Adoro
o mês de abril no calendário de trabalho da empresa. Apesar de ser cansativo
devido à rotina puxada com maratonas de reuniões preliminares pré-assembléia de
acionistas e eventos empresariais ou algumas visitas comerciais, o clima
interno com corredores movimentados, conversas amistosas e piadas; além dos
jantares e happy hours conjuntos pós expediente que possibilitam reencontros
com parceiros nos negócios dão um toque especial nessa rotina.
Acordei
naquela segunda-feira animado para uma semana que teria acontecimentos
totalmente inesperados. Logo de manhãzinha depois do rito
banho-barba-cabelo-bigode resolvi usar um básico terno negro com camisa branca
para o primeiro dia de maratona no escritório. Antes de chegar ao escritório o
primeiro compromisso do dia seria tomar o desjejum com Vera, minha amiga
psicanalista. Não era uma sessão de terapia no breakfast, mas sim um conversa
matinal que era o nosso momento a dois platônico, por ela ser casada e eu o
amigo mais jovem que parecia retirar ela do seu mundinho matrimonial tedioso
sem a necessidade de ser propriamente um caso. Pontualmente as oito da manhã
chegamos juntinhos nos cumprimentando com um toque de buzina no estacionamento
e um aceno e sorriso. Em particular naquela manhã Vera tinha caprichado no
visual: o tom de loiro escuro aliado a um corte moderno, a maquiagem leve que
realçava o contorno dos olhos de esmeralda, as maçãs do rosto e boca carnuda
com aquele leve toque de rouge. Quando ela saiu do carro seu corpinho
longilíneo era o cabide perfeito para o tailler preto e branco.
Contemplar
mulheres que deixam se levar pela vaidade sempre foi um dos meus hobbys
preferidos. Todas as mulheres da minha vida não são mulheres na maioria dos
casos top-models, mas todas elas detinham à sua maneira um glamour tanto na
aparência quanto no estilo que as tornava peças raras em meio a outras mulheres
que preferem apenas ficar no básico do básico dos cuidados com a vaidade e
aparência. Em casa, nos passeios e festas ou até mesmo no trabalho cada uma
delas sabia tornar um reles terninho de trabalho ou moleton caseiro batido por
anos numa bela fotografia duma mulher que exala feminilidade. Essa é a beleza
que transcende roupas caras ou uma simples camiseta de jeans. Cada uma possuía
um estilo que tornava cada modelito de acordo com seus traços físicos numa
atração aos meus olhos. Cada uma delas, ao seu modo, sabia valorizar
adequadamente seu corpo e rosto, o pecado delas ficava invariavelmente no lidar
com suas próprias emoções. Eis aí talvez o dilema hegeliano da aparência.
Desci
do meu carro caminhei em direção a Vera questionando onde iríamos cantar devido
estarmos formando um par com cores idênticas ela sorriu e ficou paradinha como
uma estátua que parecia saber que estava sendo comida pelos meus olhos. Era
esse tipo de coisa que ela confessava que o seu marido não fazia mais em
relação a sua bela esposa. Ao aproximar-se ela me deu bom dia, e eu lhe dei um
“como você está cheirosa” e colando a palma das mãos na parte inferior de suas
costas quase na cintura a conduzi para dentro da cafeteria que era nosso point
de encontro de algumas manhãs regadas a café ou suco de laranja e boas
conversas sobre acontecimentos cotidianos. Sentamos lado a lado na mesa de
sempre, um lugar menos visível onde ficávamos mais a vontade. (Sentar na
vitrine é para os amadores) Contei sobre minhas viagens recentes e alguma coisa
passageira sobre Agatha. Nesse ponto Vera se diferenciava de muitas outras: ela
talvez por dever de ofício sabia escutar cada detalhe do que lhe dizia sem
interromper ou trocar de assunto, quando intervinha com sua voz firme e postada
ela fazia comentários rápidos de deixava que o seu interlocutor terminasse o
que tinha a dizer somente para depois tomar a palavra. Isso numa mulher é
sinônimo de elegância, as falastronas imoderadas, sempre irritam e deixam os
homens sem ouvir o que elas tem a dizer devido a esse comportamento feminino
desajustado. Algumas mulheres na certa não detém essa facilidade de conter-se
numa conversa, muitas atravessam frases alheias com quem quer que seja e tomam
conta do enredo da conversa trocando de assuntos, cambiando entre comentários e
informações inúteis. No quesito conversar Vera era a mestra das conversas
agradáveis e produtivas devido a esse modus operandi de saber quando ouvir e
quando falar.
Após
o desjejum e conversa ela colocou seus óculos de sol me deu mais um sorriso e
disse: Amanhã no mesmo bat horário e bat local? Aquele jeito de falar como seu
eu fosse uma criança em certos momentos e ajeitar o meu cabelo antes de
arrematar a despedida com um beijo no rosto, tornava o jeito sóbrio e bondoso
duma psicanalista com o casamento falido numa coisa ainda mais surreal para
certo padrões de mulheres na mesma condição. Naturalmente que muitas mulheres
depois de anos casada e habituada a conviver com o mesmo homem, perdem o jeito
de lidar com outros homens, ainda mais os galanteadores. Elas se fecham em
torno da vida familiar e constroem a vida em torno daquilo como se mais nada
existisse em muitos casos. Parecia ser esse o pano de fundo que explicava Vera,
aquela típica boa esposa que tudo faz e suporta pelo sucesso da família, a qual
apesar disso, nunca foi reconhecida pelos sacrifícios pessoais. A Vera de antes
- quando a conheci - parecia uma mulher cansada e abandonada a própria sorte, e
isso se refletia no modo como se vestia e cuidava de si mesma. No começo ela
esboçava temores sentia-se aflita em abrir-se, isso para uma psicanalista
parecia um tanto contraditório, mas aos poucos confiando na nossa amizade ela
passou a se soltar e aos poucos passou a falar sobre si mesma, deixou de lado
desde um corte de cabelo convencional e roupas iguais umas as outras de lado e
passou a investir mais no seu lado mulher. Ela parecia sempre grata e feliz
quando estava comigo, aquilo para mim era sensacional, pois sem haver algo
entre nós em outros teores, tudo transcorria de formidavelmente numa pura e
profunda amizade tenaz entre homem e mulher.
