sábado, 18 de abril de 2015

A rainha das secretárias

Adoro o mês de abril no calendário de trabalho da empresa. Apesar de ser cansativo devido à rotina puxada com maratonas de reuniões preliminares pré-assembléia de acionistas e eventos empresariais ou algumas visitas comerciais, o clima interno com corredores movimentados, conversas amistosas e piadas; além dos jantares e happy hours conjuntos pós expediente que possibilitam reencontros com parceiros nos negócios dão um toque especial nessa rotina.   


Acordei naquela segunda-feira animado para uma semana que teria acontecimentos totalmente inesperados. Logo de manhãzinha depois do rito banho-barba-cabelo-bigode resolvi usar um básico terno negro com camisa branca para o primeiro dia de maratona no escritório. Antes de chegar ao escritório o primeiro compromisso do dia seria tomar o desjejum com Vera, minha amiga psicanalista. Não era uma sessão de terapia no breakfast, mas sim um conversa matinal que era o nosso momento a dois platônico, por ela ser casada e eu o amigo mais jovem que parecia retirar ela do seu mundinho matrimonial tedioso sem a necessidade de ser propriamente um caso. Pontualmente as oito da manhã chegamos juntinhos nos cumprimentando com um toque de buzina no estacionamento e um aceno e sorriso. Em particular naquela manhã Vera tinha caprichado no visual: o tom de loiro escuro aliado a um corte moderno, a maquiagem leve que realçava o contorno dos olhos de esmeralda, as maçãs do rosto e boca carnuda com aquele leve toque de rouge. Quando ela saiu do carro seu corpinho longilíneo era o cabide perfeito para o tailler preto e branco.


Contemplar mulheres que deixam se levar pela vaidade sempre foi um dos meus hobbys preferidos. Todas as mulheres da minha vida não são mulheres na maioria dos casos top-models, mas todas elas detinham à sua maneira um glamour tanto na aparência quanto no estilo que as tornava peças raras em meio a outras mulheres que preferem apenas ficar no básico do básico dos cuidados com a vaidade e aparência. Em casa, nos passeios e festas ou até mesmo no trabalho cada uma delas sabia tornar um reles terninho de trabalho ou moleton caseiro batido por anos numa bela fotografia duma mulher que exala feminilidade. Essa é a beleza que transcende roupas caras ou uma simples camiseta de jeans. Cada uma possuía um estilo que tornava cada modelito de acordo com seus traços físicos numa atração aos meus olhos. Cada uma delas, ao seu modo, sabia valorizar adequadamente seu corpo e rosto, o pecado delas ficava invariavelmente no lidar com suas próprias emoções. Eis aí talvez o dilema hegeliano da aparência.






Desci do meu carro caminhei em direção a Vera questionando onde iríamos cantar devido estarmos formando um par com cores idênticas ela sorriu e ficou paradinha como uma estátua que parecia saber que estava sendo comida pelos meus olhos. Era esse tipo de coisa que ela confessava que o seu marido não fazia mais em relação a sua bela esposa. Ao aproximar-se ela me deu bom dia, e eu lhe dei um “como você está cheirosa” e colando a palma das mãos na parte inferior de suas costas quase na cintura a conduzi para dentro da cafeteria que era nosso point de encontro de algumas manhãs regadas a café ou suco de laranja e boas conversas sobre acontecimentos cotidianos. Sentamos lado a lado na mesa de sempre, um lugar menos visível onde ficávamos mais a vontade. (Sentar na vitrine é para os amadores) Contei sobre minhas viagens recentes e alguma coisa passageira sobre Agatha. Nesse ponto Vera se diferenciava de muitas outras: ela talvez por dever de ofício sabia escutar cada detalhe do que lhe dizia sem interromper ou trocar de assunto, quando intervinha com sua voz firme e postada ela fazia comentários rápidos de deixava que o seu interlocutor terminasse o que tinha a dizer somente para depois tomar a palavra. Isso numa mulher é sinônimo de elegância, as falastronas imoderadas, sempre irritam e deixam os homens sem ouvir o que elas tem a dizer devido a esse comportamento feminino desajustado. Algumas mulheres na certa não detém essa facilidade de conter-se numa conversa, muitas atravessam frases alheias com quem quer que seja e tomam conta do enredo da conversa trocando de assuntos, cambiando entre comentários e informações inúteis. No quesito conversar Vera era a mestra das conversas agradáveis e produtivas devido a esse modus operandi de saber quando ouvir e quando falar.



Após o desjejum e conversa ela colocou seus óculos de sol me deu mais um sorriso e disse: Amanhã no mesmo bat horário e bat local? Aquele jeito de falar como seu eu fosse uma criança em certos momentos e ajeitar o meu cabelo antes de arrematar a despedida com um beijo no rosto, tornava o jeito sóbrio e bondoso duma psicanalista com o casamento falido numa coisa ainda mais surreal para certo padrões de mulheres na mesma condição. Naturalmente que muitas mulheres depois de anos casada e habituada a conviver com o mesmo homem, perdem o jeito de lidar com outros homens, ainda mais os galanteadores. Elas se fecham em torno da vida familiar e constroem a vida em torno daquilo como se mais nada existisse em muitos casos. Parecia ser esse o pano de fundo que explicava Vera, aquela típica boa esposa que tudo faz e suporta pelo sucesso da família, a qual apesar disso, nunca foi reconhecida pelos sacrifícios pessoais. A Vera de antes - quando a conheci - parecia uma mulher cansada e abandonada a própria sorte, e isso se refletia no modo como se vestia e cuidava de si mesma. No começo ela esboçava temores sentia-se aflita em abrir-se, isso para uma psicanalista parecia um tanto contraditório, mas aos poucos confiando na nossa amizade ela passou a se soltar e aos poucos passou a falar sobre si mesma, deixou de lado desde um corte de cabelo convencional e roupas iguais umas as outras de lado e passou a investir mais no seu lado mulher. Ela parecia sempre grata e feliz quando estava comigo, aquilo para mim era sensacional, pois sem haver algo entre nós em outros teores, tudo transcorria de formidavelmente numa pura e profunda amizade tenaz entre homem e mulher.          


Chegando ao trabalho, fui cumprir a minha rotina de quase todas as manhãs. A começar pela liturgia sagrada da secretária. Sempre que chego ao escritório o primeiro briefing diário sempre é com a secretária. Pode ser o Papa a estar na antesala de recepções, o privilégio de ser recebida antes de todos para uma reunião de pauta diária é sempre da secretária. Mais uma vez estava diante duma loira, dessa vez de cabelo mais claro, rosto branco quase pálido e olhinhos claros meio tristonhos com um ar de pureza ou conformação. Esse é o rosto de Daniele a minha assistente de Curitiba. Entretanto, o jeito tranqüilo, quase parando dela, a voz suave baixa, parecia contrapor ao corpão de pernas longas, costas largas e mãos macias grandes sempre ornado com aquele relógio pequenino no pulso e um anel dourado. Dani era sem dúvida a contraposição do estilo com as suas proporções e isso me agradava nela. As roupas sempre em tons clarinhos, pele clara, olhos claros, jeito de falar macio e pausado, ela era uma espécie de anjinha no corpão duma mulher alta e esguia. Sempre ficava apreciando o jeito dela se sentar na ponta da almofada do sofá da minha sala com joelhinhos juntinhos deixando sempre a canela e panturrilha alvas a mostra como se fosse um docinho à vista para um garoto guloso.



Até então naquela manhã tinha encontrado com duas mulheres calmas e serenas, cada qual ao seu modo com seus dilemas, pois uma era casada e outra uma jovem viúva, ambas pareciam ter renunciado ao amor depois disso de certa forma. Com base nisso, sempre que estavam em minha presença eu me deliciava em fazê-las furtarem-se desse jeito delicado e tão conservador de se comportar. Era uma espécie de brincadeira ou reverência da minha parte em relação a elas. Adorava ver elas corarem com certas coisas que dizia em tom de provocação. Nenhuma delas me acusava de assédio, pareciam gostar daquelas provocações com frases ou comentários sobre alguma coisa em relação a elas. Assim que Dani se ausentou da sala, recebi meu primo, o qual estava contratando para me assessorar em agrobusiness. A primeira coisa que ele fez ao entrar na minha sala foi indagar se a secretária era casada. Em resposta disse que mesmo que não fosse casada eu nutria grandes ciúmes pelas minhas secretárias e não seria um canalha como ele quem iria se dar bem com alguma delas.



Em seguida a esta reunião com ele segui para um dia de debates sobre regras de compliance e governança corporativa. O cheiro de cafezinho já tomava conta dos corredores. Na sala de reuniões lá estavam sócios e dirigentes do alto escalão empresa e para minha surpresa Aline, a qual não esperava rever tão cedo. Aline estava presente por questões óbvias, mas o efeito surpresa de encontrá-la ali mexeu comigo. Como estava posicionado num extremo da mesa, na cabeceira, e ela na outra ponta a comunicação verbal com ela era inviável, mas a comunicação visual entre nós foi a grande pauta daquelas reuniões da manhã. No primeiro momento que a vi, ela estava compenetrada em seu lap-top, cumprimentei cada membro presente na sala fazendo um giro pela mesa e quando me aproximei dela disse que não esperava pela grata surpresa. Aline ajeitou sua franja que escondia seu olhar de chocolate realçado por sobrancelhas arqueadas sorriu e disse com seu típico sotaque nordestino: “Foi de última hora”. Logo em seguida a sessão de tapinhas nas costas, a reunião começou para valer, fiquei nos primeiros momentos tentando disfarçar e evitando olhar na direção dela, para não evidenciar ainda mais a minha surpresa com a presença dela. Aos poucos entre um tema e outro, Aline se levantou para pegar um documento, ao retornar veio com cópias impressas, fui o primeiro a receber das mãos dela aquele papel. Nesse momento percebi que ela não tinha perdido comigo um nuance do seu comportamento comum nessas reuniões. Como sempre fora, ela deixava o papel na minha frente e prestava uma explicação rápida sobre o que se tratava o assunto ao pé do ouvido. Dessa vez ela foi tão intensa quanto antes nesse quesito, quando colocou o papel ao meu lado, ela ainda pousou sua mão e braço cheio de pulseiras nos meus ombros e explicou como sempre fez a temática em pauta. Nesse exato momento o clima entre nós passou a ficar como nos velhos tempos, com a diferença que ela sentava desta vez do outro lado da mesa e não ao lado da cabeceira. Estava aberta a sessão de trocas de olhares durante o restante da pauta. Passamos horas sem dizer uma palavra diretamente um ao outro, mas nos comunicávamos com olhares e expressões faciais tentando manter ao máximo a discrição sem o menor sucesso.


