direção dela falamos de nosso passado colocando uma pedra nele. Depois falamos do nosso presente e pedi ela em namoro como manda o figurino. Quando ela ainda encabulada aceitou segurei as mãos dela e a puxei para um longo beijo que aqueceu aquela noite fria.

Assim que as garotas chegaram contamos a novidade para elas que fizeram típicos comentários jocosos sobre o acontecimento e se demonstraram também felizes e satisfeitas com a notícia inesperada. Marie por ser mais expansiva fez mais comentários e disse que torcia por isso juntamente de Ingrid. No dia seguinte caberia a ela informar a novidade paras as velhotas que certamente cairiam da cadeira no café da manhã com tal notícia.

Como isso, parecia que tudo em Curitiba estava alinhavado para uma nova fase feliz e cheia de novos sonhos. 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A tradição empreendedora da família




Nossas histórias de vida começam muito antes de chegarmos a este mundo. Por esse motivo irei contar um pouco da história de vida de meus pais e avós para compreenderem o contexto da minha própria história de vida quando foi chegada a minha hora de nascer para esta vida repleta de sonhos, desejos e emoções...

Anton, meu avó, nasceu na Baviera, aos dezesseis anos ele era um seminarista que estava decido abandonar seu futuro religioso. Uma de suas motivações para isso era simplesmente ter uma vida livre que pudesse seguir seu fluxo natural. Assim, em 1916 ele resolve não apenas deixar o seminário, como também decide ir para França fugindo da guerra que corroia a Europa naquela época. Ele arrumou as poucas coisas que tinha e seguiu para Suíça antes de finalmente chegar a costa sul da França depois do final da guerra. Junto com ele, e motivado pelas mesmas aspirações estava seu amigo e também ex-seminarista Gunther. Ambos sobreviviam trabalhando em pequenas propriedades rurais como lenhadores e ajudantes gerais.  A vida dura do campo não incomodou dois jovens que tinham trocado os livros pelo batente pesado. Apesar disso, sempre mantiveram viva a sua paixão por livros de filosofia, em especial pela filosofia clássica aprendida nos tempos de seminário.

Logo que chegaram na França foram trabalhar numa espécie de chateau cujo proprietário produzia queijos artesanais típicos e tinha uma pequena venda de queijos, pães e vinhos na cidade de Villefranche-sur-Mer. Ali aprenderam a produzir queijos, a degustar vinhos e apesar da vida modesta aqueles dois amigos se sentiam muito gratos por terem sido acolhidos por um homem tão generoso que abrigava dois alemães foragidos do seminário. Nessa mesma época vovô conheceu uma moça italiana com qual sempre flertava aos domingos por ocasião da missa comunitária. Ela se chamava Lavínia, era uma piemontesa filha dum alfaiate local. Ela tinha belos olhos verdes e longos cabelos negros, o que dava para aquela jovem italianinha ares duma musa digna de Rafael Sanzio segundo o meu avô. A figura do meu avô também fazia com que a jovem caísse apaixonada por ele como se fosse amor a primeira vista. Os cabelos negros e olho azuis do alemão de porte físico viril devido aos trabalhos braçais dos últimos anos tornava ele um rapaz atraente. Depois dum breve namoro se casaram e passaram a residir na própria casa do meu bisavô alfaiate. Logo tiveram o primeiro filho, meu tio Joseph, que foi o responsável por fazer a cabeça do meu avô a deixar a França em 1940 quando a segunda guerra estava a pleno vapor. Neste mesmo ano, nasceria minha mãe Monique, que seria posteriormente a primeira pessoa da família a retornar para França para estudar.

Tio Joseph traçou todos os planos e fez todos os arranjos para deixarem o país. Ele desejava migrar para a América do Sul, embora meu avô quisesse ir para o Canadá devido às facilidades do idioma. Ao final prevaleceram os planos de Tio Joseph que tinha certo encanto por discos de Carlos Gardel e uma boa impressão da Argentina. Minha avó apoiava a idéia dele e como ele estava decidido a chegar em Buenos Aires e começar uma vida nova aos passos de tango meu avô cedeu aos planos dele. Tio Joseph movido por um espírito aventureiro e empreendedor queria subir na vida acima de tudo. Além disso, ele havia se casado com a filha de Gunther, que nessa altura da vida tinha se tornado ourives, e apoiava com entusiasmo a ida para um novo lugar.   

Na Argentina o recomeço duma nova vida foi atribulado, porém recompensador. Tio Joseph passou a cuidar de tudo arrumando empregos para tio Jean e meu avô que eram os únicos homens da família. Meu avô foi trabalhar com algo que ele já conhecia bem desde o tempo da sua rápida passagem pela Suíça: Cavalos. Ele se tornou adestrador de cavalos. Na Suíça ele passou dois anos tanto como lenhador como aprendiz de seu patrão que tinha gosto por cavalos de raça. Isso fez despertar nele uma paixão por equitação e tudo mais relacionado aos cavalos. Já meus tios eram herdeiros do legado italiano da família conseguiram empregos como alfaiates. Gunther, sogro de tio Joseph, também embarcou rumo ao Plata, e abriu uma pequena loja de consertos de relógios e produção de jóias. Ele era ajudado pela esposa de Tio Joseph, Helen, e por seu irmão Fritz.  Nos anos seguintes meus tios conseguiram abrir sua própria alfaiataria em sociedade. O novo empreendimento foi batizado de Hermanos Castelazzi. Os negócios da família de Gunther também estavam crescendo e com o passar dos anos todos estavam com a situação financeira Com a prosperidade batendo a porta dos negócios meus tios resolveram investir nos talentos do meu avô e adquiriram uma pequena propriedade para ele na qual ele passou a criar cavalos. Tio Joseph passou a cuidar também dos negócios do sogro e com o passar do tempo abriram um novo estabelecimento que vendia roupas e jóias unindo a alfaiataria e joalheria.  

Em 1950, devido serem fãs de futebol e torcedores do River Plate, resolveram fazer uma viagem para o Brasil para acompanhar o mundial de futebol. Tio Joseph já tinha vindo diversas vezes ao Brasil tanto de férias como em busca de novos empreendimentos, nessa ocasião estava disposto a expandir seus negócios com Tio Jean, o qual era mais conservador. Mais uma vez tio Joseph ousou em traçar novos planos. Encantado com as praias e estilo de vida brasileiro ele quis montar uma nova loja de roupas e jóias no Rio de Janeiro. Os planos de Tio Joseph não surtiram a mesma empolgação em Tio Jean que com isso desfez a sociedade deixando Tio Joseph livre para seguir seu destino empreendedor junto da família da esposa. No ano seguinte Tio Joseph conseguiu se instalar não no Rio de Janeiro como ele tanto queria. Conseguiu um novo sócio para ajudar a bancar esse novo empreendimento em São Paulo numa sociedade inesperada de europeus com libaneses. Foi nessa época que meu avô paterno surgiu na história. O velho Hassan Mansour, um marceneiro libanês, tinha os mesmos planos de prosperar em terras brasileiras. Havia chegado ao país também na mesma época vindo por coincidência da Europa, mais especificamente de Portugal. Tinha deixado o Líbano depois do final da segunda guerra atraído por propostas na construção civil em solo europeu. Com isso ele passou pela França e Espanha até finalmente chegar em Portugal e decidir-se por cruzar o Atlântico atraído pelas oportunidades no Brasil. Trabalhava como carpinteiro, mestre de obras e o que mais fosse necessário nessas obras, mas quando chegou em São Paulo enveredou-se pela fabricação de móveis, profissão aprendida por ele na infância e deixada de lado nos últimos anos. Trouxe com ele seus filhos Mohamed e Ali, os quais também aprenderam os mesmos ofícios e eram seus funcionários na pequena fábrica de móveis.