Chegando
ao trabalho, fui cumprir a minha rotina de quase todas as manhãs. A começar
pela liturgia sagrada da secretária. Sempre que chego ao escritório o primeiro
briefing diário sempre é com a secretária. Pode ser o Papa a estar na antesala
de recepções, o privilégio de ser recebida antes de todos para uma reunião de
pauta diária é sempre da secretária. Mais uma vez estava diante duma loira,
dessa vez de cabelo mais claro, rosto branco quase pálido e olhinhos claros
meio tristonhos com um ar de pureza ou conformação. Esse é o rosto de Daniele a
minha assistente de Curitiba. Entretanto, o jeito tranqüilo, quase parando
dela, a voz suave baixa, parecia contrapor ao corpão de pernas longas, costas
largas e mãos macias grandes sempre ornado com aquele relógio pequenino no
pulso e um anel dourado. Dani era sem dúvida a contraposição do estilo com as
suas proporções e isso me agradava nela. As roupas sempre em tons clarinhos,
pele clara, olhos claros, jeito de falar macio e pausado, ela era uma espécie
de anjinha no corpão duma mulher alta e esguia. Sempre ficava apreciando o
jeito dela se sentar na ponta da almofada do sofá da minha sala com joelhinhos
juntinhos deixando sempre a canela e panturrilha alvas a mostra como se fosse
um docinho à vista para um garoto guloso.
Até
então naquela manhã tinha encontrado com duas mulheres calmas e serenas, cada
qual ao seu modo com seus dilemas, pois uma era casada e outra uma jovem viúva,
ambas pareciam ter renunciado ao amor depois disso de certa forma. Com base
nisso, sempre que estavam em minha presença eu me deliciava em fazê-las
furtarem-se desse jeito delicado e tão conservador de se comportar. Era uma
espécie de brincadeira ou reverência da minha parte em relação a elas. Adorava
ver elas corarem com certas coisas que dizia em tom de provocação. Nenhuma delas
me acusava de assédio, pareciam gostar daquelas provocações com frases ou
comentários sobre alguma coisa em relação a elas. Assim que Dani se ausentou da
sala, recebi meu primo, o qual estava contratando para me assessorar em
agrobusiness. A primeira coisa que ele fez ao entrar na minha sala foi indagar
se a secretária era casada. Em resposta disse que mesmo que não fosse casada eu
nutria grandes ciúmes pelas minhas secretárias e não seria um canalha como ele
quem iria se dar bem com alguma delas.
Em
seguida a esta reunião com ele segui para um dia de debates sobre regras de
compliance e governança corporativa. O cheiro de cafezinho já tomava conta dos
corredores. Na sala de reuniões lá estavam sócios e dirigentes do alto escalão
empresa e para minha surpresa Aline, a qual não esperava rever tão cedo. Aline
estava presente por questões óbvias, mas o efeito surpresa de encontrá-la ali
mexeu comigo. Como estava posicionado num extremo da mesa, na cabeceira, e ela
na outra ponta a comunicação verbal com ela era inviável, mas a comunicação
visual entre nós foi a grande pauta daquelas reuniões da manhã. No primeiro
momento que a vi, ela estava compenetrada em seu lap-top, cumprimentei cada
membro presente na sala fazendo um giro pela mesa e quando me aproximei dela
disse que não esperava pela grata surpresa. Aline ajeitou sua franja que
escondia seu olhar de chocolate realçado por sobrancelhas arqueadas sorriu e
disse com seu típico sotaque nordestino: “Foi de última hora”. Logo em seguida
a sessão de tapinhas nas costas, a reunião começou para valer, fiquei nos
primeiros momentos tentando disfarçar e evitando olhar na direção dela, para
não evidenciar ainda mais a minha surpresa com a presença dela. Aos poucos
entre um tema e outro, Aline se levantou para pegar um documento, ao retornar
veio com cópias impressas, fui o primeiro a receber das mãos dela aquele papel.
Nesse momento percebi que ela não tinha perdido comigo um nuance do seu
comportamento comum nessas reuniões. Como sempre fora, ela deixava o papel na
minha frente e prestava uma explicação rápida sobre o que se tratava o assunto
ao pé do ouvido. Dessa vez ela foi tão intensa quanto antes nesse quesito,
quando colocou o papel ao meu lado, ela ainda pousou sua mão e braço cheio de
pulseiras nos meus ombros e explicou como sempre fez a temática em pauta. Nesse
exato momento o clima entre nós passou a ficar como nos velhos tempos, com a
diferença que ela sentava desta vez do outro lado da mesa e não ao lado da
cabeceira. Estava aberta a sessão de trocas de olhares durante o restante da pauta.
Passamos horas sem dizer uma palavra diretamente um ao outro, mas nos
comunicávamos com olhares e expressões faciais tentando manter ao máximo a
discrição sem o menor sucesso.
Durante
o almoço, minha irmã estava ao meu lado na mesa do restaurante, e resolveu me
alfinetar sobre as trocas de olhar com Aline. O tom dela era de reprovação como
sempre. Dizia que eu tinha acabado de terminar um noivado e já estava correndo
para os braços da ex-amante. Desabotoei o botão do meu paletó, deslizei uma das
mãos das bochechas até o meu queixo, encarei ela com um olhar de “vá se foder”
e mandei ela cuidar da vida dela, recordando que o fato de ambas estarem ali era
profissional e não pessoal. Isso a irritou, e deixou o prato de salada dela
temperado com o veneno contido que escorria pelo canto da boca dela. Como o
clima entre eu e minha irmã estava meio conturbado desde a viagem à França,
devido uma decisão arbitrária da nossa mãe em torná-la minha vizinha sem me
consultar, a coisa tendia a ficar mais acalorada devido o gênio de cão de
Agnes. Todavia a nossa guerrinha pessoal não parou por ali, foi só mais uma
batalha. No retorno ao escritório, mais precisamente ao conclave empresarial na
sala de reuniões, a parte da tarde se destinava a parte jurídica da ordem do
dia. Essa foi a deixa perfeita para irritar ainda mais Agnes e colocá-la no seu
devido lugar por assim dizer. Pedi para ela trocar de lugar com Aline devido ser
uma reunião sobre assuntos jurídicos e como Aline é advogada e ela
administradora precisaria trocar figurinhas com ela durante a reunião. Agnes me
olhou com uma faceta de Dilma Rousseff com raiva, disse um “tudo bem” meio
bufando, levantou-se com seus pertencentes, e mudou de lugar como se sentisse
rebaixada no quadro funcional da empresa. Dessa vez passaria o resto da reunião
recebendo olhares mordazes com advindos da outra extremidade da mesa.