Durante o almoço, minha irmã estava ao meu lado na mesa do restaurante, e resolveu me alfinetar sobre as trocas de olhar com Aline. O tom dela era de reprovação como sempre. Dizia que eu tinha acabado de terminar um noivado e já estava correndo para os braços da ex-amante. Desabotoei o botão do meu paletó, deslizei uma das mãos das bochechas até o meu queixo, encarei ela com um olhar de “vá se foder” e mandei ela cuidar da vida dela, recordando que o fato de ambas estarem ali era profissional e não pessoal. Isso a irritou, e deixou o prato de salada dela temperado com o veneno contido que escorria pelo canto da boca dela. Como o clima entre eu e minha irmã estava meio conturbado desde a viagem à França, devido uma decisão arbitrária da nossa mãe em torná-la minha vizinha sem me consultar, a coisa tendia a ficar mais acalorada devido o gênio de cão de Agnes. Todavia a nossa guerrinha pessoal não parou por ali, foi só mais uma batalha. No retorno ao escritório, mais precisamente ao conclave empresarial na sala de reuniões, a parte da tarde se destinava a parte jurídica da ordem do dia. Essa foi a deixa perfeita para irritar ainda mais Agnes e colocá-la no seu devido lugar por assim dizer. Pedi para ela trocar de lugar com Aline devido ser uma reunião sobre assuntos jurídicos e como Aline é advogada e ela administradora precisaria trocar figurinhas com ela durante a reunião. Agnes me olhou com uma faceta de Dilma Rousseff com raiva, disse um “tudo bem” meio bufando, levantou-se com seus pertencentes, e mudou de lugar como se sentisse rebaixada no quadro funcional da empresa. Dessa vez passaria o resto da reunião recebendo olhares mordazes com advindos da outra extremidade da mesa. 




Por outro lado, Aline parecia compreender perfeitamente os meus gestos diplomáticos em relação a ela. Em São Paulo tinha me esquivado de falar diretamente com ela, me comportado com frieza em relação ao retorno dela para a empresa. Naquele dia em Sampa queria deixar claro que era uma decisão profissional sem razões pessoais. Mas a quem eu queria enganar não é mesmo? Ao revê-la em Curitiba minhas máscaras caíram. Pela manhã antes de cumprimentar a todos, fiquei parado observado aquela moça de rosto de traços finos, olhar penetrante emoldurado por uma escova com cachos longos concentrada no lap-top. Quando ela se deu conta que eu estava ali feito bobo, observando ela, eis que ela solta um dos seus gestos clássicos de cumprimentar mexendo os dedos com um sorrir de menina nos lábios. Aquilo derreteu o meu gelo por ela imediatamente e tornou-se um aquecimento global dentro mim. Pela tarde, quando ela se transferia dum lugar da mesa para outro, lá veio ela com suas pulseiras chacoalhando no braço, fiz questão de fazer a velha pergunta de sempre: “Por que você usa tantas pulseiras?” – ela em resposta: “Você sabe que gosto de pulseiras”. Sim, ela disse “você sabe”, não disse nada além disso. Ela sabia o quanto eu sabia sobre o hábito dela usar milhares pulseiras nos braços. Quando fazíamos amor, essas mesmas pulseiras balançavam com o movimento de nossos corpos. Aline tinha o hábito de ficar nua apenas com suas jóias, seja o monte de pulseiras, colares, brincos, anéis, esses ficavam sempre intocados ao despir-se. Era a marca registrada dela viver empilhada de jóias. Somente no banho que retirava seus acessórios e logo em seguida os colocava como se sentisse despida sem correntes, brincos e pulseiras. As pulseiras são o top do visual dela, pois Aline sem pulseiras não é Aline. Os sapatos de salto alto são outro vício dela. Dizer que ela tem centenas de sapatos não é exagero é o fiel retrato duma mulher que depois duma manhã de amor, saia para fazer compras no shopping e voltava cheia de sacolas com o mesmo sorriso de prazer como se tivesse acabado de ter um orgasmo.




Possuir esse nível de intimidade com as mulheres, ao ponto de conhecer seu modo de ser em coisas simples e respeitar seu jeito de ser em tudo, sem as tolher nesse aspecto é uma das chaves mestras para que elas se sintam sempre felizes ao lado dum homem por um longo período de tempo. Eis o aprendizado de longo prazo: Quando era casado com Valéria, uma moça mimada e mãe de primeira viagem, a vida nesse sentido era infernal. Ela não respeitava o meu modo de ser e eu odiava o temperamento infantil dela. Vivíamos em pé de guerra com brigas constantes. Um pouco mais adiante na vida convivendo com Regina durante a gravidez dela, foi quando aprendi a ser mais paciente e delicado com algumas coisas que poderiam gerar atritos. Essa mesma paciência se esgotaria mais tarde no casamento com Bia. Após meses e meses de desentendimentos e silêncios em face das reclamações sem sentido dela, a coisa desmoronou totalmente devido não haver mais paciência em lidar com estado depressivo dela sem explodir com ela a cada instante ou encher a cara de bebida. A expressão:“Para se conhecer uma pessoa é necessário comer um saco de sal com ela” é real e ilustra bem esses episódios. Dessa vez Agatha era quem havia esgotado minha paciência com ela. Por mais que soubesse do temperamento difícil dela desde sempre, mesmo sabendo que o nível de ciúmes dela seria doentio, que ela seria controladora eu apostaria all in no lado inverso da moeda. O lado afetivo e doce que sabia integrar pessoas ao seu lado era ao mesmo tempo o lado que atraia e afastava as pessoas dela. Nesse cara e coroa, apostei na gangorra que é temperamento e personalidade de Agatha e paguei o preço do erro de cálculo e excesso de condescendência. Nunca tentei domar ou retificar esse céu e inferno que ela tem o dom de transformar tudo. Achava, ingenuamente, que o tempo seria um antídoto para a natureza montanha russa dela, porém estava equivocado, havia tornado a aposta realizada num prejuízo irreversível.




Com Aline, também havia atravessado a fase de surtos dela, por mais desapegada que ela fosse de certos padrões, tais como possessividade, ciúmes, insegurança, houve um momento em que as expectativas dela em relação a nós dois mudou e surgiu como um vulcão em erupção esses quesitos nela duma forma um tanto sombria até mesmo. Ela parecia obstinada a ser a mulher pela qual eu me renderia para toda uma vida. Ela apostava alto nessa concepção que teríamos um casamento, um filho, uma família adequada às ambições dela. Se nos casássemos ela compreendia que seriamos imbatíveis, destinados aos mais elevados postos da carreira, até mesmo da vida pública. Ela sonhava com isso com passionalidade crendo que ela seria a única dentre tantas outras. Nesse ponto, ela tinha um admirador incondicional, meu pai. Ele que sempre me incentivou sem sucesso para trilhar uma carreira política enxergava em Aline a esposa perfeita com os planos iguais ao dele. Queria que realizasse a obra prima dele como king maker. Por vezes me senti seduzido pelos planos dele e de Aline que eram idênticos nesse sentido, mas nunca me senti totalmente disposto a trilhar uma vida onde as aparências e luta diária por influência social seriam a alma do negócio. Preferia deixar os meus dotes nesse sentido reservados para os meus afazeres profissionais e pessoais sem ingressar nesse universo. Tudo aquilo do mundo da política que tinha visto com meu pai anteriormente soava como oposto a muitas coisas que prezava, como uma vida longe de pessoas interessadas e viciadas em poder e gloria sem a menor razão de ser.







Quando Aline perdeu o bebê, ela ainda nutria esses planos, mas a forma que ela tinha passado a impor isso se tornou um tanto obsessiva ou demagógica. Rompemos devido ela querer realizar algo que certamente iria nos destruir mais a frente. Ela não estava disposta a medir atos e consequencias, por isso ficou grávida, optou por fazer grandes planos futuros sem o consentimento alheio de muita gente ao seu redor. Traiu amizades, fez o diabo para conseguir abrir caminhos naquele universo, e só recuou quando esse excesso de sacrifício se viu fadado ao primeiro insucesso. Quando ela teve um choque de realidade ficou péssima, resolveu afastar-se, desaparecer, porém agora voltava com o brilho de antes, daquela menina audaz e alegre que cativa qualquer pessoa. Restava saber se ainda existia nela o ímpeto e obstinação por seguir esses planos, sem dúvida ela não larga o osso facilmente. Em outra medida, aquela moça de sorriso fácil e jeito extrovertido tinha sido totalmente restaurada após a decepção da perda do bebê. Um ano ou mais tinha se passado desde então. Da minha parte, sentia pena dela em certos momentos, uma espécie de angústia por ela não ter aquele bebê que poderia torná-la mais amena e menos dócil às suas ambições exorbitantes.



Muitas vezes queremos cercar as pessoas de carinho, afeto e proteção, porém ocorrem tempestades perfeitas por inúmeros fatores que não terminam em arco-íris ao final de tudo. Parece haver uma convenção opinativa a respeito das mulheres que negam ou adiam a maternidade, seja por vontade própria ou acaso do destino, todas elas são vistas como se lhes faltasse algo na vida. Um exemplo disso era a juíza vizinha de apartamento, ela parecia fugir da maternidade, tudo no comportamento  e palavras dela nesse sentido levava a crer que ser mãe seria um empecilho para sua carreira e planos. Ao contrário seria Aline, talvez por ter sido criada numa família tradicional e linhagem conservadora, acreditava que seria através da família como uma entidade de aliados o meio pelo qual ela teria energia, forças e cumplicidade para atingir seus objetivos. Em certo sentido ela detém razão, pois sem um porto seguro que nos proteja das tais tempestades perfeitas que nos atingem não há como passar ileso por certos acontecimentos. Entretanto, isso não se convenciona numa regra geral de uso comum. Ora quantas vezes pessoas sem esse aparato familiar ou até mesmo distanciados de familiares lutaram e alcançaram seus planos. Essa dinâmica de concepções me levava a acreditar que Aline ainda nutria suas ambições anteriores e que ela ainda enxergava em mim – e isso é algo recíproco em nossa relação – um cúmplice perfeito para seus desejos e planos. Nesse sentindo é inegável que há entre nós uma química ou magnetismo que nos atrai um para o outro e nos faz fundir energias para obtermos êxito em nossos planos. Sempre costumava dizer para Aline que ela a minha versão feminina devido sua dedicação às suas ambições e disciplina em manter tudo a sua volta num eixo ligado aos seus planos sem desperdiçar oportunidades e sem falhar nas metas principais.




Isso me remete a uma lição de empreendedorismo no campo na chamada inteligência emocional: Resta evidente que pertencemos a um sistema de relações humanas centrado na premissa da dominação. Há muitos séculos definiu-se, erroneamente, que o poder sobre as pessoas é a capacidade de controlar elas para atingirem o objetivo do dominador. Muitas teorias políticas partem justamente dessa reflexão em torno do poder como meio de controle das pessoas, ou de desvirtuamento da natureza humana para atender a essa linha de pensamento da dominação. No reverso disso se encontram pessoas que manifestam poder de outras formas, não se valem da força ou da alienação. Vemos casos de pessoas com poder emocional e carisma capazes de mover pessoas a fazer o bem não pela dominação, mas sim pela sua persuasão emocional. Geralmente este tipo de pessoa são os gurus, mestres espirituais, ou pessoas com algum nível de primazia em seus círculos pessoais. São pessoas que inspiram paixão, e que centram suas premissas de valores em aspectos espiritualmente conscientes, ao ponto de se interessarem pelo destino do próximo e se preocuparem em não extrair o poder dos outros, mas sim o mlheor deles em prol dum objetivo comum para todos. São capazes de reunir energia e aptidões suficientes para enfrentar os problemas com equilíbrio e sensatez.