Tio Joseph logo fez amizade com o velho Hassan e começaram a dividir idéias em comum sobre negócios e logo estavam fazendo diversos negócios juntos. Passado alguns anos a amizade e negócios entre as duas famílias era intensa e fundada em fortes laços de respeito. Meu avô Anton, também prosperava em seus ranchos de criação e adestramento de cavalos. Seguia à risca as orientações do filho Joseph e com isso já tinha uma vasta clientela em São Paulo e Buenos Aires. Nessa mesma época em que tio Joseph se mudou para São Paulo, vovô passou a residir no Rio Grande do Sul atraído pela vasta legião de conterrâneos e motivado pelas terras gaúchas adequada para a criação de cavalos. Em 1956, vovô resolve deixar o sul e passa a residir também em São Paulo. Passou pouco tempo na cidade grande, pois com a idade chegando resolveu ir para o interior paulista se dedicar aos queijos. Foi nesse período que ele transferiu seus negócios no ramo de eqüinos para Tio Joseph, o qual não tinha nenhuma aptidão para lidar com cavalos. Entretanto, o filho mais velho de Hassan, Mohamed que nessa época tinha também dezesseis anos, já estava apaixonado por  Monique, minha futura mãe, com isso ele se ofereceu para aprender e suceder o velho alemão nos negócios. Aquilo não era apenas uma forma de impressionar a amada, mas era também uma forma de sair do controle do velho Hassan, que era além de sovina, um pai extremamente durão que mantinha uma relação conturbada com os filhos ao ponto de fazê-los trabalhar em excesso.

Meu avô Anton sabendo que Mohamed, meu futuro pai, era um sujeito trabalhador, passou a ensinar os detalhes dos negócios de cavalos, aos 18 anos ele já estava à frente dos ranchos mantendo aquele haras na família até os dias atuais. Minha mãe por sua vez apenas se dedicava aos estudos e pretendia estudar na França juntamente de tia Fanny e Charlotte. Em 1958 as três fizeram as malas e foram estudar na ENS Lyon. Quando retornaram cinco anos depois logo se casaram com seus pretendentes Mohamed e Ulisses. Tia Charlotte por ser mais nova ficaria mais algum tempo na França. Em 1963, com direito a uma grande festa de gala as irmãs Fanny e Monique se casavam no mesmo dia. Isso aproximou os noivos que se tornaram sócios no ramo hoteleiro e fazendas. Enquanto, um casal cuidava dos negócios em São Paulo e Mato Grosso do Sul, o outro – papai e mamãe – seguiu rumo ao Rio Grande do Sul e Argentina administrar os antigos negócios de vovô. Essa sociedade durou décadas, tornando meu pai e tio Ulisses dois homens abastados. Fizeram fortuna nos agronegócios e tinham além dos negócios em comum o mesmo vício por rabos de saia. No ano seguinte ao casamento minha irmã Agnes nasceria em solo argentino. Depois de alguns meses do nascimento dela, meus pais retornaram para São Paulo e tiveram mais dois filhos nos anos seguintes: Thalles e Michel.

Na década de setenta Tio Joseph tinha deixado de lado o ramo da alfaiataria e investido na fábrica de móveis juntamente como o meu avô paterno. Quando o velho Hassan faleceu Tio Ali e meu pai ingressaram nos negócios comprando a parte de Tio Joseph que passou a se dedicar ao ramo de atacadista no qual se manteve até o final de sua carreira nos negócios. Quando nasci no decorrer dos anos seguintes toda família estava praticamente nadando em dinheiro. Todavia, esse ambiente de prosperidade iria durar até meus pais se separaram. Com a separação deles minha mãe ficou com metade dos bens e meu irmão Michel, deixou a faculdade de engenharia para gerenciar a parte de mamãe nos negócios juntamente de Agnes. Meu irmão Thalles cursava arquitetura e não tinha interesse em seguir na carreira empresarial. Devido à inexperiência e prepotência de Michel em não aceitar conselhos de Agnes que era a ex-braço direito dos negócios de papai a empresa começou a ingressar numa fase negra de prejuízos e no final das contas acabou indo a concordata. Nessa época eu estava ingressando na adolescência e minha mãe voltou para as salas de aula devido a situação ter ficado apertada. Mudamos duma casa grande com piscina para uma mais modesta numa região mais distante. 

Tudo isso para mamãe foi uma mudança radical a qual ela segurou as pontas de modo exemplar. Nessa época ela me fazia estudar quase a exaustão visando fazer-me ingressar numa boa faculdade seja de qual curso fosse. Naquela época eu ingressei no colégio técnico no período noturno e de manhã continuava num outro colégio particular me preparando para o vestibular. Era uma rotina árdua de estudos que só seria interrompida em parte quando ingressei aos dezesseis para dezessete anos numa oficina de mecânica de caminhões e tratores onde aprendi desde mecânica até tornearia e funilaria. Nessa época peguei gosto por carros antigos os quais fazíamos desde a parte de pintura até os reparos mecânicos e elétricos. Naquele mesmo ano seria forçado a me casa devido a gravidez inesperada de minha namorada Valéria. Embora o pai dela quisesse que fosse trabalhar nos negócios dele me recusei a fazer isso permanecendo na oficina até passar no vestibular no final daquele ano. No ano seguinte além de me separar de Valéria devido sermos dois jovens imaturos para manter um casamento, passei a trabalhar num restaurante francês como ajudante de cozinha, passando depois para garçon e finalmente voltando a cozinha no preparo de sobremesas e posteriormente carnes. Paralelo a isso ainda tive a oportunidade de trabalhar brevemente numa agencia de modelos. Com o avanço do curso de Direito consegui um estágio remunerado e deixei tanto o restaurante quanto a agência. Na metade do curso passei a estudar como investir no mercado de ações e foi nessa época que comecei a ganhar uma grana extra. Vendi o velho carro que havia herdado de mamãe e investi tudo em ações. Quando me formei mais uma vez tive oportunidade de fazer um negócio o qual daria o ponta pé inicial nos meus negócios. Por ocasião da venda dum imóvel de mamãe combinei com ela que o que houvesse de lucro além do valor por ela pedido no imóvel seria meu. Ela topou esse acordo e com o lucro abri uma espécie de imobiliária que comprava e vendia terrenos, em paralelo a isso tinha um escritório de advocacia e consultoria empresarial.

Nessa época estava com vinte e três anos e Tio Pepe era meu mentor nos negócios com imóveis dando valiosas dicas adquiridas com sua vasta bagagem de décadas de bons negócios. Ele ainda fez questão de injetar dinheiro do próprio bolso numa pequena construtora de imóveis que trabalhava em conjunto com o ramo de incorporações imobiliárias. Nessa fase transferiu um de seus mais antigos gerentes para me auxiliar no dia a dia dos negócios: Pietro Del Prado era um antigo amigo e funcionário dele desde a época dos negócios da Argentina. Dom Pietro quando ficou viúvo passou a ter um pequeno romance com mamãe que acabou em casamento e isso facilitava e muito a minha relação com ele no dia a dia de trabalho. Além disso, estava muito bem assessorado por dois macacos velhos nos negócios e o que tinha que fazer era trabalhar muito seguindo as orientações de ambos.