Por
outro lado, Aline parecia compreender perfeitamente os meus gestos diplomáticos
em relação a ela. Em São Paulo tinha me esquivado de falar diretamente com ela,
me comportado com frieza em relação ao retorno dela para a empresa. Naquele dia
em Sampa queria deixar claro que era uma decisão profissional sem razões pessoais.
Mas a quem eu queria enganar não é mesmo? Ao revê-la em Curitiba minhas
máscaras caíram. Pela manhã antes de cumprimentar a todos, fiquei parado
observado aquela moça de rosto de traços finos, olhar penetrante emoldurado por
uma escova com cachos longos concentrada no lap-top. Quando ela se deu conta
que eu estava ali feito bobo, observando ela, eis que ela solta um dos seus
gestos clássicos de cumprimentar mexendo os dedos com um sorrir de menina nos
lábios. Aquilo derreteu o meu gelo por ela imediatamente e tornou-se um
aquecimento global dentro mim. Pela tarde, quando ela se transferia dum lugar
da mesa para outro, lá veio ela com suas pulseiras chacoalhando no braço, fiz
questão de fazer a velha pergunta de sempre: “Por que você usa tantas pulseiras?”
– ela em resposta: “Você sabe que gosto de pulseiras”. Sim, ela disse “você
sabe”, não disse nada além disso. Ela sabia o quanto eu sabia sobre o hábito
dela usar milhares pulseiras nos braços. Quando fazíamos amor, essas mesmas
pulseiras balançavam com o movimento de nossos corpos. Aline tinha o hábito de
ficar nua apenas com suas jóias, seja o monte de pulseiras, colares, brincos,
anéis, esses ficavam sempre intocados ao despir-se. Era a marca registrada dela
viver empilhada de jóias. Somente no banho que retirava seus acessórios e logo
em seguida os colocava como se sentisse despida sem correntes, brincos e
pulseiras. As pulseiras são o top do visual dela, pois Aline sem pulseiras não
é Aline. Os sapatos de salto alto são outro vício dela. Dizer que ela tem
centenas de sapatos não é exagero é o fiel retrato duma mulher que depois duma
manhã de amor, saia para fazer compras no shopping e voltava cheia de sacolas
com o mesmo sorriso de prazer como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Possuir
esse nível de intimidade com as mulheres, ao ponto de conhecer seu modo de ser
em coisas simples e respeitar seu jeito de ser em tudo, sem as tolher nesse
aspecto é uma das chaves mestras para que elas se sintam sempre felizes ao lado
dum homem por um longo período de tempo. Eis o aprendizado de longo prazo:
Quando era casado com Valéria, uma moça mimada e mãe de primeira viagem, a vida
nesse sentido era infernal. Ela não respeitava o meu modo de ser e eu odiava o
temperamento infantil dela. Vivíamos em pé de guerra com brigas constantes. Um
pouco mais adiante na vida convivendo com Regina durante a gravidez dela, foi
quando aprendi a ser mais paciente e delicado com algumas coisas que poderiam
gerar atritos. Essa mesma paciência se esgotaria mais tarde no casamento com
Bia. Após meses e meses de desentendimentos e silêncios em face das reclamações
sem sentido dela, a coisa desmoronou totalmente devido não haver mais paciência
em lidar com estado depressivo dela sem explodir com ela a cada instante ou
encher a cara de bebida. A expressão:“Para se conhecer uma pessoa é necessário
comer um saco de sal com ela” é real e ilustra bem esses episódios. Dessa vez
Agatha era quem havia esgotado minha paciência com ela. Por mais que soubesse
do temperamento difícil dela desde sempre, mesmo sabendo que o nível de ciúmes
dela seria doentio, que ela seria controladora eu apostaria all in no lado
inverso da moeda. O lado afetivo e doce que sabia integrar pessoas ao seu lado
era ao mesmo tempo o lado que atraia e afastava as pessoas dela. Nesse cara e
coroa, apostei na gangorra que é temperamento e personalidade de Agatha e paguei
o preço do erro de cálculo e excesso de condescendência. Nunca tentei domar ou
retificar esse céu e inferno que ela tem o dom de transformar tudo. Achava,
ingenuamente, que o tempo seria um antídoto para a natureza montanha russa
dela, porém estava equivocado, havia tornado a aposta realizada num prejuízo
irreversível.
Com
Aline, também havia atravessado a fase de surtos dela, por mais desapegada que
ela fosse de certos padrões, tais como possessividade, ciúmes, insegurança,
houve um momento em que as expectativas dela em relação a nós dois mudou e
surgiu como um vulcão em erupção esses quesitos nela duma forma um tanto
sombria até mesmo. Ela parecia obstinada a ser a mulher pela qual eu me
renderia para toda uma vida. Ela apostava alto nessa concepção que teríamos um
casamento, um filho, uma família adequada às ambições dela. Se nos casássemos
ela compreendia que seriamos imbatíveis, destinados aos mais elevados postos da
carreira, até mesmo da vida pública. Ela sonhava com isso com passionalidade
crendo que ela seria a única dentre tantas outras. Nesse ponto, ela tinha um
admirador incondicional, meu pai. Ele que sempre me incentivou sem sucesso para
trilhar uma carreira política enxergava em Aline a esposa perfeita com os
planos iguais ao dele. Queria que realizasse a obra prima dele como king maker.