Eu pessoalmente creio que o equilíbrio emocional e mental se correlacione a própria essência da palavra. O equilíbrio em suas muitas acepções nos remete a idéia de estabilidade de forças. Pessoas que sabem equalizar e focar suas forças conseguem atingir seus propósitos com mais rapidez e facilidade do que outros que patinam e não saem do lugar. Não que as coisas se tornem magicamente fáceis ou mais rápidas, mas o condicionamento interno para desprender de certas coisas e aplicar suas energias no que é essencial é o que torna esse tipo de pessoa uma locomotiva que chega onde quer chegar como se  estivesse nos trilhos a todo vapor.  Esse senso de estabilidade e foco muitas vezes alimenta a paixão, e como se sabe é esse sentimento que serve de energético para muitas coisas na vida. Em contraponto a isso podemos extrair a disciplina, em diversos sentidos, mas a que nos interessa aqui é a disciplina emocional. Pessoas que não sabem gerenciar seus sentimentos, vontades, não conseguem se relacionar qualitativamente com ninguém, não sabem amar, pois o egoísmo ou até mesmo inveja toma conta da maioria de suas percepções individuais. É evidente que é importante possuir auto-estima, mas isso serve para defender nossa singularidade, e não para impor nossos moldes e essência aos outros. Isso seria tirania. Devemos ser leais a si mesmos, às nossas convicções e consciência, devemos aprender a buscar a verdade para que possamos ser leais a si mesmos, as nossas intuições e a quem amamos. Sem isso não somos capazes de compreender e sermos compreendidos, pois nos fechamos como ostras que querem produzir o bem apenas para si próprio. Portanto, é isso que deve nos levar para fora de si mesmos para que sejamos capazes de superar nossas incertezas e ignorâncias. De alguma forma é isso que nos torna livros abertos, ou pessoas livres e abertas ao que a vida tem a nos ofertar de melhor.




Tendo isso como pano de fundo que justifico a minha angustia pelo fato de Aline ter perdido nosso bebê. Eu sei que um filho é uma grande alegria e muda certas coisas em nós, mas não muda tudo, muda o que se deve ao acontecimento em si mesmo. Com o passar do tempo se nos tornamos pessoas gradativamente fechadas em si mesmas, até mesmo nossos filhos, ainda mais os que convivem diariamente conosco, se afastam de nós. Ingrid se afastou de Agatha devido às ações da mãe, muitas delas de forma egoísta e intrusa. Marie chegou ao ponto de fugir de casa quando sua mãe estava lhe ditando regras excessivamente. Todos nós fugimos de coisas desse tipo por sermos livres. Combatemos da forma que podemos qualquer censura ou agressão á nossa liberdade de expressão. Isso vale para os sentimentos também.




Voltando àquela tarde de reuniões, nada de novo ocorreu, pois seria a noite durante um jantar de inauguração duma clinica que tínhamos construído o edifício, um desses jantares beneficentes; que ao meu entender, só servem para marcar pontos com imprensa local e socialites do baixo clero. Era justamente para esse jantar que havia convidado Alessandra a “amiga-espiã” de Agatha. De antemão havia bolado uma dúzia de estratégias para passar informações falsas e extrair informações dela, além de seduzi-la de leve novamente ao ponto de ter algum atrito com Agatha. Com sabemos o vil metal e apelo à ganância ou ambição alheia é uma forma de sedução e pelo que eu me recordava de Alessandra ela tinha gosto por din-din. Mas como dizia um antigo professor> Tudo é sedução. Assim que Alessandra entrou no carro, elogiei ela pela elegância, e após isso perguntei como estava a vida de sub-gerente da loja que Agatha e Marie tinham aberto no shopping recentemente. Marie era autora intelectual do projeto, eu o papai rico que bancava a parte dela, e a outra parte do projeto Agatha colocaria algum capital e mão de obra nisso junto de suas amigas Alessandra e Andréia, ou “triplo A”. Já conhecia as amiguinhas de longa data, solteiras, metidas a madames da alta roda em alguns casos, mas sem ter cacife para tanto. Até que enganavam bem por saberem se vestir com certo requinte, possuírem certa cultura e articulação, no entanto, no fundo mesmo não passavam de um trio de caipiras sortudas nesse sentido. Quantas e quantas vezes o programa delas se resumia a festas de peão, rodeios shows de duplas sertanejas, viagens para essas festas do milho, exposições de tratores e coisas do tipo. Onde o Daniel ou Vitor e Leo estivessem elas estavam lá nos áureos tempos de agrogirls. Naturalmente nunca estive na companhia delas nesses eventos, mas as redes sociais não mentem. Diante duma mulher habituada a ser tratada como garotinha de festa de rodeios passar a lábia nela seria tarefa fácil. Entretanto, ela parecia uma mulher bomba enviada para uma missão suicida, ao pisar na recepção viu que não estava no seu habitat, grudou em mim e ficou maravilhada com a decoração e com a grã-finada estúpida que nos cercava com sorrisos falsos e conversas fiadas. No entanto, Alessandra não era mais aquela garotinha espoleta de antes, que ficava com qualquer cara, que queria namorar e casar com bom partido, mas sempre acabava sendo fisgada por um xavecador hábil. Ela tinha mudado muito, estava uma mulher mais tranquila e madura aparentemente mesmo sempre levando o velho sorriso e jeito de menina apesar dessa mudança que só aprecia quando ela baixava a guarda. 



O nosso papo sobre a vida dela na loja de roupas de Agatha parecia prosperar em prestações, ela dizia que estava gostando e eu tentando injetar nela a ideia que queria vender a parte de Marie no empreendimento devido ela ter se mudado. Nisso ela abriu o bico: Disse que Agatha estava negociando vender a parte delas para um mulher, filha dum sujeito qualquer que como eu tinha bala na agulha e uma filha afim de ser dona de loja de shopping. Essa informação me deu cem anos de vantagem, e francamente, a ideia de seduzir Alessandra por mais gostosa que ela seja com aquele baita traseiro empinado de tanto malhar me parecia um tanto cansativa para levar a cabo. Ela que uns dez anos atrás era figurinha carimbada no meu álbum ora despertava o meu interesso ora me fazia relembrar que ela era chiclete. Temia que o meu tiro pudesse sair pela culatra no final das contas apesar de ter uma certa quedinha por ela desde sempre.  Fiquei com ela transitando pela recepção e depois do  jantar servido, dei tempo para ela passar recibo de alguém fora do ninho mais uma meia dúzia de vezes e comer a sobremesa e rapei fora daquele evento chato de buffet manjado. Deixei Alessandra no prédio dela, em seguida não pensei duas vezes, telefonei para Aline que também estava nesse evento, porém tinha saído à francesa sem deixar pistas. Ela atendeu sonolenta, dizendo que estava casada da viagem e que já estava deitada, conversamos brevemente sobre o incidente da troca de lugar com Agnes e nos despedimos.



Ao chegar em casa tirei aquele belíssimo terno inglês para não torná-lo um filtro de charutos. Peguei um Partagas Short e fiquei no meu gabinete respondendo as mensagens dos filhos e de Karol enviadas durante aquele dia, além de algumas conversas pela internet com algumas pessoas. Antes de dormir avaliei as minhas possibilidades para o dia seguinte. Aline ter aparecido repentinamente havia me despertado alguma coisa que não tinha identificado. Era uma espécie de saudades dela, ou dos momentos vividos com ela, com alguma espécie de algo ainda não totalmente digerido dado ao episódio da perda do bebê. Estava com uma intuição sobre aquilo, sem clareza ao ponto de tentar descobrir em vão naquele momento do que se tratava. Algo me dizia que eu precisava aproveitar a presença de Aline naqueles dias para termos uma derradeira conversa. Isso com certeza iria me esclarecer a tal intuição.




No dia seguinte, mais uma a rotina seria a mesma durante o dia: café da manhã com Vera e uma agenda lotada de reuniões no transcorrer do dia. O almoço havia sido sacrificado pela pauta pesada da manhã, as reuniões da tarde tinham assuntos extensos e com isso fiquei até as oito da noite no escritório em companhia dos sócios. Aline por sua vez saiu mais cedo nessa ocasião junto de outros assessores. Quando tive um intervalo entre uma pauta e outra liguei para ela, com a intenção de convidá-la para jantar, ela disse que iria sair jantar com Antônio, um dos executivos novos contratados recentemente da agencia de São Paulo. Fiquei desapontado com o fato de perder a oportunidade de estar com ela para podermos conversar; e finalmente fazer passar aquela sensação de intuição que estava me intrigando. Senti uma espécie de ciúmes a partir daquele momento, mas nada de possessivo, ou com base na idéia de que ela estar saindo com outro cara do trabalho seria algo contra mim. Aline tinha voltado ao habitual dela, no entanto, ainda havia algo nela que não parecia como antes. Ela estava mais comedida, mais séria ou menos brincalhona, passava uma imagem mais de mulher e menos de menina afoita e eletrizante na falta duma melhor definição. Todavia, aquilo não aparentava serenidade, e sim tristeza. O ciúme dela não se referia ao fato de não poder estar ela naquela noite. Tinha a ver com aquele sentimento de proteção e carinho que temos com as pessoas que fazem ou fizeram parte de nossa história de vida e com aquilo que chamei de tempestades perfeitas, ou fatos que destroçam ou desestabilizam certos momentos das nossas vidas. Ainda mais quando essa história é recheada de fatos tão marcantes, é nesse ponto que se sente esse cuidado, zelo pelas pessoas. Muitas pessoas não compreendem que esse é o tipo de ciúmes brando, sadio, ameno, não conseguem compreender que existe entre as pessoas algo mais forte que permanece como algo intacto e valioso que deve ser preservado por mais que distância ou os fatos da vida venham possivelmente separar ou findar as histórias a dois.