Quando Dom Pietro faleceu, mamãe resolveu mudar-se de Sorocaba para Curitiba morar com tia Charlotte, qual também tinha ficado viúva recentemente um pouco antes de mamãe. Tio Pepe também havia se retirado dos negócios devido a desenvolver mal de Parkinson. Com isso, ingressaram nos negócios as filhas de ambos apenas como sócias na empresa. Mônica filha do primeiro casamento de seu Pietro ingressou como administradora do setor de incorporações, já minha prima Madaleine ficou apenas como sócia nominal. Com o crescimento da empresa conseguimos comprar o que restou dos negócios de Tio Ulisses e papai e incorporamos tudo numa holding. Atualmente, essa holding administra todos os negócios de família. Os filhos de minha prima trabalham comigo, um como assessor jurídico e outro como engenheiro.   
       
Pelo visto Marie herdou o código genético de aptidão para os negócios, mas isso isso já é uma nova história... 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Começando uma nova fase

Na segunda de manhã acordei meio no susto devido o sono ainda estar pesado por ter ido dormir tarde.  Ao retornar da casa de Flávia, tomei mais uma taça de vinho para relaxar e passei horas conversando com Quim via internet sobre assuntos pertinentes a estadia dele no EUA. Parecia que a mãe dele - Valéria - estava mais uma vez tentando interferir nos planos dele, assim como a mãe de Marie faz com ela. Lidar com esses atritos de mães com os filhos quando já não se tem mais intimidade e diálogo com as ex-mulheres é um pé no saco. Ainda mais no meu caso, por sempre tomar partido ou dos filhos ou duma posição unilateral que vá contra ambas as partes. Valéria estava planejando ir morar com Quim no EUA sob pretexto de auxiliá-lo em sua rotina, e isso desagradou ele fazendo-o reagir de forma intempestiva. O fato fez a mãe dele ficar enfurecida por ter sido colocada no canto do prato e no final das contas sobrou para mim...

De manhã acordei com o despertador soando no meu ouvido como se fosse um toque de recolher e não de acordar. Saí da cama as seis horas da manhã, mal tive tempo de colocar uma roupa apresentável e Marie já batia na porta com a mochila nas costas me recordando que teria que levar ela, Ing e Ágatha para o colégio. Cumpri o combinado, e durante o trajeto apenas falamos sobre a colisão do dia anterior e as providencias que Agatha deveria tomar naquela manhã. Após deixar as garotas no colégio voltei para o condomínio e Ivan já estava serelepe tomando café com as duas anciãs que comentavam sobre alguma coisa irrelevante. Sentei-me à mesa e comecei a passar manteiga no pão e nesse momento a mãe de Quim me liga relatando o mesmo que ele havia relatado na conversa com ele. Não havia novidades, então pedi para ela ligar outra hora alegando estar ocupado e atrasado para algum compromisso. Mesmo assim não pude me esquivar da intromissão das duas velhotas sobre o assunto em questão e tive que relatar para elas o ocorrido.

Ambas ficaram relembrando o meu passado, quando tinha dezesseis anos e comecei a namorar com Valéria e como nossa relação terminou duma forma desastrosa. Minha mãe – como sempre – depositava a culpa disso no casamento de dois jovens imaturos feito às pressas por pressão da família de Valéria e minha tia acordava em tudo com ela dando também seus pareceres. Em momento algum elas atribuíam a culpa para algum dos dois, por justamente julgá-los imaturos e despreparados para uma vida a dois. Aquilo me intrigou, pois sempre os pais em muitos casos como nesse caso do “casamento juvenil” e o de Quim vs Valéria parecem advir de ações parentais e não por atitudes impensadas dos filhos. Os pais por serem mais experientes e maduros deveriam guiar os filhos para caminhos seguros e mais independentes, mas muitas vezes os tolhem de todas as formas tentando proteger seus rebentos. Quando uma situação fora do esperado acontece, buscam dar as suas soluções aos filhos empurrando aquilo goela abaixo como se fosse o mais acertado a se fazer. Raras as vezes deixam os filhos refletirem e tomarem uma decisão que solucione aquilo por eles mesmos.

Quando me casei com Valéria a decisão de casar era da família dela, minha mãe se opunha ao casamento com fortes fundamentos, os quais foram irrelevantes para a família de Valéria. Recordo-me que no dia anterior ao casamento mal consegui dormir. Meu irmão que tinha vindo para ser padrinho de casamento estava tomando whiskey e assistindo um filme no meio da noite, ele me deu uma dose daquele doze anos sabendo que eu estava nervoso e conversou sobre o casamento comigo. Ele perguntava se estava querendo realmente me casa, eu dizia que sim, mas no fundo algo dizia “não, não é isso que quero, nem sei o que quero mais”... No dia seguinte logo pela manhã, casamento no civil, naquele cartório cheio de rostos desconhecidos,  o clima abafado e gravata apertada estava me deixando um tanto incomodada além do normal. Valéria sorria ainda com aparelhos nos dentes, parecia realizar o sonho da sua vida e sua barriguinha ainda sequer aparecia.  Depois daquilo um almoço na casa do meu pai fechou a agenda da parte da manhã. Minha mãe e meu tio Joseph tinham dito para meu pai me arrumar um emprego na empresa dele, apesar de ter prometido o emprego descumpriu o acordo alegando que sua atual esposa não gostaria daquilo. Estar na casa dele naquele dia era como estar debaixo do mesmo teto que um traidor.     

Naquele ano eu tinha começado a trabalhar com Lúcio na oficina, que aos poucos devido uma série de fatos fez ele se tornar de empregado em patrão. Foi naquela oficina que tinha recebido um mês antes a notícia da gravidez de Valéria e logo no mês seguinte vésperas de carnaval ou quaresma lá estava eu me casando. Havia engravidado Valéria durante uma viagem de visitas a avó dela no final de ano por ocasião das festas de Natal e ano ovo. Os pais de Valéria tinha ido para EUA, numa espécie de segunda lua de me e a avó ficou sendo a “responsável” pelas “crianças” naquele período. Naquele dia lá estava a velha presente no casório, ainda com certa inconformidade e aparentemente se remoendo por alguma espécie de culpa em ter falhado na sua missão.  Uma coisa era certa: a concepção de Quim aconteceu no Natal e o final do casamento de Valéria e eu seria no próximo Natal. Ficamos ainda casados por mais seis meses no papel devido uma tentativa de reatar, mas a vida em São Paulo era dura demais para Valéria que era mimada demais para dar conta de tudo sozinha. Quando voltei de férias da faculdade, assinei o tal “desquite” e passei a ser persona non grata para a família de Valéria.
Na mesma época, ainda sem saber, cometi o mesmo deslize de transar sem camisinhas pela segunda e terceira vez vindo a conceber Marie e Ingrid. Parecia fora do possível uma situação daquelas, mas foi a realidade mais fora do comum que passei na minha vida. Aos dezesseis anos eu era ainda apenas mais um garoto que estava vivendo seus primeiros relacionamentos afetivos seja com uma prima, com uma garota do clube, ou com a Valéria que conheci na escola. Estava com a cabeça fresca, apenas preocupado com alguns problemas caseiros típicos de qualquer família de pais separados e com alguns rolos no setor financeiro doméstico. De repente, era pai, uma, duas vezes, e na terceira minha mãe parece ter agido como uma espécie advogada das causas perdidas e mesmo sabendo que Ágatha poderia ser uma boa opção para mim, resolveu levar tudo por outros caminhos que se tornaram por anos num segredo entre elas do qual eu apenas desconfiava com medo descobrir a verdade.