Por vezes me senti seduzido pelos planos dele e de Aline que eram idênticos
nesse sentido, mas nunca me senti totalmente disposto a trilhar uma vida onde
as aparências e luta diária por influência social seriam a alma do negócio.
Preferia deixar os meus dotes nesse sentido reservados para os meus afazeres
profissionais e pessoais sem ingressar nesse universo. Tudo aquilo do mundo da
política que tinha visto com meu pai anteriormente soava como oposto a muitas
coisas que prezava, como uma vida longe de pessoas interessadas e viciadas em
poder e gloria sem a menor razão de ser.
Quando
Aline perdeu o bebê, ela ainda nutria esses planos, mas a forma que ela tinha
passado a impor isso se tornou um tanto obsessiva ou demagógica. Rompemos
devido ela querer realizar algo que certamente iria nos destruir mais a frente.
Ela não estava disposta a medir atos e consequencias, por isso ficou grávida,
optou por fazer grandes planos futuros sem o consentimento alheio de muita
gente ao seu redor. Traiu amizades, fez o diabo para conseguir abrir caminhos
naquele universo, e só recuou quando esse excesso de sacrifício se viu fadado
ao primeiro insucesso. Quando ela teve um choque de realidade ficou péssima,
resolveu afastar-se, desaparecer, porém agora voltava com o brilho de antes,
daquela menina audaz e alegre que cativa qualquer pessoa. Restava saber se
ainda existia nela o ímpeto e obstinação por seguir esses planos, sem dúvida
ela não larga o osso facilmente. Em outra medida, aquela moça de sorriso fácil
e jeito extrovertido tinha sido totalmente restaurada após a decepção da perda
do bebê. Um ano ou mais tinha se passado desde então. Da minha parte, sentia
pena dela em certos momentos, uma espécie de angústia por ela não ter aquele
bebê que poderia torná-la mais amena e menos dócil às suas ambições
exorbitantes.
Muitas
vezes queremos cercar as pessoas de carinho, afeto e proteção, porém ocorrem
tempestades perfeitas por inúmeros fatores que não terminam em arco-íris ao
final de tudo. Parece haver uma convenção opinativa a respeito das mulheres que
negam ou adiam a maternidade, seja por vontade própria ou acaso do destino,
todas elas são vistas como se lhes faltasse algo na vida. Um exemplo disso era
a juíza vizinha de apartamento, ela parecia fugir da maternidade, tudo no
comportamento e palavras dela nesse
sentido levava a crer que ser mãe seria um empecilho para sua carreira e
planos. Ao contrário seria Aline, talvez por ter sido criada numa família
tradicional e linhagem conservadora, acreditava que seria através da família
como uma entidade de aliados o meio pelo qual ela teria energia, forças e
cumplicidade para atingir seus objetivos. Em certo sentido ela detém razão,
pois sem um porto seguro que nos proteja das tais tempestades perfeitas que nos
atingem não há como passar ileso por certos acontecimentos. Entretanto, isso
não se convenciona numa regra geral de uso comum. Ora quantas vezes pessoas sem
esse aparato familiar ou até mesmo distanciados de familiares lutaram e
alcançaram seus planos. Essa dinâmica de concepções me levava a acreditar que
Aline ainda nutria suas ambições anteriores e que ela ainda enxergava em mim –
e isso é algo recíproco em nossa relação – um cúmplice perfeito para seus
desejos e planos. Nesse sentindo é inegável que há entre nós uma química ou
magnetismo que nos atrai um para o outro e nos faz fundir energias para
obtermos êxito em nossos planos. Sempre costumava dizer para Aline que ela a
minha versão feminina devido sua dedicação às suas ambições e disciplina em
manter tudo a sua volta num eixo ligado aos seus planos sem desperdiçar
oportunidades e sem falhar nas metas principais.
Isso
me remete a uma lição de empreendedorismo no campo na chamada inteligência
emocional: Resta evidente que pertencemos a um sistema de relações
humanas centrado na premissa da dominação. Há muitos séculos definiu-se,
erroneamente, que o poder sobre as pessoas é a capacidade de controlar elas
para atingirem o objetivo do dominador. Muitas teorias políticas partem justamente
dessa reflexão em torno do poder como meio de controle das pessoas, ou de
desvirtuamento da natureza humana para atender a essa linha de pensamento da
dominação. No reverso disso se encontram pessoas que manifestam poder de outras
formas, não se valem da força ou da alienação. Vemos casos de pessoas com poder
emocional e carisma capazes de mover pessoas a fazer o bem não pela dominação,
mas sim pela sua persuasão emocional. Geralmente este tipo de pessoa são os
gurus, mestres espirituais, ou pessoas com algum nível de primazia em seus
círculos pessoais. São pessoas que inspiram paixão, e que centram suas
premissas de valores em aspectos espiritualmente conscientes, ao ponto de se
interessarem pelo destino do próximo e se preocuparem em não extrair o poder
dos outros, mas sim o mlheor deles em prol dum objetivo comum para todos. São
capazes de reunir energia e aptidões suficientes para enfrentar os problemas
com equilíbrio e sensatez.
Eu pessoalmente creio que o equilíbrio emocional e mental se
correlacione a própria essência da palavra. O equilíbrio em suas muitas
acepções nos remete a idéia de estabilidade de forças. Pessoas que sabem
equalizar e focar suas forças conseguem atingir seus propósitos com mais
rapidez e facilidade do que outros que patinam e não saem do lugar. Não que as
coisas se tornem magicamente fáceis ou mais rápidas, mas o condicionamento
interno para desprender de certas coisas e aplicar suas energias no que é
essencial é o que torna esse tipo de pessoa uma locomotiva que chega onde quer
chegar como se estivesse nos trilhos a
todo vapor. Esse senso de estabilidade e
foco muitas vezes alimenta a paixão, e como se sabe é esse sentimento que serve
de energético para muitas coisas na vida. Em contraponto a isso podemos extrair
a disciplina, em diversos sentidos, mas a que nos interessa aqui é a disciplina
emocional. Pessoas que não sabem gerenciar seus sentimentos, vontades, não
conseguem se relacionar qualitativamente com ninguém, não sabem amar, pois o
egoísmo ou até mesmo inveja toma conta da maioria de suas percepções
individuais. É evidente que é importante possuir auto-estima, mas isso serve
para defender nossa singularidade, e não para impor nossos moldes e essência
aos outros. Isso seria tirania. Devemos ser leais a si mesmos, às nossas
convicções e consciência, devemos aprender a buscar a verdade para que possamos
ser leais a si mesmos, as nossas intuições e a quem amamos. Sem isso não somos
capazes de compreender e sermos compreendidos, pois nos fechamos como ostras
que querem produzir o bem apenas para si próprio. Portanto, é isso que deve nos
levar para fora de si mesmos para que sejamos capazes de superar nossas
incertezas e ignorâncias. De alguma forma é isso que nos torna livros abertos,
ou pessoas livres e abertas ao que a vida tem a nos ofertar de melhor.