Geralmente as pessoas não possuem imaginação afetiva por serem egocêntricas covardes em tomar as rédeas de seus destinos não chegam a compreender isso e tornam o ciúme numa arma de chantagem emocional. Quando falamos que estamos com ciúmes, todos enxergam essa faceta dos possessivos, mas não é nada disso que o meu ciúme em relação à Aline era naquele dia. Assim que terminamos a pauta de assuntos daquele dia extenso saí jantar com os meus sócios. Em seguida chegando em casa assim que desliguei o carro o meu celular tocou. Aline estava me telefonando, disse que gostaria de me ver se fosse possível. Convivei ela para vir até em casa e ela de pronto aceitou. Disse que viria de táxi para que não houvesse nenhum encontro inesperado, no caso de ir buscá-la com alguns dos meus sócios e diretores que estavam hospedados no mesmo hotel que ela. Quando Aline cruzou a porta de casa  toda aquela intuição desapareceu e deu lugar a uma tola alegria de estar com ela. Passamos horas conversando sobre tudo, sobre a agenda de trabalho, sobre viagens, sobre nós, sobre o passado, os planos para o futuro. Aquele sofá e chazinho servido se tornou uma espécie de confessionário para ela. Quando ela desabafou sobre diversas coisas e chorou abracei ela sem dizer nada além de que tudo havia passado e novos tempos já tinham chegado. No fundo ela estava triste ainda com o ano que se passou, com a perda do bebê, com problemas com os pais dela. Enfim, a lista de assuntos duros era bastante complexa e longa. Depois desse momento desabafo já era tarde, as horas tinham passado como o vento. Aline permaneceu em casa, o sono bateu, levei ela até o antigo quarto de Marie, e ela balançou a cabeça negativamente com um sorriso de canto e me disse com aquele sotaque suave: “Você acha mesmo que eu vou dormir no quarto da sua filha depois de tudo que aconteceu entre nós?”. Como ela não me deu alternativa dormimos juntos, agarradinhos como nos velhos tempos. Acordamos ainda abraçados,com as mesmas roupas; e nos atrasamos para reunião daquela manhã...



Convém explicar o atraso, antes que pensem que seja a consumação duma manhã de amor hipoteticamente perdida na noite anterior. Logo de manhã Bia me liga avisando que ao saírem para escola ela sem querer atropelou o “doguinho” de Ivan dando marcha ré na garagem e o garoto presenciou aquilo. Choradeira inevitável e um ataque histérico do pobre menino que acusava a mãe aflita de ter matado seu cãozinho que estava no lugar errado na hora errada. Acordei Aline, comuniquei o ocorrido, ela pediu para levá-la ao hotel, em seguida fui consolar Ivan que não queria ficar na presença de Bia que estava sedando-se com calmantes. Peguei o garoto e levei ele comigo para casa tomei banho, me aprontei para mais um dia de trabalho e perguntei se Ivan queria ir trabalhar comigo naquele dia. Ele que uma vez outra já tinha ficado comigo no escritório parecia recordar que aquele era um lugar onde ele  sempre era paparicado por todos. Tirei dele aquele uniforme escolar já sujo de tanta choradeira e coloquei nele uma das roupinhas dele que havia no quarto dele em casa.Um quarto devidamente decorado por Marie especialmente para ele. Naquele momento ele ficou perguntando mil coisas tanto sobre a morte do “doguinho” quanto onde estava a irmã preferida dele, visto que Ingrid era mais fechada nos seus relacionamentos com qualquer pessoa e Quim sempre foi mais ausente da vida dele. Em decorrência desse episódio, que caiu como uma luva, desmarquei o encontro de todas as manhãs com Vera sem levantar suspeitas sobre Aline.



O pinscher defunto tinha sido presente de minha irmã para Ivan. Disse para ele que assim que chegasse no escritório contasse para sua tia o ocorrido que ela certamente lhe daria um novo “doguinho” de presente. Aquilo consolou ele mais um pouquinho. Logo que entrei com ele no piso do meu escritório Daniele, a secretária, já apareceu para beijar o garoto. Ao chegar com ele na sala de reuniões, percebi que Aline tinha tomado conta da situação na minha ausência e estava tocando a reunião no meu lugar com maestria. Nisso apresentei Ivan para todos como novo dono da empresa e todos cumprimentaram ele e isso o distraia fazendo pensar em outras coisas. Depois disso ele correu para o colo de Agnes que saiu passear com ele e só o revi na hora do almoço. Como Aline estava comandando com perfeição a reunião, fiquei ali como mero expectador, admirando uma das qualidades mais presentes nela: a cumplicidade. Não foi necessário dizer muita coisa de manhã para ela pescar a ideia que tinha passado a bola para ela segurar as pontas naquela reunião durante minha ausência devido uma emergência familiar. Quantas e quantas ocasiões ela já havia feito aquilo por eu estar ou preso no trânsito, ou viajando de última hora, ou doente ou com alguma simultaneidade de compromissos agendados. Ela nunca fez questão de jogar na minha cara que era uma fiel escudeira. Sempre depois de alguma coisa desse tipo que ela fazia em meu favor vinha-me dizer com requintes de insinuação: “Não vai me agradecer?” – Agradecer nesse caso era cobrir ela de beijos ou levá-la para passear. Outro elemento que atestava o tino dela para os negócios seria sua capacidade de discordar e defender seus pontos de vista contrários aos meus em reuniões ao ponto de discutirmos. Entretanto, ao final do dia, lá estávamos nós dois, jantando numa boa sem que aquilo afetasse nossa relação pessoal.  Isso tornava Aline a rainha das secretárias.



A presença de Ivan e Aline aquele dia ao meu lado serviu para amenizar muitas coisas que estavam acontecendo no transcorrer dos dias. As saudades de Marie os fatos passados com Agatha e outras coisas. Entretanto o impacto maior viria à noite depois de mil coisas inesperadas terem ocorrido durante todo o dia quando eu resolvesse checar a correspondência atrasada. Entretanto, durante o dia o fato de Ivan ter vindo comigo no escritório funcionou como trégua nas torças de farpas entre mim e Agnes. Ao final da tarde quando tinha que conduzir a reta final duma reunião importante com associados peruanos, ela se dispôs a levá-lo para sua casa e cuidar dele até quando voltasse para casa. A atitude gentil dela tinha mais a ver com ser uma tia que adora crianças do que propriamente comigo, mas reconheço até nos meus piores inimigos suas qualidades quando eles possuem algumas. Minha irmã sem dúvidas tem muitas qualidades excepcionais, mas o lado autoritário e intrometido dela sempre me aborreceu. Em decorrência dessa relação de altos e baixos trocas de insultos, sessões de spray de pimenta mútuas sempre foram uma constante entre nós desde que era garoto. Desafiar ela que muitas vezes metralhava criticas e palpites ao meu modo se ser e agir era uma espécie de revolta popular que sai às ruas para brigar contra os abusos do governo. Uma vez passamos quase ano sem nos falarmos depois que externei num almoço de família comentários terríveis sobre ela em relação ao marido alcoólatra. Disse na ocasião que para suportá-la somente bebendo muito mesmo. Ela saiu da mesa chorando depois de me passar um sermão e batermos boca. Certamente esse foi um dos piores momentos da minha conduta com pessoas que tenho laços afetivos. Demorei meses para pedir desculpas para ela, e quando fiz, não foi no Natal, nem por apelos de ninguém, foi quando percebi que eu mesmo estava bebendo demais para suportar a minha esposa numa fase difícil. Agnes na mesma ocasião também pediu desculpas por sempre me taxar indevidamente de ovelha negra da família e maldizer a minha figura para quem quer que seja muito antes desse episódio do almoço.      



Depois de encerrada a reunião fui com Aline ao hotel em que ela se hospedava, ela fez o check-out e fomos para minha casa de mala e cuia por assim dizer. Após a longa e profunda conversa da noite anterior, não falamos em reatar, tentar de novo, nada disso. Tratamos um ao outro como adultos ou pessoas que tem grande afeição e admiração um pelo outro e são capazes de ser parceiros praticamente em quase tudo. Ivan estava na casa de minha irmã, já havia lanchado, tomado banho, ou seja, tudo estava as mil maravilhas com Agnes que tratava ele como o filho homem que não teve oportunidade de ter. Ivan de bom grado a pedido da tia cedeu aos apelos dela para mantê-lo ao menos mais um dia longe da histeria de Bia, que em momentos de pressão simplesmente pira. Como Ivan resolveu ficar com sua titia coruja que no dia seguinte o levaria para Bia são e salvo eu me encarreguei de ser um bom anfitrião para minha hóspede.


Assim que pisei em casa novamente Lili se encontrava no banho, fui até lá perguntar se ela gostaria de jantar fora ou ficar em casa e comer algo do meu menu. Ela foi taxativa de dentro do box: “Prepare aquela salada que gosto!” – Traduzindo “salada que eu gosto” no caso dela seria parpadelle de camarão e por sorte tinha comprado camarão dias antes, mas não para fazer parpadelle nos meus planos originais, mas tudo bem, ela era hospede e eu anfitrião, agradá-la o máximo possível seria uma prazer literalmente. Desci, peguei um vinho branco de fina procedência recém comprado no free shop do De Gaulle e tive que substituir a tal tangerina da receita por laranja, mas no final tudo funcionou no sabor. Lili logo apareceu, tomou uma taça de vinho. Visualizar ela tomando vinho ainda de cabelos molhados era a visão da diva inspiradora para aquela noite. Como sempre ela estava ornada de suas pulseiras, porém, em menor número dessa vez. Aquela tez branca e jóias de ouro branco, cabelo molhado e vinho sendo degustado naquela boquinha de lábios finos dela tornava o ato de cozinhar algo de conotação erótica quando pensava na sobremesa.



Logo em seguida aos meus pensamentos pecaminosos em relação à sobremesa, a coincidência aconteceu. Foi como se os deuses dos amantes abençoassem aquela noite: Lili indagou qual seria a sobremesa, e eu na maior cara de pau incontida, disse: “beijinho do chef”. Ela entendeu a malícia do recado de pronto e disse: “Hum esse beijinho tem sabor vinho né?” – Respondi: “Quer experimentar?” Ela com aquele jeito insinuante, que só ela tem, levantou-se da cadeira, veio em minha direção como se fosse a Gisele Bundchen na passarela com aquele passo igual ao dela, fitou-me nos olhos, deslizou suas mãos atrás dos meus ombros, segurou meus braços, e me beijou até o camarão ficar no ponto e eu também. O camarão seria parpadelle, já eu seria servido à moda nordestina na sobremesa pelas mãos da chef Lili. Uma garrafa de vinho e dois pratos de camarão depois; ficamos namorando no jardim interno da residência. Quando mais uma vez o beijinho foi servido, a coisa ficou picante. Foi nessa hora que Aline provou mais uma vez ser uma mulher que consegue o que quer, pois eu mesmo tinha minhas dúvidas se aquele meu flashback erótico da cozinha não era mais um ato inconsequente da minha parte. Não tinha como negar, eu queria, ela queria, e que se danasse aquele pensamento se estava agindo mais uma vez levado pelo calor do momento.