Semanas atrás quando contamos para Ingrid a verdade, eu soube também dessa verdade que ambas – Ágatha e mamãe – sabiam desde o começo que o filho era meu, pois Agatha, apesar de namorar com outro sujeito também mais velho, ainda era uma garota virgem de quinze anos. Minha reação foi a de me sentir traído, mas por um instante eu lembrei que se tivesse tido coragem de questionar a verdade antes e não fugir das conseqüências teria solucionado esta questão há muito mais tempo. Assim sendo, eu também tinha culpa no cartório, e não me restava outra saída senão a duma anistia geral para todos os envolvidos nessa história. São nessas horas que solucionamos grandes atritos ou decepções por si mesmos, tomando atitudes mais maduras e honestas em relação a todos os fatos. Naquela hora também compreendi que para um garoto de dezessete ou dezoito anos aquilo seria um fardo pesado dado para quem não suportaria o seu peso. Tanto eu, quanto Valéria e Ágatha éramos jovens demais para dar conta de certas coisas e medir as conseqüências de nossos atos através de outras perspectivas.

Terminei aquele café da manhã relembrando isso junto de mamãe e titia. Elas por sua vez se mostraram felizes em saber que os rumos incertos do passado agora tinham dados bons frutos. Sabiam que apesar dos pesares tudo tinha se resolvido e que naquele instante o principal era fazer os frutos desses relacionamentos imaturos felizes. Não tínhamos mais que pensar sobre o passado como algo tenebroso e repleto de desenganos. Selamos um compromisso de deixar no passado tudo que fizemos de certo ou errado em relação a tais fatos tentando com isso trazer apenas as valiosas lições aprendidas para o presente e futuro.

Depois disso, levei elas para fora e relatei os meus planos em construir uma casa no espaço de terreno vago ao lado da casa delas. Enquanto a casa nova não ficasse pronta iria tentar comprar a casa do vizinho que tinha se mudado e me transferir para lá junto de Marie e Ivan para que eles tivessem acomodações mais de acordo com as necessidades deles. Desta forma, aquele quarteirão iria todo pertencer a nossa família e teríamos um lugar só nosso. Além disso, isso iria abrir espaço para meu irmão que estava prestes a chegar do Canadá com sua filha e se instalar temporariamente na casa delas. Se havia uma coisa que o dinheiro poderia bancar naquela hora, esta coisa era liberdade de poder escolher quem você quer ter por perto como seus vizinhos. Acreditando que aquilo seria algo benéfico para todos nós no futuro, voltamos para casa e telefonamos para o ex-vizinho perguntando sobre o imóvel. Poucos minutos depois estava feita uma oferta da minha parte com dez por cento abaixo do que o ex-vizinho pedia. Era o preço justo a ser pago. No começo da noite ele retornou a ligação aceitando essa proposta devido necessitar do dinheiro de forma urgente. Faltava apenas lidar com os detalhes burocráticos e tudo estaria pronto para um novo recomeço em Curitiba.

Após este primeiro telefonema, deixei as duas e fui com Ivan até o loft, tomei banho enquanto ele mais uma vez fazia suas artes em guache preenchendo papeis e lençóis de desenhos de formas estranhas que dizia que eram os cães de guarda da casa. Coloquei meu terno azul, o qual minha amiga Marise dizia ser um presságio de buscas espirituais. De certa forma, tudo aquilo era uma busca espiritual por serenidade e uma vida mais madura sem se deixar levar por caprichos e rabos de saia. Precisava ordenar as coisas ao meu redor de acordo com as possibilidade e não me deixar levar por séries e mais séries de acontecimentos repentinos ocorrendo em doses cavalares. Todas as minhas decisões no campo emocional e de relações nos últimos meses tinham sido um fiasco. Desde que tentei reatar com Bia no ano anterior tudo entrou numa espécie de turbilhão de acontecimentos fora de propósito que somente agora me dava conta. Ter tentando reatar com Karen, ter namorado com Luíza e achar que Aline estava sob meu controle tinha sido uma série de erros e fantasias da minha vontade impulsiva por querer algo que não sabia o que era.

Quando viajei para Portugal e conheci Carolina e depois quando reencontrei Elena, comecei a notar que eu tinha que mudar a forma que me relacionava como as mulheres. Elas não poderiam ser para o resto da vida tratadas como troféus duma noite de caça por prazeres, ou como alguma coisa temporária que preenche lacunas que necessitam ser preenchidas por algo definitivo.  No Líbano tinha aprendido a comedir minhas ações e tentar buscar amizades fecundas com as mulheres ao invés de logo partir para um jogo de sedução barato. Quando voltei, apesar dos acontecimentos repentinos em série, passei a tentar manter essa conduta, mas falhei logo de cara ao sair com Flávia e Micaela praticamente ao mesmo tempo. Sabia que precisava frear isso e encontrar alguém que nutrisse minhas expectativas e esse alguém parecia sempre ser Ágatha.  

No horário de almoço fomos todos até o colégio. Ivan ficou com suas “avós” enquanto eu e Marie fomos a um shopping. Tinha em mente colocar Marie a frente dum projeto que atendia ao talento dela no ramo da moda. Passeamos por lojas de roupas, jóias, bolsas e sapatos. Propus para ela que se ela desenvolvesse um projeto de loja nesses setores desde o início planejando cada detalhe eu da minha parte a ajudaria com os detalhes burocráticos e administração, enquanto ela se encarregava do resto. Ela ficou empolgada com a possibilidade e pareceu – apesar dos quinze anos de idade – saber exatamente o que poderia fazer com essa oportunidade. Me senti como se fosse Tio Joseph – irmão de minha mãe  - no passado sendo meu mentor e me guiando pelos meus primeiros negócios imobiliários me dando dicas e sugestões preciosas. Hoje, ele aos noventa e quatro anos e doente pode mais ser consultado como fazia antes em cada negócio. Mesmo assim me lembro de como ele me tratava com carinho e fazia compreender que no mundo dos negócios o melhor caminho é fazer aquilo que se acredita medindo as possibilidades de retorno de cada investimento. Foi exatamente isso que fui fazer com Marie em seguida. Passamos no escritório e colocamos no papel as idéias dela e discutimos por onde ela poderia começar. Ainda tratei de outros negócios enquanto ela se apoderava da minha mesa e cadeira e eu ficava no sofá do escritório numa conversa chata com Aline que tinha voltado para São Paulo reassumir suas atividades.

Quando a conversa infernal com Aline terminou, contei para Marie que pretendia comprar a casa do vizinho e morar com ela e Ivan. Ela gostou dos planos e passou a desenhar a decoração que gostaria de ter nos quartos – inclusive o meu - e listou o que deveria adquirir para deixar tudo a nossa cara. Em seguida, voltamos ao colégio e fizemos uma pequena hora do rush com carro lotado como se fosse uma lotação carioca. Chegando em casa passamos a noite fazendo o mesmo de sempre até a hora de dormir.  

domingo, 3 de agosto de 2014

Sunday morning everything can change

No domingo despertei com Marie batendo na porta do meu loft trazendo ordens de minha mãe: teria que levar o trio de devotas na Missa. Além disso, avisou que o petit dejeuner estava servido. Ao sair ela ainda fez piada do meu pijama que era, nada mais nada menos, que um velho short de futebol e uma camiseta do Van Halen. Achei atípico Marie estar de pé tão cedo para os padrões dela, além do fato dela dizer que iria à Missa em companhia da avó e tia avó. Ao chegar na copa estavam todas já sentadas à mesa com trajes típicos de missa dominical dignos do século XIX. Espantado com o fato de Marie estar devidamente trajada de forma tão conservadora comecei a comentar sobre o modelito inovador da ocasião retribuindo a piadinha feita anteriormente por ela. Minha tia me censurou e disse-me para deixar de irritar a minha filha e me mandou ir acordar Ivan e prepará-lo para ir com elas na igreja. Embora o tom de ordem parecesse desaforado compreendi aquilo como algo que passaria a ser algo da minha rotina a partir de então. Cuidar do pequeno em todos os detalhes seria uma nova atividade da qual não tinha como esquivar. Naquele momento percebi que teria que dar atenção a tudo o que o garoto faz ou deixa de fazer nas vinte quatro horas do dia, ou ao menos quando ele estivesse acordado visto que ser um dorminhoco nato.