Tendo
isso como pano de fundo que justifico a minha angustia pelo fato de Aline ter
perdido nosso bebê. Eu sei que um filho é uma grande alegria e muda certas
coisas em nós, mas não muda tudo, muda o que se deve ao acontecimento em si
mesmo. Com o passar do tempo se nos tornamos pessoas gradativamente fechadas em
si mesmas, até mesmo nossos filhos, ainda mais os que convivem diariamente
conosco, se afastam de nós. Ingrid se afastou de Agatha devido às ações da mãe,
muitas delas de forma egoísta e intrusa. Marie chegou ao ponto de fugir de casa
quando sua mãe estava lhe ditando regras excessivamente. Todos nós fugimos de
coisas desse tipo por sermos livres. Combatemos da forma que podemos qualquer
censura ou agressão á nossa liberdade de expressão. Isso vale para os
sentimentos também.
Voltando
àquela tarde de reuniões, nada de novo ocorreu, pois seria a noite durante um
jantar de inauguração duma clinica que tínhamos construído o edifício, um
desses jantares beneficentes; que ao meu entender, só servem para marcar pontos
com imprensa local e socialites do baixo clero. Era justamente para esse jantar
que havia convidado Alessandra a “amiga-espiã” de Agatha. De antemão havia
bolado uma dúzia de estratégias para passar informações falsas e extrair
informações dela, além de seduzi-la de leve novamente ao ponto de ter algum atrito com
Agatha. Com sabemos o vil metal e apelo à ganância ou ambição alheia é uma
forma de sedução e pelo que eu me recordava de Alessandra ela tinha gosto por din-din. Mas como dizia um antigo professor> Tudo é sedução. Assim que
Alessandra entrou no carro, elogiei ela pela elegância, e após isso perguntei
como estava a vida de sub-gerente da loja que Agatha e Marie tinham aberto no
shopping recentemente. Marie era autora intelectual do projeto, eu o papai rico
que bancava a parte dela, e a outra parte do projeto Agatha colocaria algum
capital e mão de obra nisso junto de suas amigas Alessandra e Andréia, ou “triplo
A”. Já conhecia as amiguinhas de longa data, solteiras, metidas a madames da
alta roda em alguns casos, mas sem ter cacife para tanto. Até que enganavam bem
por saberem se vestir com certo requinte, possuírem certa cultura e
articulação, no entanto, no fundo mesmo não passavam de um trio de caipiras
sortudas nesse sentido. Quantas e quantas vezes o programa delas se resumia a
festas de peão, rodeios shows de duplas sertanejas, viagens para essas festas
do milho, exposições de tratores e coisas do tipo. Onde o Daniel ou Vitor e Leo
estivessem elas estavam lá nos áureos tempos de agrogirls. Naturalmente nunca
estive na companhia delas nesses eventos, mas as redes sociais não mentem.
Diante duma mulher habituada a ser tratada como garotinha de festa de rodeios
passar a lábia nela seria tarefa fácil. Entretanto, ela parecia uma mulher
bomba enviada para uma missão suicida, ao pisar na recepção viu que não estava
no seu habitat, grudou em mim e ficou maravilhada com a decoração e com a
grã-finada estúpida que nos cercava com sorrisos falsos e conversas fiadas. No entanto, Alessandra não era mais aquela garotinha espoleta de antes, que ficava com qualquer cara, que queria namorar e casar com bom partido, mas sempre acabava sendo fisgada por um xavecador hábil. Ela tinha mudado muito, estava uma mulher mais tranquila e madura aparentemente mesmo sempre levando o velho sorriso e jeito de menina apesar dessa mudança que só aprecia quando ela baixava a guarda.
O
nosso papo sobre a vida dela na loja de roupas de Agatha parecia prosperar em
prestações, ela dizia que estava gostando e eu tentando injetar nela a ideia
que queria vender a parte de Marie no empreendimento devido ela ter se mudado.
Nisso ela abriu o bico: Disse que Agatha estava negociando vender a parte delas
para um mulher, filha dum sujeito qualquer que como eu tinha bala na agulha e
uma filha afim de ser dona de loja de shopping. Essa informação me deu cem anos
de vantagem, e francamente, a ideia de seduzir Alessandra por mais gostosa que
ela seja com aquele baita traseiro empinado de tanto malhar me parecia um tanto
cansativa para levar a cabo. Ela que uns dez anos atrás era figurinha carimbada no meu álbum ora despertava o meu interesso ora me fazia relembrar que ela era chiclete. Temia que o meu tiro pudesse sair pela culatra no final das contas apesar de ter uma certa quedinha por ela desde sempre. Fiquei com ela transitando pela recepção e depois
do jantar servido, dei tempo para ela
passar recibo de alguém fora do ninho mais uma meia dúzia de vezes e comer a
sobremesa e rapei fora daquele evento chato de buffet manjado. Deixei
Alessandra no prédio dela, em seguida não pensei duas vezes, telefonei para
Aline que também estava nesse evento, porém tinha saído à francesa sem deixar
pistas. Ela atendeu sonolenta, dizendo que estava casada da viagem e que já
estava deitada, conversamos brevemente sobre o incidente da troca de lugar com
Agnes e nos despedimos.