Ela estava ali linda, solta, se derretendo toda só para mim mais uma vez. Não importava mais nada. Carreguei ela para a cozinha novamente, pois se aquilo tinha começado na cozinha, iria terminar também na cozinha. Aquela mesa da copa que já havia testemunhado algo do tipo anteriormente meses antes, parecia o lugar ideal para mais uma vez colocar uma mulher louca de tesão nua sobre ela. Tudo aconteceu com todos os requintes de quem sente saudades nesse departamento um do outro: Ao entrar na copa, encostei ela na parede, beijo, beijo, beijos, a mão nos seios dela por cima daquela vestido não me agradavam, tirei aquele vestido e ela ficou apenas de calcinha, segurei ela pelas coxas e a coloquei na mesa. Ela beijava meu pescoço e orelha e respirava fundo sem parar, enquanto isso acariciava com a mão pesada cada parte que podia do corpo dela como se fosse um tarado. Ela ficava cada vez mais ofegante e mordiscava o meu rosto. Senti as costas dela deslizar em minhas mãos, ela se deitou na mesa, arranquei a calcinha dela, a puxei ao meu encontro e entre um beijo estralado e outro, uma mordida dela e um arranhão e outro fizemos amor. Dessa vez ouvia apenas duas pulseiras chacolharem nos pulsos dela e a mesa estremecer com nossos movimentos. Esses eram os sons ao fundo de cada gemido delicioso de Lili. Ah como foi gostoso sentir cada pedacinho dela novamente, parecia que tinha reencontrado naquele corpo macio e branquinho da Lili tudo que um homem quer. Quando tudo terminou ali na cozinha Aline debochada diz: “Agora pode lavar a louça...” Desci ela da mesa, ela faz um carinho no rosto e completa: “Pegue minhas roupas e vamos para o quarto...” Obedeci ela como um bom menino.



Aline subiu degrau por degrau nua, a luz que vinha da janela frontal da casa dava para aquela cena ares excitantes. Quando tudo ficou escuro agarrei ela novamente, ela quis fugir, e nessa brincadeira caímos na cama para mais uma segunda rodada de sobremesa. Na cama o orgasmo dela foi diferente, se antes Lili havia explodido de tesão do começo ao fim, dessa vez ela parecia fazia amor com suavidade e expressando mais carinho do que lascívia. Enfiei meu rosto naquele cabelo cheiroso dela, e sentia a pele dela levemente quente e suada na minha, fiquei alguns minutos aproveitando aquele instante. Quando percebi que Aline havia adormecido como se nada tivesse acontecido. Me levantei vagarosamente da cama e fiquei ainda no quarto por algum tempo. Habitualmente ela sempre foi assim, não era novidade, adormecia sempre e só acordava no outro dia. Olhei para ela ali dormindo serena e nua como se contemplasse uma escultura branca nos lençóis brancos. Ajeitei melhor a cama para ela continuar a dormir confortavelmente e fui fechar as portas da casa e eliminar algum vestígio do que havia ocorrido na cozinha. No entanto o corpo delito do amor não tinha deixado provas naquela cozinha, apenas a louça do jantar.




Ainda curtindo aquele clima de êxtase passei por uma mesa onde estavam correspondência atrasadas devido ter ficado muito tempo fora e a casa praticamente fechada o tempo inteiro. Resolvi checar para ver se havia algo importante. Duas cartas me chamaram atenção logo de cara: Uma era de Sorocaba cujo teor comunicava o falecimento duma amiga dos tempos da adolescência. Fiquei chocado com essa primeira notícia e triste, pois a garota era uma pessoa tão intensa e feliz que não merecia ter sido vítima de leucemia. A segunda era uma intimação da justiça, tinha data de quase um mês atrás e estava ali já empoeirando. Abri e tive mais uma notícia que me faria ficar perplexo dessa vez: Era uma intimação duma ação de reconhecimento de paternidade de Santa Catarina. Aquilo me deixou tremendo por dentro devido aquela sensação de saber que realmente havia um motivo real para estar recebendo aquela citação. Desta vez, me senti perdido, confuso, sentei numa poltrona e tentava ler com mais atenção várias vezes aquele papel. Não queria acreditar naquilo, não sabia o que pensar fiquei horas reagindo esse acontecimento noite à dentro conversando comigo mesmo e alguns amigos insones que estavam na internet como Vera e Marise. Quando subi novamente para o quarto estava exaurido. Aline estava ali, tranqüila sonhando certamente com algo bom e eu estava acabado, já tinha tomado várias doses de whisky para relaxar ou pegava no sono forçosamente naquele momento ou permanecia acordado. Minhas preocupação excediam qualquer subterfúgio alcoólico. Entrei no banheiro olhei a minha face de espanto no espelho, puxei o ar, respirei fundo e ainda parecia sufocado. Tomei uma ducha para aliviar a tensão e tirar o cheiro de bebida que parecia tomar conta do meu corpo e fui para cama.

Deitei ao lado de Aline evitando incomodá-la, peguei no sono depois de repassar algumas coisas na cabeça, logo amanheceu, não dormi muito, acordei com o som do despertador, mas sentia-me anestesiado, porém já sabia por onde começar a lidar com aquilo naquele dia. Quando Aline despertou manhosamente, ela disse estar com frio, pediu um beijo. Ela estava feliz, já eu estava transtornado, se revelasse para ela aquilo ou qualquer pessoa de imediato algo sobre a descoberta da noite anterior seria péssimo. Ainda na cama tudo parecia rodar. Perguntei para Lili se queria dormir um pouco mais, ela disse que estava muito cansada e por isso pegou no sono daquela forma a noite passada e que a noite tinha sido esplêndida. Ela se levantou tomou banho e preparou nosso café. Enquanto isso eu lentamente tentava recuperar os sentidos. Durante o café da manhã Aline estava toda carinhosa, sem saber que eu estava ali num misto de satisfação por vê-la desse modo, mas no fundo a notícia dada por aquela carta precatória me deixava perturbado por dentro. Aline terminou o café e subiu para se preparar para o trabalho, nisso eu saí no quintal, respirei fundo, olhei para o céu e fiquei repetindo: Meu Deus umas dez vezes... Estava me sentindo enrascado. Consegui me acalmar, ser racional mais uma vez, e agir como se estivesse tudo bem. Isso durou até conseguir chegar ao escritório e me trancar na minha sala.


Peguei aquela citação deixada depois de diversas tentativas sem encontrar o destinatário no domicilio e liguei para a advogada da autora daquela ação. Para piorar o cenário, a tal advogada não havia chegado no escritório, provavelmente só no próximo dia poderia retornar minha ligação. Como sabia com quem exatamente se tratava aquele assunto, tive que solicitar à minha secretária que encontrasse o contato de outra Carolina, essa com C, uma jovem empresária catarinense que há mais ou menos um ano atrás havia conhecido por ter sentado ao lado dela numa viagem de avião. Para ajudar no nosso envolvimento fortuito, dividimos táxi, ficamos no mesmo hotel no Rio e mantivemos contato posteriormente. Nessa primeira ocasião tudo ficou nisso, ela ficou mais tempo na cidade e eu parti dois dias depois sem retornar a vê-la naquele episódio. Algum tempo depois disso, tivemos outro encontro, dessa vez marcado, pois ela estava em Curitiba. Recebi ela no mesmo escritório que estava naquele momento desesperado tentando descobrir o telefone dela que tinha sido apagado do meu celular. Depois de diversos encontros com ela sempre que ela passava por Curitiba tratar de algum evento a relação entre nós foi ficando mais íntima. Carolina era a mulher que não passava batido ao radar de ciúmes de Agatha. Quando ela estava na cidade Agatha notava que a minha agenda diária mudava, que algo em mim ficava diferente etc. Por fim, o último encontro, foi na terra dela, depois das seguidas visitas dela para mim, era vez de retribuir ao menos uma visita para ela. Visto que ela que tinha proposto alguns negócios em Florianópolis, aproveitei uma viagem para o Rio Grande do Sul - aquela que caí do cavalo - e fui ver o tal negócio no ramo de turismo e entretenimento que ela propunha. O empreendimento entre nós não foi adiante, mas alguns dias ali foram suficientes para passar duas noites com ela e tornar o que tinha começado em Curitiba mais sério e até mesmo ameaçador em relação a posição de Agatha naquele período. Entre baladas, visitas aos points, almoços, jantares, praia e tudo mais. Não tinha como evitar todo aquele tratamento de luxo dado para mim sem deixar-se levar-se. Era como se ela quisesse transformar a minha visita num cartão postal da afeição dela por mim. Por ironia do destino, eu acreditava que ela seria a nova Aline da minha vida. Uma mulher jovem, herdeira dos negócios do pai, com aquele estilo de executiva semelhante ao de Lili. Aquilo me atraia nela. Pensava que se algo falhasse com Agatha, seria Carolina a grande alternativa. Ela no decorrer daqueles meses tinha terminado um relacionamento e foi depois disso que tudo entre nós começou a se intensificar gradualmente com as visitas dela em Curitiba. No entanto, durante as duas semanas seguintes após ter ido para Floripa e ficado com Carolina, eu sumi, caí do cavalo, fiquei dias no hospital. Quando liguei para ela novamente, ela se disse magoada por tê-la deixado sem informações durante aqueles dias “depois de tudo que aconteceu entre nós”. Como não imaginava nenhuma grave consequencia daquele affair resolvi esquecê-la como ela havia pedido, ou melhor, ordenado. Apesar da beleza dela recordo perfeitamente que havia julgado ela excessivamente dondoca e muito egocêntrica. Dei às costas para tudo aquilo e segui minha vida...



Agora, estava no escritório naquela manhã com a conta daquela semana de “vida loca” em Florianópolis maltratando a minha conseqüência. Sentia tudo desabar, nunca tinha ficado nervoso daquela forma com coisas desse tipo, dessa vez estava aflito me sentindo caminhando por um campo minado. Quando descobri o telefone da empresa de Carolina, liguei imediatamente, dessa vez tive êxito, falei com a assistente dela, que me passou o número do celular dela. Liguei e ela atendeu, tivemos uma conversa tensa, ríspida e aquela impressão sobre ela ser altamente egocêntrica ficou mais clara ainda. Pouco importava se eu estava tenso com aquela situação, segundo ela – textualmente - “o nosso erro tinha prejudicado ela que estava numa gestação vexatória”, e atravessando tudo aquilo na medida do possível como deve ser. Ela prosseguiu dizendo que queria apenas o reconhecimento do DNA e registro no assento civil de nascimento e nada mais, disse que iria criar aquela criança sem esperar interferências da minha parte. Entretanto, o arremate e desfecho que ela deu para todos os acontecimentos consumados até o momento soavam ao meu favor no teor jurídico. Ou melhor dizendo,  para qualquer outro homem na minha posição numa situação similar aquilo parecia um acordo de delação premiada que retirava todas as responsabilidades dos meus ombros. Foi neste instante que percebi com quem realmente estava lidando. Deixei Carolina, uma mulher que se achava a fina flor da sociedade, filha dum figurão defunto reiterar seu discurso, e se antes eu achava que tentar algum acordo para extinguir aquele processo era um caminho seguro para refazer as bases daquilo sem litigar toda situação, passei a encarar o processo, quase kafkiano, como uma peça ou medida que poderia me favorecer ao final de tudo aquilo. O sentido desse favorecimento seria ao menos, com a prova ou não da minha possível paternidade, deixar Carolina sem saída, e deixar toda aquela arrogância dela ao tratar tudo e todos como meros vassalos da sua vontade numa posição de xeque mate. Se o filho fosse meu ótimo, assumiria ao ponto de não abdicar do convívio e responsabilidades como ela impunha unilateralmente. Já tinha passado por situações semelhantes antes e sabia perfeitamente o script das conseqüências desses acontecimentos no decurso do tempo. Minha falta de sossego havia terminado, estava apenas aborrecido e uma certa frieza associada a uma grande indignação estava me contagiando em face das opiniões e planos de Carolina sobre tudo aquilo. Finalizei a ligação dela sem dizer muita coisa, disse basicamente que trataria de tudo preliminarmente com a advogada dela e pedi para ela manter contato. Depois dessa ligação extenuante levando em consideração o quadro todo dos últimos dias de situações rocambolescas emocionalmente me centrei no trabalho. 