Fui até o quarto improvisado dele e ele ainda estava em sono intenso. Fiquei com pena de despertá-lo. Fiquei alguns minutos hesitando fazer isso. Ao abrir um pouco a janela para deixar um pouco de luz entrar e facilitar o despertar de Ivan tive uma idéia nova: Decidi que enquanto “as meninas” estivessem na Missa iria dar um passeio com ele. Acordei-o cantarolando Al Capone do Raul com uma pequena mudança no refrão: “Ei Ivan vê se tê orienta, assim dessa maneira nego Curitiba não agüenta”. Ele pareceu um pouco irritado com o sono interrompido e pouco se importou com a canção improvisada. Carreguei ele nos braços e isso fez ele ficar mais atento ao que estava se passando e rompeu o silêncio falando sobre alguma coisa que somente ele tinha conhecimento. Logo em seguida ele começou a perguntar pela mãe. Tive que explicar novamente todo enredo da mesma história e ele pareceu conformado mais uma vez com a explicação. Após isso levei ele comer alguma coisa junto com as velhotas e novamente ele questionou sobre Bia para minha mãe. Dessa vez coube a avó explicar mansamente o paradeiro de Bia e ludibriar a saudade do menino com uma promessa de dar para ele um chocolate depois do almoço. Aquilo fez Ivan mudar de pensamentos na hora. Ao que tudo indicava teria que usar os mesmos artifícios aprendidos numa aula prática com a velha francesa. Minha mãe sorriu para Ivan e disse para ele: “Depois o seu pai irá te levar comprar chocolates e nós três vamos comer muito chocolate então lembre ele de comprar chocolate para mim também mon petit!” – Mal terminada a frase em português minha mãe já aproveitou a deixa em francês para emendar uma vasta lista de recomendações para aquele dia quase em provençal. Ivan se divertia com o jeito de autoritário da avó falar comigo e tentava repetir algumas palavras em francês tais como: çava e oui. Ele ficava repetindo como um papagaio çava e oui, minha mãe o instigava a dizer outras palavras novas em francês. Aquele velho método já tinha sido usado comigo e meus irmãos, e agora era usado mais uma vez com os netos. Para muitos a situação seria engraçada, mas era algo comum dentro de casa quando pai e mãe falam outro idioma. Com tudo pronto levei mamãe, titia e Marie para igreja e fui com Ivan até o prédio do velho cafofo ver como estavam as coisas por lá com Décio e meu Opala 77 quatro portas. Havia cedido o apartamento para Décio morar a pedido de minha mãe depois que ele foi obrigado a se aposentar dos serviços que prestava para família por causa da diabetes estar comprometendo a saúde dele. Ao chegar ao apartamento, o agora aposentado “ex-mordomo” de mamãe me recebeu com seu imutável sotaque de interior. Ele ficou conversando com Ivan sobre alguma coisa que apenas ambos entendiam enquanto eu checava o carro para dar uma volta com os dois. Como Décio estava doente visitá-lo junto de Ivan, com o qual ele já tinha uma velha amizade, deixou o pobre homem feliz. Logo saímos dar um pequeno passeio de Opala e Ivan se divertia com as brincadeiras de Décio e com aquele carro antigo que havia sido reformado por completo. Estacionei em frente da igreja e ficamos por ali mesmo degustando o chimarrão trazido a tira colo por Décio. Ao final da Missa embarquei todos no velho carango - fomos almoçar num restaurante como se fossemos uma família tradicional que preza uma boa refeição em família aos domingos.

Como prometido compramos bombons para Ivan que decidia conforme a sua vontade quem comeria cada bombom. Ele foi distribuindo para cada um dos presentes uma trufa, ficando apenas com um bombom. Isso fez ele se arrepender da decisão de doar seus chocolates e passou a pedir mais doces para ele. Após a divertida sobremesa deixei Décio e o Opala no cafofo e fomos para casa de Ágatha como era hábito da minha mãe e tia Charlô aos domingos para ouvir um pequeno recital de piano de Ing. Chegando lá elas estranharam o silêncio da casa, pois sempre Ing estava tocando piano nesse horário. A casa estava fechada e quando já estávamos de partida dali chega um táxi com Ágatha e Ingrid como passageiros. Ambas pareciam transtornadas e havia motivo para tal: Na saída do mercado sofreram uma batida e o carro de Ágatha teve que ser rebocado. Ficamos algum tempo ali debatendo sobre o ocorrido quando não havia mais nada a fazer por ali voltamos para o petit chateau Charlô. Aquela conversa na casa de Ágatha me fez prestar a atenção no modo como todas aquelas mulheres se relacionavam entre si. Parecia haver um código de união entre elas que tinha sido forjado pelas duas anciãs ao ponto das mais novas seguirem à risca os mesmos padrões de comportamento de ambas em algumas coisas. Não era à toa que Marie tinha mudado em certos comportamentos. Ela estava mais serena e muito menos impulsiva, ela tinha aprendido a como obedecer sem questionar as ordens dadas pela avó e tia Charlotte. Ordens e recomendações que na casa da mãe dela sempre foi algo que vez ou outra ocasionava atritos entre elas. Marie apesar de alguns deslizes naturais da idade dela estava se tornando mais responsável e controlada emocionalmente desde que passou a morar longe de sua mãe. Sem dúvida isso se devia ao estilo da minha mãe e titia lidarem com ela até certo ponto. Tanto Marie como Ingrid pareciam ter admiração pelas duas anciãs velhas de guerra.

O outro lado da moeda também era evidente: Minha mãe tinha muito mais paciência nessa fase da vida do que quando era mais jovem e impunha certas coisas aos filhos na base de rígidas condutas e regras mais pragmáticas. Agora ela fazia o mesmo que sempre vez, mas como se usasse uma espécie de soft power, o qual apenas a experiência e tempo parece conceder aos nossos pais em relação a vida. Para Ivan as falas vinham sempre carregadas de afagos, brincadeiras e uma vasta paciência tibetana, para Marie o tom era outro: Mamãe e tia Charlô sabiam fazer-se entender por meias palavras, olhares e expressões. Aquela linguagem delas em relação aos netos era algo parecia ser um idioma deles. Idioma o qual eu deveria também aprender assim que notei que aquilo tudo apenas existe entre pessoas que sabem conviver juntas mantendo uma relação de afeto e respeito dentro de certos valores.

Se comigo no passado minha mãe tinha sido durona e impositiva em muitas coisas, hoje ela fazia o mesmo em relação aos netos com métodos mais brandos e muito mais eficazes. De certa forma compreendi muita coisa que ela me disse no passado e os motivos dela para dizer e fazer certas coisas. Observar aquela cena me causou uma espécie de apreensão de elementos que não se aprendem através de lições de livros ou orientações de especialistas. Cada dia que passava estava aprendendo a como lidar com inúmeras coisas novas e antigas dessa aventura chamada vida adulta.