Ao
chegar em casa tirei aquele belíssimo terno inglês para não torná-lo um filtro
de charutos. Peguei um Partagas Short e fiquei no meu gabinete respondendo as
mensagens dos filhos e de Karol enviadas durante aquele dia, além de algumas
conversas pela internet com algumas pessoas. Antes de dormir avaliei as minhas
possibilidades para o dia seguinte. Aline ter aparecido repentinamente havia me
despertado alguma coisa que não tinha identificado. Era uma espécie de saudades
dela, ou dos momentos vividos com ela, com alguma espécie de algo ainda não
totalmente digerido dado ao episódio da perda do bebê. Estava com uma intuição
sobre aquilo, sem clareza ao ponto de tentar descobrir em vão naquele momento
do que se tratava. Algo me dizia que eu precisava aproveitar a presença de
Aline naqueles dias para termos uma derradeira conversa. Isso com certeza iria
me esclarecer a tal intuição.
No
dia seguinte, mais uma a rotina seria a mesma durante o dia: café da manhã com
Vera e uma agenda lotada de reuniões no transcorrer do dia. O almoço havia sido
sacrificado pela pauta pesada da manhã, as reuniões da tarde tinham assuntos
extensos e com isso fiquei até as oito da noite no escritório em companhia dos
sócios. Aline por sua vez saiu mais cedo nessa ocasião junto de outros
assessores. Quando tive um intervalo entre uma pauta e outra liguei para ela,
com a intenção de convidá-la para jantar, ela disse que iria sair jantar com
Antônio, um dos executivos novos contratados recentemente da agencia de São
Paulo. Fiquei desapontado com o fato de perder a oportunidade de estar com ela
para podermos conversar; e finalmente fazer passar aquela sensação de intuição
que estava me intrigando. Senti uma espécie de ciúmes a partir daquele momento,
mas nada de possessivo, ou com base na idéia de que ela estar saindo com outro
cara do trabalho seria algo contra mim. Aline tinha voltado ao habitual dela,
no entanto, ainda havia algo nela que não parecia como antes. Ela estava mais
comedida, mais séria ou menos brincalhona, passava uma imagem mais de mulher e
menos de menina afoita e eletrizante na falta duma melhor definição. Todavia,
aquilo não aparentava serenidade, e sim tristeza. O ciúme dela não se referia
ao fato de não poder estar ela naquela noite. Tinha a ver com aquele sentimento
de proteção e carinho que temos com as pessoas que fazem ou fizeram parte de
nossa história de vida e com aquilo que chamei de tempestades perfeitas, ou
fatos que destroçam ou desestabilizam certos momentos das nossas vidas. Ainda
mais quando essa história é recheada de fatos tão marcantes, é nesse ponto que
se sente esse cuidado, zelo pelas pessoas. Muitas pessoas não compreendem que
esse é o tipo de ciúmes brando, sadio, ameno, não conseguem compreender que
existe entre as pessoas algo mais forte que permanece como algo intacto e
valioso que deve ser preservado por mais que distância ou os fatos da vida
venham possivelmente separar ou findar as histórias a dois.
Geralmente
as pessoas não possuem imaginação afetiva por serem egocêntricas covardes em
tomar as rédeas de seus destinos não chegam a compreender isso e tornam o ciúme
numa arma de chantagem emocional. Quando falamos que estamos com ciúmes, todos
enxergam essa faceta dos possessivos, mas não é nada disso que o meu ciúme em
relação à Aline era naquele dia. Assim que terminamos a pauta de assuntos
daquele dia extenso saí jantar com os meus sócios. Em seguida chegando em casa
assim que desliguei o carro o meu celular tocou. Aline estava me telefonando,
disse que gostaria de me ver se fosse possível. Convivei ela para vir até em
casa e ela de pronto aceitou. Disse que viria de táxi para que não houvesse
nenhum encontro inesperado, no caso de ir buscá-la com alguns dos meus sócios e
diretores que estavam hospedados no mesmo hotel que ela. Quando Aline cruzou a
porta de casa toda aquela intuição desapareceu
e deu lugar a uma tola alegria de estar com ela. Passamos horas conversando
sobre tudo, sobre a agenda de trabalho, sobre viagens, sobre nós, sobre o
passado, os planos para o futuro. Aquele sofá e chazinho servido se tornou uma
espécie de confessionário para ela. Quando ela desabafou sobre diversas coisas
e chorou abracei ela sem dizer nada além de que tudo havia passado e novos
tempos já tinham chegado. No fundo ela estava triste ainda com o ano que se
passou, com a perda do bebê, com problemas com os pais dela. Enfim, a lista de
assuntos duros era bastante complexa e longa. Depois desse momento desabafo já
era tarde, as horas tinham passado como o vento. Aline permaneceu em casa, o
sono bateu, levei ela até o antigo quarto de Marie, e ela balançou a cabeça
negativamente com um sorriso de canto e me disse com aquele sotaque suave:
“Você acha mesmo que eu vou dormir no quarto da sua filha depois de tudo que
aconteceu entre nós?”. Como ela não me deu alternativa dormimos juntos,
agarradinhos como nos velhos tempos. Acordamos ainda abraçados,com as mesmas
roupas; e nos atrasamos para reunião daquela manhã...
Convém
explicar o atraso, antes que pensem que seja a consumação duma manhã de amor
hipoteticamente perdida na noite anterior. Logo de manhã Bia me liga avisando
que ao saírem para escola ela sem querer atropelou o “doguinho” de Ivan dando
marcha ré na garagem e o garoto presenciou aquilo. Choradeira inevitável e um
ataque histérico do pobre menino que acusava a mãe aflita de ter matado seu cãozinho
que estava no lugar errado na hora errada. Acordei Aline, comuniquei o
ocorrido, ela pediu para levá-la ao hotel, em seguida fui consolar Ivan que não
queria ficar na presença de Bia que estava sedando-se com calmantes. Peguei o
garoto e levei ele comigo para casa tomei banho, me aprontei para mais um dia
de trabalho e perguntei se Ivan queria ir trabalhar comigo naquele dia. Ele que
uma vez outra já tinha ficado comigo no escritório parecia recordar que aquele
era um lugar onde ele sempre era paparicado
por todos. Tirei dele aquele uniforme escolar já sujo de tanta choradeira e
coloquei nele uma das roupinhas dele que havia no quarto dele em casa.Um quarto
devidamente decorado por Marie especialmente para ele. Naquele momento ele
ficou perguntando mil coisas tanto sobre a morte do “doguinho” quanto onde
estava a irmã preferida dele, visto que Ingrid era mais fechada nos seus
relacionamentos com qualquer pessoa e Quim sempre foi mais ausente da vida
dele. Em decorrência desse episódio, que caiu como uma luva, desmarquei o
encontro de todas as manhãs com Vera sem levantar suspeitas sobre Aline.