       
Pouco antes do almoço recebo a ligação da advogada, escutei a mesma ladainha já ouvida antes. Frases do tipo: “os interesses da minha cliente são os seguintes” e citava uma lista de deveres impostos a mim como se fosse um mero detalhe naquela relação processual sem direito ao contraditório. Quando a advogada - tão arrogante quanto a cliente - terminou sua exposição dos fatos, condições e termos, disse-lhe o seguinte: “Doutora, a senhora quando propôs essa ação, para atender os eventuais interesses da sua cliente, se esqueceu duma coisa: Processos e relações jurídicas dessa natureza são dialéticas. Espero que tenha compreensão exata disso. Como não cabe a mim argumentar perante a senhora e sim ao juízo;  vejo a senhora e sua cliente no dia da audiência” – A advogada tentou esboçar reação, mas finalizei a ligação soltando um “passar bem” em tom solene. Se antes estava com remorso, nervoso e impaciente, agora estava aborrecido e com raiva. Convencido categoricamente que teria que lidar com a situação mantendo segredo, com base nos contornos já delineados expostos. Resolvi que deveria me preocupar com aquilo posteriormente conforme tudo fosse sendo desenhado sem me enervar com tudo aquilo até onde fosse possível.    

Passei o restante do longo dia cumprindo meus deveres de ofício. Estava me sentindo exausto, sonolento, falar sobre cifras e números a tarde toda foi como voltar aos tempos de colégio numa aula de matemática enfadonha e sem propósito. Tinha ainda que cumprir o jantar agendado com a equipe para fechar a semana de reuniões. O dia seguinte iria ser mais cansativo ainda, teria que viajar com os sócios para um evento empresarial na Bahia. Se antes estava pouco animado com essa viagem, palestras, e jogar golf com péssimos adversários durante o final de semana, dessa vez queria cancelar tudo, mas não havia jeito. Após a confraternização voltei para casa. Aline parecia ter encarnado a figura da esposa perfeita. Estava sempre a frente de qualquer vacilada minha nas reuniões durante o dia e a noite se encarregava de comandar o jantar fazendo declarações e alinhavando as conversas. Da minha parte eu estava apático a tudo aquilo. Passei a seco a noite, apenas na limonada, ao retornar para casa desabei na cama. Aline se despia a minha frente e não parava de matraquear comentários sobre o jantar. Ela sentou ao meu lado na cama, semi nua, e sorridente. Ficamos nos olhando calados naquele instante e foi nesse momento que perguntei para ela uma curiosidade profunda advinda de tudo que havia transcorrido: “Se o nosso bebê tivesse nascido como você se sentiria?” Ela levou um pequeno susto com a pergunta, ficou com a expressão séria, refletiu um pouco e disse: “Eu me sentiria a mulher mais realizada do mundo tendo um filho do homem que me ensinou amar”. O desfecho disso foi um beijo e uma noite de amor logicamente. 
      
A resposta de Aline foi um balsamo para tudo aquilo que havia se passado nos últimos dias. Tanto a gravidez de Àgatha como a de Carolina eram o remake perfeito do passado. Desta vez, não era um garoto extremamente imaturo lidando com aquilo, mantida as devidas proporções de inconseqüência e irresponsabilidade da minha parte. As palavras de Aline expressavam uma forma de enxergar as coisas com maior doçura, e por mais que ela também tivesse tido deslizes durante a fase anterior a gravidez dela, julgava que ela tinha sido coagida a agir daquela forma por acreditar em seus próprios sentimentos. A sensação que ela estava mais madura e segura ganhava mais corpo nos últimos dias. Algumas vezes eu e uma amiga confidente considerávamos que deveria ter apostado o meu all in em Lili e não em Agatha. O destino driblou nossas posições e frustrou nossas apostas subseqüentes. As cartas abertas na mesa não favoreciam as cartas na mão e aquelas apostas foram perdidas. Aline tinha retornado, seu encanto de antes tinha reaparecido, isso aliado ao fato dela ser o meu braço direito na vida profissional tornava ela a mulher mais adequada a tudo ao meu redor. Isso não significava que iríamos buscar um novo recomeçar juntos. As coisas estavam conturbadas demais para decidir com clareza sobre isso para ambos. Ela tanto quanto eu tínhamos uma série de assuntos de âmbito familiar para solucionar. O pai dela estava adoentado, a mãe estava perdendo a mão nos negócios da família dela, os quais estavam atravessando uma fase terrível e a decisão dela voltar para minha empresa se devia - além da minha insistência – a uma forma de sair dessa maré de contratempos e lidar com tudo isso mais distanciadamente. Em resumo tínhamos duplas jornadas, de trabalho de assuntos pessoais, e ambos pareciam estar em batalhas duras no tempo presente sem saber para onde as coisas iriam rumar. Decidir reatar nessas condições não seria uma boa alternativa, portanto não cogitávamos isso nessa ocasião. Por mais que tudo que estivesse acontecendo entre nós naqueles dias fosse memorável por ser uma expressão de afeição e cumplicidade, estávamos seguros que tínhamos que aproveitar ao máximo aquilo, porque posteriormente a rotina de desafios iria nos convidar para mais uma dança em bailes distintos.




Havia uma percepção de que cada instante passados juntos nesses dias seria um ponto de inflexão para ambos individualmente logo a seguir. Quando nossas conversas ficavam sérias e aprofundadas depois de alguns momentos de prazer a pontuação da nossa conversa convergia sempre para esse mesmo sentido. Não havia cobranças sobre o passado ou planos para o futuro, tínhamos acordado em nos manter sempre no momento presente com transparência, sinceridade e amizade. Parecíamos fluir juntos rumo a coisas diferentes, estávamos naquele momento tão somente fazendo uma pausa para acertar assuntos pendentes, torná-los claros sem arestas para que algo acima disso fosse duradouro entre nós. Falávamos sobre isso com títulos de amizade e companheirismo, uma forma de amor que transcendia aos desejos de prazer, aos acontecimentos que poderiam sobrevir e tudo que já havia sido consumado entre nós. Tudo indicava que estávamos selando um forte laço de amizade.

Quando finalmente adormeci naquela noite consegui dormir serenamente, eivado de esperança que há tempos não sentia.
               


    

domingo, 12 de abril de 2015

Nada como um dia após o outro com uma noite no meio...

Costumeiramente as pessoas suportam a estreiteza de suas vidas com máscaras. Muitas delas também passam boa parte de seu tempo remoendo acontecimentos e lambendo feridas que nunca cicatrizam. Sentir pena de pessoas que agem desta forma é óbvio, mas o natural é evitar se tornar como elas quando reconhecemos esses traços odiosos em alguém que desperdiça sua existência com tais atitudes.



O interessante seria perceber como, para a grande maioria das pessoas, o senso de ser está ligado à momentânea e efêmera alegria que alguns acontecimentos exercem em suas vidas e naquilo são. Quase sempre, ao serem questionadas sobre porque estão felizes disparam a falar sobre as coisas mais recentes como se as anteriores duma vida toda não se somassem a isso. Por outro lado, a idiotice dessas pessoas se auto-proclama quando negam o passado, porém sempre estão recordando dele como causa e efeito de cosias ruins que perduram no tempo. Pessoas assim sempre tornam presente o passado com arquivos secretos de ressentimentos e quando diz que está feliz por algum fato recente mente descaradamente.
Todos nós invariavelmente padecemos disso em alguma escala, pois estamos fadados a viver num mundo de aparências, de simulações e de simulacros. Isso que parece ser um tema tão pós-moderno da psicanálise dentro de uma narrativa clássica da literatura é na verdade a vida das pessoas. É a vida sob a égide da negação. Há quem passe a vida inteira mentindo ou sofismando para se esquivar de algo que transcenda a si mesmo. Há quem tenha uma vida morta que analisa sua vida defunta por toda uma vida.  Certamente saber disso já nos causa desgosto por pessoas assim, mas infelizmente elas nos rodeiam. Tornar-se ou não zumbis existenciais como esse tipo de gente talvez seja questão de tempo ou azar. Talvez dependa de onde e como você vive, com quem convive seja na família ou amigos até desconhecidos colaboram para essa desgraça...




Sabermos imperiosamente que vida independente de laços familiares é um bem degradável. A grande maioria passa uma vida ornamentada por uma família que segue os moldes convencionais do amor mútuo ou do ódio mútuo. Quando era adolescente e logo depois de ter perdido a virgindade com a empregada descobri como a vida em família é indecente e teatral.  Certa vez na casa dum colega do colégio, muito metido por ser rico, seu pai era dono duma distribuidora de bebidas e alcoólatra – nada mais pragmático para um alcoólatra do que isso – sua mãe era cuspida e escarrada um ser que parece ter sido originado do cruzamento de comerciais de eletrodomésticos do Polishop dos anos 90 com a histeria de vilãs de novelas mexicanas. No entanto, ela para mim naquela época se encaixava perfeitamente na categoria das mulheres agradáveis e mais sexys que tinha conhecido até então. De alguma forma aquela mulher exalava algo que atraia qualquer garoto ou homem que gostasse duma perua com maquiagem exagerada, de jeitão extrovertido que recebe os colegas de seu filho de shortinhos indecentes. Aliás, a irmã desse meu colega andava de calcinha pela casa sem temer a presença daqueles moleques indiscretos que fantasiavam com ela também. Aquela casa era o maior centro de subversão de valores da família careta. Como sabemos quase todas as famílias são uma instituição que padecem da banalidade da mesmice, mas naquela família de mulheres histéricas que andam pela casa quase nuas ou embriagadas de vodca a coisa toda era a face da originalidade não aceita pelos comerciais de margarina ou sabão em pó.