Não obstante disso, percebi que Ivan tinha uma certa predileção por Ágatha quando ela estava presente. Logo que ela saltou do táxi ele se aproximou dela e não desgrudou dela até irmos embora. Durante a conversa ele ficava rodeando Agatha como se fosse ela a mãe dele. Já em casa esse comportamento dele era dirigido em relação a minha mãe, e na falta dela ou tia Charlô ele sempre procurava por Marie. Parecia que o dom feminino de cuidar de crianças era de fato algo tão natural quanto o céu ser azul. Talvez ele estivesse procurando nelas a presença de Bia ou algo parecido. Ao menos para mim não havia uma explicação melhor do que esta naquele momento.

Passei o restante da tarde arquitetando planos e brincando com Ivan. Demos uma volta pelo terreno ainda vago que restava na propriedade. Aquilo era um grande quintal ao ar livre onde o vento batia forte e a grama crescia verde como se fosse um pasto. Enquanto Ivan corria de um lado para outro junto dos cachorros de estimação, percebi que a casa do vizinho estava vazia. Eles haviam se mudado. Saltei o pequeno muro que separava uma residência da outra e trouxe Ivan comigo para aquela invasão de domicílio. Ficamos andando pela propriedade alheia analisando a casa e suas dependências externas. Quando percebi o telefone tocando em casa saímos numa espécie de fuga da casa do vizinho para tentar atender o telefone que tocava sem parar sem êxito. Com certeza era Bia fazendo uma ligação como era costume dela naquele horário antes do jantar. Retornei a ligação e Ivan ficou alguns minutos com ela conversando alegremente. Depois ajudamos tia Charlotte a preparar uma refeição e quando Ivan pegou no sono depois do jantar saí visitar Flávia na casa dela. Chegando lá, ela estava com alguns amigos numa espécie de final de churrasco, o qual ela sequer fez menção ou questão de me convidar. Não fiquei chateado com aquilo, mas usei aquela situação para criar um bode expiatório para terminar com ela naquele mesmo dia.

Assim que os amigos dela partiram aproveitei o tempo duma garrafa de vinho para expor para ela que estava passando por um momento complicado devido a situação de Ivan e que provavelmente iria retornar para São Paulo em breve. Mesmo a minha intenção sendo ficar, esse foi o argumento que fez ela compreender que manter uma relação com ela a distância era algo que ambos não queriam. Ela ficou chateada, mas acabou aceitando a decisão. Demos um último abraço e voltei para casa descansar do dia cheio. Usar aquele argumento falso me daria espaço e tempo para ir em outra direção nos assuntos do coração. Como Ágatha estava se demonstrando cada vez mais disposta a ter uma nova história comigo, fazendo de tudo para deixar claro essa intenção através do seu comportamento e atitudes, não havia mais como resistir a idéia de ter algo sério com ela. Naquela mesma tarde havia percebido que se tomasse esse rumo muito dificilmente alguma coisa poderia dar errado entre nós. As possibilidades com Ágatha fazendo parte da minha vida em definitivo estavam ficando claras devido uma série de fatores: Já nos conhecíamos há muitos anos, tínhamos uma filha, isso por si só já fortalecia a idéia de retomar uma historia interrompida no passado por caprichos do destino. Do passado até agora poucas foram as ocasiões que nos encontrarmos de forma tão contínua como nesses últimos meses em Curitiba. Por outro lado, no dia anterior ela havia me enviado pelo celular uma música de Carly Simon da trilha sonora do filme “A Difícil Arte de Amar”, aquilo foi como uma espécie de confissão dela, que mesmo sabendo do meu jeito de ser, indicava que ela estaria disposta a dar uma grande chance para nós. Passei a madrugada de sábado para domingo com aquilo na cabeça ouvindo a música diversas vezes, visto que ela havia me enviado com a tradução. A idéia de apostar todas as fichas em Ágatha parecia a mais certa de todas e começou a tomar contornos a partir daquela canção. Ela sempre esteve dentro da família de certa forma, conhecia bem a vida que eu tinha levado até então e isso tudo corroborava com a decisão de apostar numa nova história com ela. Na manhã seguinte ao levar Marie para o colégio teria que dar carona para ela e Ingrid e aquilo era a chance ideal de aproximarmo-nos sem fazer nada como antigamente: às escondidas. O destino parecia ter reajustado nossas rotas e direções como se fossemos dois barcos que navegaram anos por mares diferentes até se encontrarem num mesmo porto.

Dormi com esse pensamento na cabeça e com o terreno já preparado para que as coisas entre nós pudessem ocorrer naturalmente sem forçar nada. Iria   deixar o tempo e proximidade fazer seu trabalho de cupido esperando para que tudo desse certo.  

sábado, 2 de agosto de 2014

A volta de babu ao lar

Pegar estrada em plena sexta-feira não era uma das melhores opções devido o movimento intenso das rodovias. Porém o excesso de bagagem seria o fator determinante para pegar estrada e não um vôo. Assim, estava disposto a encarar horas e horas de estrada até Curitiba com uma breve parada em Sorocaba visitar o velho libanês. Poderia ser uma visita não muito amistosa, visto que ele andava possesso de raiva com um processo da minha irmã em face dele, o qual depois de anos de lentidão na tramitação estava chegando ao fim com a perda da causa para ele. Pior ainda era ter sido eu o advogado dela naquele tempo.     


Ágatha, Marie e Ing chegaram no meio da manhã de Maceió, depois de semanas de ar puro e sol. Estavam bronzeadas e falantes sem dar trégua para meus ouvidos. A quantidade triplicada de palavrório feminino desenfreado parecia ser um meio de me deixar acordado, visto que tinha despertado em cima da hora naquele dia e me atrasado para buscar elas no aeroporto. Marie parecia mais calma, talvez com algum resfriado, era a que a menos falava e toda hora puxava um lencinho de papel. Ingrid como sempre reservada, mas ainda assim falante, já a mãe dela estava num estado em que as palavras e gestos não pareciam ser suficientes para contar os eventos da viagem. Chegou falando e gesticulando desde o desembarque de São Paulo até Curitiba. Depois dum almoço com elas no apartamento pegamos a estrada destino Sorocaba. A presença delas retirou totalmente a minha tensão dos últimos dias. Ademais, Ágatha continuava insinuante e esse comportamento dela estava começando a surtir efeito sobre mim. Depois duma lasanha feita às pressas pegamos a estrada rumo a Sorocaba.