O
pinscher defunto tinha sido presente de minha irmã para Ivan. Disse para ele
que assim que chegasse no escritório contasse para sua tia o ocorrido que ela
certamente lhe daria um novo “doguinho” de presente. Aquilo consolou ele mais
um pouquinho. Logo que entrei com ele no piso do meu escritório Daniele, a
secretária, já apareceu para beijar o garoto. Ao chegar com ele na sala de
reuniões, percebi que Aline tinha tomado conta da situação na minha ausência e
estava tocando a reunião no meu lugar com maestria. Nisso apresentei Ivan para
todos como novo dono da empresa e todos cumprimentaram ele e isso o distraia
fazendo pensar em outras coisas. Depois disso ele correu para o colo de Agnes
que saiu passear com ele e só o revi na hora do almoço. Como Aline estava
comandando com perfeição a reunião, fiquei ali como mero expectador, admirando
uma das qualidades mais presentes nela: a cumplicidade. Não foi necessário
dizer muita coisa de manhã para ela pescar a ideia que tinha passado a bola
para ela segurar as pontas naquela reunião durante minha ausência devido uma
emergência familiar. Quantas e quantas ocasiões ela já havia feito aquilo por
eu estar ou preso no trânsito, ou viajando de última hora, ou doente ou com
alguma simultaneidade de compromissos agendados. Ela nunca fez questão de jogar
na minha cara que era uma fiel escudeira. Sempre depois de alguma coisa desse
tipo que ela fazia em meu favor vinha-me dizer com requintes de insinuação:
“Não vai me agradecer?” – Agradecer nesse caso era cobrir ela de beijos ou
levá-la para passear. Outro elemento que atestava o tino dela para os negócios
seria sua capacidade de discordar e defender seus pontos de vista contrários
aos meus em reuniões ao ponto de discutirmos. Entretanto, ao final do dia, lá
estávamos nós dois, jantando numa boa sem que aquilo afetasse nossa relação
pessoal. Isso tornava Aline a rainha das
secretárias.
A
presença de Ivan e Aline aquele dia ao meu lado serviu para amenizar muitas
coisas que estavam acontecendo no transcorrer dos dias. As saudades de Marie os
fatos passados com Agatha e outras coisas. Entretanto o impacto maior viria à
noite depois de mil coisas inesperadas terem ocorrido durante todo o dia quando
eu resolvesse checar a correspondência atrasada. Entretanto, durante o dia o
fato de Ivan ter vindo comigo no escritório funcionou como trégua nas torças de
farpas entre mim e Agnes. Ao final da tarde quando tinha que conduzir a reta
final duma reunião importante com associados peruanos, ela se dispôs a levá-lo
para sua casa e cuidar dele até quando voltasse para casa. A atitude gentil
dela tinha mais a ver com ser uma tia que adora crianças do que propriamente
comigo, mas reconheço até nos meus piores inimigos suas qualidades quando eles
possuem algumas. Minha irmã sem dúvidas tem muitas qualidades excepcionais, mas
o lado autoritário e intrometido dela sempre me aborreceu. Em decorrência dessa
relação de altos e baixos trocas de insultos, sessões de spray de pimenta mútuas
sempre foram uma constante entre nós desde que era garoto. Desafiar ela que
muitas vezes metralhava criticas e palpites ao meu modo se ser e agir era uma
espécie de revolta popular que sai às ruas para brigar contra os abusos do
governo. Uma vez passamos quase ano sem nos falarmos depois que externei num
almoço de família comentários terríveis sobre ela em relação ao marido
alcoólatra. Disse na ocasião que para suportá-la somente bebendo muito mesmo.
Ela saiu da mesa chorando depois de me passar um sermão e batermos boca.
Certamente esse foi um dos piores momentos da minha conduta com pessoas que
tenho laços afetivos. Demorei meses para pedir desculpas para ela, e quando
fiz, não foi no Natal, nem por apelos de ninguém, foi quando percebi que eu
mesmo estava bebendo demais para suportar a minha esposa numa fase difícil.
Agnes na mesma ocasião também pediu desculpas por sempre me taxar indevidamente
de ovelha negra da família e maldizer a minha figura para quem quer que seja
muito antes desse episódio do almoço.
Depois
de encerrada a reunião fui com Aline ao hotel em que ela se hospedava, ela fez
o check-out e fomos para minha casa de mala e cuia por assim dizer. Após a
longa e profunda conversa da noite anterior, não falamos em reatar, tentar de
novo, nada disso. Tratamos um ao outro como adultos ou pessoas que tem grande
afeição e admiração um pelo outro e são capazes de ser parceiros praticamente
em quase tudo. Ivan estava na casa de minha irmã, já havia lanchado, tomado
banho, ou seja, tudo estava as mil maravilhas com Agnes que tratava ele como o
filho homem que não teve oportunidade de ter. Ivan de bom grado a pedido da tia
cedeu aos apelos dela para mantê-lo ao menos mais um dia longe da histeria de
Bia, que em momentos de pressão simplesmente pira. Como Ivan resolveu ficar com
sua titia coruja que no dia seguinte o levaria para Bia são e salvo eu me
encarreguei de ser um bom anfitrião para minha hóspede.