Para atalhar a conversa sobre essa família: Foi com a mãe desse meu colega que tomei a primeira dose de vodca da vida e uma lição de despudor muito valiosa. Um dia num churrasco na casa deles a mãe dele estava alta e me encontrou na saída do toalete, havia acabado colocar trajes de piscina e estava só de sunga e camiseta regata, ela se aproximou de mim com aquele copo de vodca e disse: “Tome um golinho fofo”.  Aquilo desceu quente pela garganta, mas ela logo em seguida deixou tudo mais quente. Ela me empurrou para dentro do toalete me lascou um beijo passou a mão pelo meu corpo, eu fiquei num misto de espanto e excitação. Ela enfiou suas mãos de unhas longas dentro da sunga e disse com aquela voz bêbada no meu ouvido: “Ai como você é gostosão”.  Após esse assédio, que para mim era a mistura do estado de choque com tesão digno de nota, ela me mandou sair do toalete, não sem antes me beijar como uma vadia no cio e me proporcionar uma masturbação a dois onde ela gemia baixinho no meu ouvido entre uma frase ou outra de sacanagem. Antes de sair do lugar a vi ficando totalmente nua, com aquele corpo bronzeado sentando na privada para fazer xixi. Ela me olhou, sorriu e fez um gesto com a mão para fechar a porta segurando um cigarro entre os dedos.  Essa seria apenas a primeira vez que ela me atacaria por assim dizer, das outras vezes ela seria mais intensa, mas sempre mantendo tudo em segredo e sem dar na vista. Aquela mulher me ensinou como as coisas são seja na traição ou em como abordar uma mulher em poucas e surpreendentes lições. Além de beber vodca, aprendi a fumar e como chupar e ser chupado. Não resta dúvida que para um recém ex-virgem como eu ela foi o mestrado nessa área do conhecimento humano.  Estava pronto para o doutorado em outras academias por assim dizer.



Nessa época em que tive contato seja com a empregada com a qual tive a primeira vez ou essa tarada mãe do colega de colégio, passei a ver meus familiares como personagens caricatos ou alegóricos. A caricatura sem dúvida é a essência fundamental à condição de vidas compostas de simulações que formam nossa sociedade. Minha mãe, sempre tão correta e durona, tinha seu lado doce e suave, mas parecia tentar esconder esse lado seco e repulsivo dela com algo que é reprovável para o mundo exterior. Em alguns momentos confesso que a mulher era intratável, pois passava a imagem perfeita duma mulher apática e sem a menor sensibilidade, totalmente submissa ao seu arbítrio autoritário. Isso só melhorou quando ela resolveu se casar novamente. Anteriormente os pretendentes dela pós-divorcio - que se resumem a dois sujeitos patéticos - me davam pena e asco, não pelo simples fato dela ser minha mãe e haver uma espécie de ciúmes, mas sim devido os sujeitos serem deploráveis mesmo. Para minha mãe que ainda estava no ápice de sua beleza e por ser uma mulher culta e sensível ver aqueles pamonhas sem atrativos físicos, masculinidade e inteligência cortejando ela era algo inaceitável. Queria que ela fosse feliz, mas não com aqueles sujeitos dessa laia.  Por fim ela acabou se casando tempos depois com um homem viajado, refinado e de porte físico apresentável. Depois de anos vivendo para os filhos, casa e trabalho ela tinha encontrado nesse homem alguém a sua altura. Quando ele faleceu, de cirrose ou outra coisa ligada a isso, por ser um inveterado consumidor de destilados, porém nunca passando o recibo de bêbado em lugares públicos, ela ficou consternada por ter perdido um leal amigo e companheiro admirável. Palavras dela ao se referir a ele naquele velório regado a chás e cafezinhos numa tarde de sábado de inverno.




O grande fato oculto nessas coisas, para pessoas que vivem apenas no repúdio do seu passado num presente intransigente com a realidade, é que nesses encontros de pessoas, e suas relações intensas que podem durar minutos, dias ou até anos, sendo que é nisso que reside a beleza que há na vida. Como nós não a percebemos essa beleza efêmera que surge e passa e ressurge com novos acontecimentos ou encontros de histórias ou momentos passamos a nos negar certos prazeres e não desfrutar de muitos momentos. A falta de felling e ressentimentos são o que impedem as pessoas de verem a beleza que há em suas histórias e em novas possibilidades. Muitas são mantidas reféns do modo de ser e por conseqüência opõem-se a uma mudança de vida. Isso me recorda duma ex-namorada que se assemelha a muitas outras. Giulia uma garota que um dia foi simples, mas que por ser confiante em demasia nos seus dotes intelectuais e também sempre tentando se mostrar ao mundo como uma garota sensual, muito segura de si e que sabe como lidar com o assédio masculino pecava justamente por viver nesse teatrinho. Com o passar do tempo suas guardas baixavam e ela se revelava frágil e insegura quanto a si mesma. Isso era insuportável para ela. Sempre que bebia um pouquinho mais disparava nela um mecanismo de revolta com fatos e coisas ao seu redor e ela passava a se tornar uma garota pedante, insensível e inconseqüente. No fundo tudo isso revelava que ela era medrosa, em tudo, até mesmo na cama. Quando ela descobriu que além dela havia também Aline e Bia como mulheres a qual tinha mais deslumbre ou afeição continua por elas, Giulia, da qual eu gostava de sua companhia por ela ser inteligente e agradável resolveu partir depois dum acesso de fúria deixando claro que tinha estragado com a vida dela.  Aquilo não me abalou, conhecia de longa data as histéricas e mulheres que se escondem em camadas e só se mostram como são quando existe alguma pressão intransponível que as fazem retirar seus adereços teatrais e descerem do palco.




No entanto, isso não condena ninguém à pecha de ser má pessoa, mas restringe muitas coisas que poderiam ser boas e se tornam degradantes.  Ao me encantar por algumas mulheres raras vezes eu também me deixei revelar. Sempre escutei que sou um sujeito misterioso, e por mais que isso ressoasse sem sentido, era isso que acabava por mostrar que também possuo fragilidades ordinárias comuns a qualquer pessoa.  Nada contra tornar apenas visível a ponta do iceberg que somos. Isso não é falsidade, nem ser mascarado ao ponto de ocultar todas as outras coisas que podemos esconder e jamais tornar evidente a quem nos cerque. Simplesmente pode ser bizarro à primeira vista se mostrar como é verdadeiramente. Isso pode quebrar o encanto e malfadar uma relação que poderia dar certo. As pessoas que se aproximam de nós muitas vezes se interessam por nós depois da primeira impressão, que segundo o ditado dizer ser a que fica. Isso parece ser uma mentira. Primeiramente é impossível conhece alguém ou saber muito dela num primeiro instante. Embora existam exceções, são as atitudes e não as aparências que nos surpreendem; de modo que isso vá além da tal primeira impressão que fica. Essa é a beleza da vida e das pessoas que perdemos por não sermos pacientes e perseverantes. Olhamos as pessoas e tentamos descobrir o que há de diferente nelas, mas muitas vezes sem se abrir para essa diversidade. No fundo isso torna claro que procuramos pessoas parecidas e semelhantes a nós em tudo simplesmente por não suportar que o outro seja de fato outra pessoa. A nossa percepção de realidade devido a um excesso de egoísmo e orgulho não internaliza a percepção da beleza de alguém que por ser diferente de nós poderia cair como uma luva em nossa vida. Como diria a canção Eduardo e Mônica: “eram nada parecidos... Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão E ele ainda nas aulinhas de inglês”



Como regra, acredito que tudo ou qualquer pessoa merece um olhar à parte. A cada dia que se passa cada um de nós estamos nos apresentando ao mundo mais uma vez, e não sabemos quem pode nos encontrar ou o que pode nos acontecer. Talvez seja por isso que a vida em da família seja muitas vezes maçante. Essa vidinha nos delimita espaços, oportunidade e até mesmo devido às obrigações e responsabilidades mata sonhos que poderiam ser concretizados com uma boa dose de equilíbrios entre o dever e querer. Há em nossas vidas, todos os dias, timbres e cores novas que precisam ser desvendados, ouvidos com atenção e vistos em seus detalhes de tons. Essa atitude de sempre ir à busca de algo novo nos enche novas possibilidades e determinação.   Não vivemos presos numa tribo onde a origem, regras e costumes nos definem e delimitam o que somos e devemos fazer. Às vezes é preciso sair fora dessa órbita para que até mesmo num delírio qualquer que possamos enxergar as coisas de cima numa visão mais ampla.  Talvez nos falte sabedoria. Afinal de contas, “o homem sábio basta a si mesmo” dizia Aristóteles. Esse é um pensamento também perigoso, pois pode levar ao extremo da solidão. Constantemente muitas escolas de filosofia ocidental se vêem diante dessa questão da solidão, muito mais do que a da sabedoria em lidar com as questões tais como solidão. Dizem que a solidão é um caminho para a sabedoria, no entanto, vivemos num mundo em que a introspecção parece uma praga das quais todos fugimos. A solidão se confunde com sintomas da depressão tão comum em nosso tempo e  embaraça e envergonha certas pessoas.



A idéia da solidão em abstrato ou concretamente é como se fosse uma maldição. Ninguém toma uma cerveja sozinho ou degusta dum saboroso prato numa campanha publicitária. Nenhuma estrutura da vida humana é baseada em alguém solitário. Até mesmo na bíblia a solidão é retratada como um momento de desamparo, desespero e final da linha. No entanto, as tradições orientais ou místicas, como do taoísmo ao hinduísmo, até mesmo cristianismo, deixam claro que a solidão como uma etapa indispensável para o autoconhecimento. Na China e no Japão antigos, os homens poderosos se recolhiam à solidão monástica no final da vida em busca da elevação espiritual.  Cícero resumiu isso assim: "Quem depende apenas de si mesmo e em si mesmo coloca tudo, tem todas as condições de ser feliz". Já Schopenhauer se deteve longamente neste tema da solidão. No final de sua vida, morava em Frankfurt na companhia do seu cão poodle. Tinha poucos amigos e jamais se casou. Mais que pregar a reclusão, ele a praticou. E os ecos de sua voz se ouvem em múltiplos lugares em nossa sociedade atual. Movimentos como o Existencialismo e artistas como Tolstoi, Proust e Wagner sofreram intensa influência da voz pessimista ou, simplesmente realista, de Schopenhauer. Creio que Rust Cohle do True Detective seja um exemplar disso, apesar da referência autoral ser outra. Todo homem digno, segundo ele, é retraído: "O que faz dos homens seres sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nesta, a si mesmos". As pessoas retraídas, numa cultura que supervaloriza a tagarelice vazia e a desenvoltura social, podem sentir-se diferentes das outras e, para pior. Se lerem Schopenhauer, terão outra visão de si próprios, francamente mais positiva no meu entender.