Chegando em Sorocaba, no rancho do velho libanês, lá estava ele dedicando-se ao que era agora sua família. Estava no estábulo encilhando um de seus cavalos favoritos: Um belo alazão quarto de milha de crina negra. Assim que me viu entortou a boca, tentou disfarçar não estar irritado tanto com a intromissão quanto a visita surpresa. Marie apareceu logo em seguida e conseguiu quebrar o gelo do velhote, que logo nos convidou para um suco na varanda da casa. O tropeiro libanês ficou entretido com as meninas e nos papos delas sobre o nordeste, visto que ele também era um fã de praias nordestinas. Quebrado o gelo de velho, apresentamos a “nova neta” para ele. Foi outra surpresa para ele, isso fez o velho ficar tomado de certa perplexidade, mas depois das explicações pertinentes ao caso ele compreendeu, e ainda fez piada do fato dizendo cochichado no meu ouvido: “Sua mãe sempre dizia eu era o sem vergonha, mas você me superou Al” bateu no meu ombro e foi pegar mais uma jarra de limonada com hortelã. No retorno a varanda fez elogios abertos à beleza da neta dizendo que tinha puxada a mãe que segundo ele era um exemplar da beleza alemã digno de aplausos. Não era novidade ele fazer isso visto que tinha morado em Koln na Alemanha e sempre falava das belas alemãs do seu tempo de juventude. Parecia que a tensão e desagrado inicial dele havia passado totalmente. O motivo daquela visita era justamente esse, fazer as devidas apresentações da “nova neta” ao avô resmungão. Ágatha fazia questão disso e resolvi atender a esse pedido dela aproveitando a oportunidade da viagem visto que o velhote era ex patrão do falecido pai de Ágatha na época que ele ainda tinha vigor para tocar fazendas. Passado esse momento família, no qual ele ainda presenteou Ágatha com tapetes marroquinos, e doces árabes para todos, e ainda prometeu para as meninas cavalos numa ocasião oportuna. Com isso feito, retornamos as pistas deixando o velho libanês com um copo de limonada na mão e seu chapéu de cowboy comendo poeira dando tchauzinho.     


Chegando em Curitiba fomos recepcionados por tia Charlotte e seu cãozinho yorkshire. Como sempre ela estava com um largo sorriso no rosto e beijoqueira. Logo nos conduziu para um jantar ainda mais falante com Ágatha dando as pautas da conversa à mesa. O pequeno italianinho Ivan estava grudado mais com sua avó francesa do que com Bia que estava apesar de serena ainda aparentando tristeza. Durante a viagem sequer toquei no assunto de Ivan e Bia com as meninas, pois não houve uma brecha no papo delas que se resumia a viagem, sapatos, bolsas e fofocas. Terminado o jantar, seria a ocasião de conversar com Bia, tendo mamãe e tia Charlô como testemunhas. Minha mãe conduziu Bia até o seu gabinete de mãos dadas com ela, enquanto isso as meninas faziam às vezes de baby sitter do sonolento Ivan num quarto improvisado para ele. No meio daquelas prateleiras de livros tia Charlô deu abertura na conversa como se fosse uma mestre de cerimônias expert em suavizar o clima com alguma frase de efeito de bom gosto. Bia contou toda sua situação com detalhes, chorou e se emocionou por ter tomado a decisão de deixar Ivan conosco. Disse ainda que no dia seguinte iria para casa tentar retomar sua vida duma forma mais centrada e amena. Isso se resumia a ela voltar a cuidar dos seus próprios negócios e levar o tratamento a sério duma forma que evitasse recaídas. Somente o tempo nos daria respostas. Mais uma vez nos abraçamos e mamãe e tia Charlô muito afetuosas com ela subiram com ela para o quarto de Ivan.


Ante aquilo o meu coração palpitava duma certa dose de alívio misturada com amargura. Ver Bia naquele estado tomando decisões tão duras consigo mesma para finalmente sair daquela fase de trevas em sua vida me deixava mexido. Minha mãe, durante a conversa, fez questão de me dar uma série de conselhos, pois até aquele momento ainda tinha em mente levar o garoto para São Paulo nos próximos dias e cuidar dele sozinho naquele apartamento, ao menos até Bia reagir a tudo de forma adequada. Todavia, essa minha idéia ou decisão iria se sustentar por pouco tempo...


Voltar para casa da velha francesa ante uma situação tão aterradora como essa – testemunhar uma pessoa que ama deixar seu filho para zelar da própria sanidade – fazia daquela cópia de chateau um lugar que pedia para que permanecesse por lá desde o primeiro instante que pisei ali naquele dia e avistei aquele yorkshire atrevido... Na manhã seguinte, depois do café e despedida de Bia, subi as escadas da minha morada ao lado do chateau, abri as portas dos meus aposentos, aquele leve odor de poeira me fez espirrar. Descerrei cortinas e janelas em procura de luz e ar puro... Olhei para jardim lá estava Ágatha ao sol com Ivan nos braços como se fossem velhos conhecidos e as meninas também estavam próximas tirando fotos com seus celulares. Elas tomaram conhecimento da situação através de Tia Charlô e de minha mãe naquela mesma manhã. Ágatha com seu jeito meigo e despojado tratava Ivan como se fosse seu filho encostando seu rosto no dele arrancando sorrisos do menino. Ele pediu para sair dos braços dela e foi brincar com as meninas no jardim da casa correndo na direção do cãozinho de tia Charlô que estava ali como outro vigia da cena. Olhei para aquela cena com certa emoção e nó na garganta. Tentado a imaginar que se amasse Ágatha tudo poderia ser diferente na minha vida, pensei que poderia corresponder às sutis insinuações dela e escrever um novo capítulo na nossa história, porém, não era isso que desejava naquela altura dos acontecimentos. Isso foi somente um pensamento que às vezes me vinha à mente como se fosse um chamado ou uma espécie de intuição. Certamente muitos endossariam uma relacionamento entre nós, em especial as meninas. Mas naquele momento espionando do alto da janela meu filho junto de Ágatha e as meninas recordei duma frase que havia lido no dia anterior: "Dentre os mortais, felizes são aqueles que menos coisas carecem".



No entanto, não havia filosofia que me dessem respostas naquela hora. Não era da minha natureza ser como Diógenes que fez de si mesmo uma obra viva de controle de suas paixões e autossuficiência.  Lembrei ainda de onde havia aprendido isso: Tempos atrás nos bancos da Universidade de Coimbra, numa aula de economia ou filosofia. Naquele tempo, sim, eu também era outro, e também sofria por outro motivo. Daquele tempo o que me restava hoje eram lembranças e aprendizados, pois quando fui para Portugal também deixei aqui em algum lugar sepultada as minhas dores e sonhos. Da trágica partida de Camila havia restado apenas isso: lembranças e sonhos perdidos transformados em dor. Sonhos que reencontrei nos braços de Bia por um curto espaço de tempo.


Como uma recordação atrai outra à memória, não tinha como despistar a mente das lembranças do passado remoto se repetindo no passado recente. Tal como Aline perdeu um filho, Camila naquele acidente perdeu outro. Quem estava a salvo naquele dia mortal não era o meu filho, o nosso filho; era Felipe que havia ficado com sua tia em casa. Essas lembranças me fizeram repensar em tudo duma nova perspectiva. Agora na minha vida estava presente Ingrid que até pouco tempo atrás era apenas a filha duma amiga, com a qual tinha tido um caso passageiro no passado. Mesmo assim,  algo sempre me dizia que ela era minha filha. Agora ali, ao sol nos braços da mãe dessa filha, meu filho caçula, o qual nem sabia o que estava acontecendo. Desde tão pequeno mesmo sem saber o que se passava dependia não de sua mãe, mas dum pai que não sabia por onde começar...    


Naquele momento algo mudou em mim ao pensar em tudo isso. Uma perturbadora conversão de valores, idéias e planos tomou conta do meu ser. Parei estático naquela janela puxei um cigarro do bolso, e comecei a colocar as idéias e planos num ponto de reflexão que levassem em consideração o que seria o mais sensato a fazer diante dos fatos. O desfecho inesperado dos acontecimentos tinha me bombardeado com uma carga de consciência da qual não havia fuga, pois à medida que tudo estava acontecendo tão rápido o que havia em mim de dores e cicatrizes do passado, bem como todos os acertos, duma hora para outra naquele minuto se transformou numa lente para uma nova visão da vida. 