Não há por que discordar disso ou concordar inteiramente, mas onde quero chegar trazendo isso à baila é que existem muitas pessoas que vivem cercadas de pessoas, todas elas cada um com suas mascaras vivendo em comunidades de pessoas solitárias. Veja só o caso da mulher que tem um amante, que sabe que ele é casado. Isso é delimitador e propagador duma espécie de solidão para quem vive sempre na sombra da outra vida do seu amante. Isso é uma forma de solidão mesmo que haja alguém em sua vida.  Já fui acusado de causar isso, não apenas por haver outra vida ou pessoa no centro de tudo, mas por colocar o trabalho como prioridade em diversas fases da vida. Desde o começo dos meus relacionamentos ou casos ouço as frases: “Você me deixa sozinha” ou “Não suporto mais viver te esperando para você aparecer quando bem entende”. Nos dias anteriores havia escutado isso de todas as mulheres com quem tinha filhos. Elas sempre bateram nessa tecla, além dum teclado inteiro que parecia se repetir no conteúdo e estilística.  Isso já estava devidamente absorvido e compreendido, o que deveria aprender disso é como aquilo que aprendi com aquela mãe do meu colega de colégio que me deu em alguns encontros fortuitos lições de como as coisas são. As coisas mais impróprias por assim dizer, sem dúvida aprendemos mais rapidamente, já as que são mais difíceis que remontam ao nosso modo de ser e caráter são complexas, levam tempo e precisam ser maturadas e aperfeiçoadas.  Parecia que tinha chegado ao estágio final desse segundo aprendizado. Que estava prestes a me formar na escola da vida nos assuntos atinentes a como ser uma pessoa melhor e mais madura sem cair nos mesmos erros do passado. Podemos encarar isso como uma coisa saudável que muita gente deixa para depois ou evita tornar um processo de aprendizado para tornar sua existência mais qualificada.



Tenho uma amiga que é psicanalista, e ela em pouco tempo rompeu com meus preconceitos sobre certas coisas do ramo da análise do nosso comportamento e emoções por profissionais da área. Sempre soube que ter uma espécie de confessor ou conselheiro faz bem, seja para os assuntos da vida ou nos negócios é algo salutar ter um guru ou tutor nesse sentido. Na vida fui agraciado por muitos professores e mestres nesse sentido. Entretanto, parecia ter chegado a hora que deveria buscar quebrar os últimos pontos onde existiam coisas escondidas e arquivadas nesse teor dentro de mim. Para tratar isso com a devida sabedoria deveria fazer isso sozinho, sem interferências alheias ou subjetivismo intruso de quem quer que seja. A idéia parecia bastante precisa e muito recompensadora, mas não iria para nenhum mosteiro budista ou ficar trancafiado em algum lugar ou meditando o cosmos para abordar esses temas.  Antigamente quando fazia isso, passava uma semana inteira bebendo preso num apartamento por pura indolência em encarar as coisas frontalmente. Isso fazia pegar os assuntos duros da vida pela beirada e chacoalhar ou debater eles como uma colcha de retalhos para que só restassem os pontos principais. Todavia, na vida descobrimos que são os detalhes de tudo que vivemos que tornam as coisas mais claras.




Naquele domingo levantei da cama ainda com o sabor do whisky entre dos dentes. Parecia que o sono havia sido cortado no meio e alguma coisa havia me despertado antes. Segui até a cozinha e como a dispensa estava completamente vazia e na casa ao lado não era mais mamãe e titia quem moravam e sim minha irmã que detesta visitas surpresas. Assim sendo, fui obrigado a sair para um fazer algumas comprinhas de itens básicos de sobrevivência. Não obstante disso, Ivan e Bia viriam almoçar em casa a meu convite também e precisava preparar algo decente. Na volta dei o azar de passar na frente da casa de Agatha que é caminho da minha casa; e ela estava cuidando do seu jardim, isso me fez crer que para quem disse que iria se mudar de cidade e deixar tudo para trás, estar cuidado das flores era um sintoma de quem não irá de fato partir. Talvez... Isso se deve ainda a ela ter esboçado uma intenção de dizer: “Vamos tentar mais uma vez, uma ultima vez”- porém interrompeu o raciocínio que levava a esse pedido na conversa protocolar que tivemos no dia anterior. Continuei a rotina daquela manhã sem pensar mais nisso e logo meus convidados chegaram e para minha surpresa a minha sobrinha e irmã se juntaram a nós trazendo mais comida. Elas estavam ali para me convidar para almoçar com elas. Todos reunidos num almoçamos descontraidamente num almoço ligeiro, pois cada um delas parecia ter compromissos para o restante da tarde, ao contrário de mim, que estava a deriva e pedi para passar a tarde com Ivan. Como a atração na cidade naquele dia era a manifestação e tinha recebido convites de alguns amigos locais para ir com eles, logo nos encontramos num ponto e seguimos para o manifesto. Bia acabou nos encontrando no meio do evento para buscar e Ivan e depois disso segui com meus amigos, tomar cerveja e fazer uma boquinha.



Ivan parecia ter puxado o meu dom para fazer amizades femininas facilmente, pois assim que chegamos à manifestação ele logo ficou amiguinho da filha de Letícia uma das garotas que estavam no meu grupo de amigos. Ele e a filha dela passaram um bom tempo se divertindo com aquele barulho e excesso de gente na rua. Isso aproximou eu e Letícia o tempo todo do evento e a conversa com a simpática mãe da nova amiguinha de Ivan se estendeu até o momento da chopada da galera. Parecia que a noite tinha tudo para tomar outros rumos, mas ficou apenas naquele chopinho amigo e até uma próxima vez. Entretanto, parecia que a fase de bilhetinhos não havia cessado ainda. Letícia algumas horas depois enviou uma mensagem de whatsapp dizendo o já conhecido: “adorei a nossa conversa”. Parecia que anos a fio de diálogos com as mulheres tinha me dado uma habilidade sem igual de tornar qualquer simples conversa com mulheres num gesto de sedução ou isso era simplesmente um feedback de mais uma mulher carente em busca de companhia. Nem todas que se rendem a esses subterfúgios da conversa fácil são necessariamente carentes. Há ainda umas duas ou três subdivisões que podem rotular as mulheres, mas irei me deter numa que é a pior de todas. São as canalhas carentes. Essas sim são a podridão dos relacionamentos fortuitos. Para resumir são aquelas mulheres que ao mesmo tempo que são devassas, são encalhadas e por serem encalhadas são carentes. A tipicidade desse tipo de mulher em qualquer lugar da sociedade me remete ao perfil da minha secretária Évelin. Aquela tendência a ir facilmente para cama pelo puro prazer de ser consumida pelo primeiro cara idealizado por ela a ser o seu príncipe encantado para fazer dela nem que seja uma amante é a faceta desse tipo de mulher. São as mais ordinárias e que trazem maiores danos. Não dá passar ileso aos arroubos de intrusão e desfeitos de mulheres desse tipo quando elas não obtém o que achavam que deveriam ter.

Se uma coisa que a experiência traz para os homens sábios e talvez para algumas mulheres sábias, é em primeiro lugar a capacidade de selecionar seus amantes, seus affairs e companhias sem cair nas falhas de se envolverem com alguém que seja altamente carente e desmiolado ou que já esteja num relacionamento oculto. Em segundo lugar a sabedoria da experiência os leva a considerar que é melhor ficar sozinho do na companhia de pessoas do porte supracitado. Havemos de concordar que ninguém que se preze como uma pessoa bem abalizada em sentimentos seja capaz de conviver com outras pessoas que apenas a usam e descartam ou que infernizam sua vida com surtos emocionais cretinos. Consideradas as possibilidades de um tiro sair pela culatra e haver algum engano nessa seleção por mais experiente que seja a pessoa nesses assuntos, ou quando isso ocorre por puro azar do destino, o melhor é chutar o balde e se livrar desse tipo de gente para resolver os conflitos. Foi exatamente isso que fiz desde Évelin como uma amante eventual e com Agatha como titular da situação. Esse tipo de mulher quando ingressa na sua temporada de neuroses podem saber... quem paga o pato é você...

Tomei consciência disso ao checar as ligações perdidas naquela noite, havia recadinhos como os de Letícia que aparentemente era uma mãe solteira que tinha ido com a minha cara por fazermos parte do mesmo grupo de amigos. Já as ligações perdidas eram um festival de perseguição de Agatha e Évelin com inúmeras ligações perdidas ao longo do dia. Se tivesse atendido alguma daquelas ligações ao longo do dia certamente teria ingressado numa espécie de buraco negro que suga sua paciência tornando o seu dia num aborrecimento. O simples fato de retornar uma dessas ligações, mensagens, seja lá o que for, é um erro tremendo que precisa ser evitado. Caso contrário lembre-se: O seu dia irá pelo ralo. Nesses momentos é que a sabedoria e solidão devem ser privilegiadas. Diante de situações onde tudo já chegou a um ponto sem volta, o mais compensatório é manter-se longe dessas pessoas tóxicas emocionalmente. Deixar a maré fluir até aparecer uma pessoa legal e disposta a ser uma companhia agradável e coberta de reais boas intenções. Trocando em miúdos: Fuja de encrencas e gente instável emocionalmente. O preço a ser pago é em parcelas altas e com juros e correção que consomem suas energias e desgastam seu dia a dia. Rezo para nunca mais incorrer nesses erros.

     
Como estava sem sono e com assuntos de trabalho pendentes para o dia seguinte resolvi me concentrar em ler alguns memorando e relatórios ao mesmo tempo em que batia papo com alguns amigos pela internet. A noite solitária sem se envolver com ninguém fisicamente é proveitosa quando sabemos desfrutar do prazer da nossa própria companhia e nos valer dum menu de bons amigos que são realmente amigos, sem nenhum envolvimento sexual na parada. Naquela noite percebi que precisava me reciclar em relação a alguns velhos amigos que já estavam se tornando também tóxicos. Não por culpa deles diretamente, mas sim do veneno lançado pelas víboras que tendo eles também no menu de amizades comuns  amaldiçoam e renegam determinadas amizades ao patamar de intrometidos e bisbilhoteiros nos relacionamentos alheios. Nisso se separa o joio do trigo, e desta vez tinha percebido que algumas amigas de Agatha, só eram amigas delas ou minha conforme a situação do nosso relacionamento. Em outras palavras, estava sendo espionado por uma amiga dela que fazia-se de sonsa para obter informações sobre como estava me sentindo em relação ao nosso rompimento. Já havia identificado a falsidade das amigas de Agatha de longa data, mas desta vez estava disposto a jogar o feitiço contra o feiticeiro numa espécie de vingancinha marota por puro passatempo. Convidei uma dessas bisbilhoteiras para jantar no dia seguinte. Primeiro a mui amiga de Agatha hesitou em aceitar, mencionando que não pegaria bem. Depois, talvez após uma prévia confabulação com sua mandante; aceitou docilmente o convite. Meus planos para aquela segunda-feira estavam traçados: um dia repleto de reuniões e um jantar com uma das espiãs de Agatha. Fechada a agenda para o dia seguinte fui dormir candidamente como se fosse um anjinho.