Racionalizando isso a tese que obtive ao dar dois passos da janela e ao olhar meu rosto num espelho foi de que tudo que passa pela consciência de nossos atos e feitos. Nossas alegrias e tristezas, memórias, temores, amores e esperanças, senso de identidade, prazeres e liberdade e modo de agir no mundo - tudo isso sem exceção – passa pelo crivo da nossa consciência. Não longe disso, um dia ou outro como uma prestação de contas a si mesmo da qual não se pode fugir temos que avaliar nossas escolhas para o futuro e evitar cometer muitos dos erros cometidos no passado. Eis que novamente a filosofia daqueles gregos antigos, dum passado remoto aprendida mais por status do que por sede de saber agora fazia sentido: "Dentre os mortais, felizes são aqueles que menos coisas carecem".


Resolvi permanecer em Curitiba. Todo aquele ambiente seria o ideal tanto para mim como para o pequeno italianinho. Simplificar as coisas para obter melhores resultados seria uma lição dos negócios aplicada á vida pessoal. Aprender como conviver fora dos meus padrões de impulsos por affairs, dar espaço e tempo para um sujeito que deixa a sua essência de cafa de lado em prol duma vida que preza coisas mais concretas era uma outra missão. Ter visitado meu pai tinha me ajudado a pensar nisso, pois ele passou anos falhando com filhos e esposa. Agora no entardecer de sua vida parecia ter apenas lhe restado seus cavalos como companhia e amargas disputas sobre bens. Definitivamente não queria isso para mim também, mas como havia puxado muito desse temperamento insaciável dele por rabos de saia e sempre por querer ter mais e mais; percebi que a rota em que estava era a mesma da qual ele nunca quis se desviar...


De repente ouço Ivan me chamando pelo apelido que ele e Bia tinham me batizado quando ele estava começando a aprender a falar: “Babu”. Bia sempre me chamava de barbudo, por sua vez ele sem saber falar direito dizia “babudo”. Bia ainda fez questão de diminuir o modo que ele pronunciava e logo passou a ser “babu” o modo que ele sempre se dirigia a mim. Raramente era papai ou pai, porém babu sempre soava doce aos ouvidos e dava margem para contar essa mesma história para terceiros. Avistei o pequeno tentando superar os primeiros degraus da escadaria e desci ao encontro dele carregando ele pela roupa numa brincadeira que ele dava risada. Sentei com ele no colo numa poltrona e ele foi direito ao assunto: "Vou ficar com você e vovó pra mamãe trabalhar?"


- Vai sim, mas ela volta rapidinho, então quero que você seja esperto e não fique bravo com a mamãe ter ido trabalhar tá bom? Ivan concordou com a cabeça e disparou um interrogatório sobre o paradeiro do cãozinho de tia Charlô pelo qual ele procurava. Fui procurar junto dele o cão e o encontramos no seu cesto. Para Ivan aquilo foi uma imensa alegria. Ele tentou abraçar o cachorro que fugiu dele novamente. Passamos o restante da manhã brincando e conversando sobre os assuntos que ele pautava. Ele parecia contente com o espaço e atenção de todos e isso parecia ser um bom sinal. Ivan estava mais tranqüilo, sem choros por qualquer motivo e bem mais ativo, coisas que na companhia de Bia pareciam ser diferentes. Durante o almoço ele grudou mais uma vez na avô e almoçou ao lado dela aprendendo lições de boa mesa transmitidas pela paciente avô coruja, regras as quais ele tentava seguir na medida do possível. Depois do almoço ele despencou num cochilo no quarto de Marie junto dela. Quando acordaram fomos buscar Ing para irmos juntos ao golf club dar um passeio de final da tarde.


Enquanto Ivan brincava com outras crianças aproveitei a ocasião para conversar com as duas sobre a situação do Ivan e sobre o futuro delas. Marie estava decidida a estudar moda e Ingrid estava indecisa entre continuar estudando piano num nível mais elevado ou tentar ingressar no curso de medicina ou psicologia. Ainda havia muito tempo para elas se prepararem, mas era bom saber o que elas planejavam para si mesmas e como as mães delas encaravam aquilo. Parecia que tudo estava sob controle. Ingrid estava mais solta comigo, quanto a Marie ainda precisava ter uma conversa sobre a displicência dela nos estudos e certos namoricos que segundo as duas velhas senhoras responsáveis pela estadia dela em Curitiba estava a “levando para o mal caminho”. Para mim o jeito de Marie não era surpresa, ela tinha puxado ao pai e ao avô. Tinha um senso de liberdade igual ao meu e uma personalidade sempre disposta a driblar as opiniões e imposições de comportamentos seja de quem fosse. Apesar de não repudiar ela pelos ditos namoricos, precisava colocar ela dentro dum senso de responsabilidade maior com os estudos tendo em vista os planos dela.


Deixei para abordar isso isoladamente depois que deixamos Ingrid na casa dela. No começo da conversa Marie, como a mãe dela, reagiu intempestivamente as minhas colocações, mas depois cedeu a razão e compreendeu que precisava se ajustar em certas coisas. Revelei apenas para ela que iria permanecer em Curitiba e a convidei para ser uma minha office girl depois do colégio. Ela hesitou um pouco em aceitar devido a vida mansa dela ser mais agradável do que responsabilidades, mas ao final acabou aceitando devido as vantagens que prometi dar a ela se cumprisse nosso acordo de estudos e trabalho. No fundo era apenas aumentar a mesada dela e permitir que ela ao invés de voltar para a casa da mãe permanecesse em Curitiba longe do controle restritivo da mãe em todos os sentidos. A proposta era irrecusável dentro dos padrões que ela queria levar a vida dela naquele momento. Como sempre uma boa conversa persuasiva e uma boa proposta tinha dado certo como nos negócios.

Em casa, seguimos a agenda da noite: jantar em família e depois embalar Ivan no sono narrando para ele um pouco das aventuras de Michel Strogoff como minha mãe vinha fazendo desde que ele chegou em Curitiba. A história era a mesma que fora contada para meu irmão Michel – o qual tinha escolhido o livro por achar que se tratava dele – e também para mim na infância por oportunidade da mesma ocasião: a hora de dormir. Aquilo parecia que iria se tornar uma tradição definitiva na família, pois já era a terceira geração que ouvia aquela mesma história na hora de dormir.  


Quando o pequeno finalmente adormeceu, resolvi dar um passeio com Flávia numa chopperia da cidade à convite dela. Retornei não muito tarde sem ainda descobrir mais dos encantos dela. Assim que cheguei, logo em seguida Marie chegou também com seu suposto namorado. Ela ficou de papo com ele na frente da réplica de chateau. Entre uma beijoca e outra fiquei observando de longe como um espião até onde iria a mão boba do rapaz que pelo visto era mais velho que ela. Quando notei que as boas intenções do rapaz já eram outras saí na varanda do meu loft e acendi um belo charuto dando uma sonora tosse. Aquilo serviu para o moleque moderar seus modos e deixar Marie constrangida. Pegos de surpresa por um velho conhecedor das artimanhas desse tipo de conduta juvenil não tiveram outra opção senão ficar conversando até se despedirem. Enquanto isso, eu fiquei fazendo minhas coisas. Dormi rindo daquela inesperada situação me sentindo um pai zeloso pela castidade da filha. O fato é que ser um pai careta era algo que não combinava nem um pouco comigo. Depois disso dormi com a sensação de dever cumprido naquele dia.