Assim
que pisei em casa novamente Lili se encontrava no banho, fui até lá perguntar
se ela gostaria de jantar fora ou ficar em casa e comer algo do meu menu. Ela
foi taxativa de dentro do box: “Prepare aquela salada que gosto!” – Traduzindo
“salada que eu gosto” no caso dela seria parpadelle de camarão e por sorte
tinha comprado camarão dias antes, mas não para fazer parpadelle nos meus
planos originais, mas tudo bem, ela era hospede e eu anfitrião, agradá-la o
máximo possível seria uma prazer literalmente. Desci, peguei um vinho branco de
fina procedência recém comprado no free shop do De Gaulle e tive que substituir
a tal tangerina da receita por laranja, mas no final tudo funcionou no sabor.
Lili logo apareceu, tomou uma taça de vinho. Visualizar ela tomando vinho ainda
de cabelos molhados era a visão da diva inspiradora para aquela noite. Como
sempre ela estava ornada de suas pulseiras, porém, em menor número dessa vez.
Aquela tez branca e jóias de ouro branco, cabelo molhado e vinho sendo degustado
naquela boquinha de lábios finos dela tornava o ato de cozinhar algo de
conotação erótica quando pensava na sobremesa.
Logo
em seguida aos meus pensamentos pecaminosos em relação à sobremesa, a
coincidência aconteceu. Foi como se os deuses dos amantes abençoassem aquela
noite: Lili indagou qual seria a sobremesa, e eu na maior cara de pau
incontida, disse: “beijinho do chef”. Ela entendeu a malícia do recado de
pronto e disse: “Hum esse beijinho tem sabor vinho né?” – Respondi: “Quer
experimentar?” Ela com aquele jeito insinuante, que só ela tem, levantou-se da
cadeira, veio em minha direção como se fosse a Gisele Bundchen na passarela com
aquele passo igual ao dela, fitou-me nos olhos, deslizou suas mãos atrás dos
meus ombros, segurou meus braços, e me beijou até o camarão ficar no ponto e eu
também. O camarão seria parpadelle, já eu seria servido à moda nordestina na
sobremesa pelas mãos da chef Lili. Uma garrafa de vinho e dois pratos de
camarão depois; ficamos namorando no jardim interno da residência. Quando mais
uma vez o beijinho foi servido, a coisa ficou picante. Foi nessa hora que Aline
provou mais uma vez ser uma mulher que consegue o que quer, pois eu mesmo tinha
minhas dúvidas se aquele meu flashback erótico da cozinha não era mais um ato inconsequente
da minha parte. Não tinha como negar, eu queria, ela queria, e que se danasse
aquele pensamento se estava agindo mais uma vez levado pelo calor do momento.
Ela
estava ali linda, solta, se derretendo toda só para mim mais uma vez. Não
importava mais nada. Carreguei ela para a cozinha novamente, pois se aquilo
tinha começado na cozinha, iria terminar também na cozinha. Aquela mesa da copa
que já havia testemunhado algo do tipo anteriormente meses antes, parecia o
lugar ideal para mais uma vez colocar uma mulher louca de tesão nua sobre ela. Tudo
aconteceu com todos os requintes de quem sente saudades nesse departamento um
do outro: Ao entrar na copa, encostei ela na parede, beijo, beijo, beijos, a
mão nos seios dela por cima daquela vestido não me agradavam, tirei aquele
vestido e ela ficou apenas de calcinha, segurei ela pelas coxas e a coloquei na
mesa. Ela beijava meu pescoço e orelha e respirava fundo sem parar, enquanto
isso acariciava com a mão pesada cada parte que podia do corpo dela como se
fosse um tarado. Ela ficava cada vez mais ofegante e mordiscava o meu rosto.
Senti as costas dela deslizar em minhas mãos, ela se deitou na mesa, arranquei
a calcinha dela, a puxei ao meu encontro e entre um beijo estralado e outro,
uma mordida dela e um arranhão e outro fizemos amor. Dessa vez ouvia apenas
duas pulseiras chacolharem nos pulsos dela e a mesa estremecer com nossos
movimentos. Esses eram os sons ao fundo de cada gemido delicioso de Lili. Ah
como foi gostoso sentir cada pedacinho dela novamente, parecia que tinha
reencontrado naquele corpo macio e branquinho da Lili tudo que um homem quer.
Quando tudo terminou ali na cozinha Aline debochada diz: “Agora pode lavar a
louça...” Desci ela da mesa, ela faz um carinho no rosto e completa: “Pegue
minhas roupas e vamos para o quarto...” Obedeci ela como um bom menino.
Aline
subiu degrau por degrau nua, a luz que vinha da janela frontal da casa dava
para aquela cena ares excitantes. Quando tudo ficou escuro agarrei ela
novamente, ela quis fugir, e nessa brincadeira caímos na cama para mais uma
segunda rodada de sobremesa. Na cama o orgasmo dela foi diferente, se antes
Lili havia explodido de tesão do começo ao fim, dessa vez ela parecia fazia
amor com suavidade e expressando mais carinho do que lascívia. Enfiei meu rosto
naquele cabelo cheiroso dela, e sentia a pele dela levemente quente e suada na
minha, fiquei alguns minutos aproveitando aquele instante. Quando percebi que
Aline havia adormecido como se nada tivesse acontecido. Me levantei
vagarosamente da cama e fiquei ainda no quarto por algum tempo. Habitualmente
ela sempre foi assim, não era novidade, adormecia sempre e só acordava no outro
dia. Olhei para ela ali dormindo serena e nua como se contemplasse uma
escultura branca nos lençóis brancos. Ajeitei melhor a cama para ela continuar
a dormir confortavelmente e fui fechar as portas da casa e eliminar algum
vestígio do que havia ocorrido na cozinha. No entanto o corpo delito do amor
não tinha deixado provas naquela cozinha, apenas a louça do jantar.
Ainda
curtindo aquele clima de êxtase passei por uma mesa onde estavam
correspondência atrasadas devido ter ficado muito tempo fora e a casa
praticamente fechada o tempo inteiro. Resolvi checar para ver se havia algo
importante. Duas cartas me chamaram atenção logo de cara: Uma era de Sorocaba
cujo teor comunicava o falecimento duma amiga dos tempos da adolescência.
Fiquei chocado com essa primeira notícia e triste, pois a garota era uma pessoa
tão intensa e feliz que não merecia ter sido vítima de leucemia. A segunda era
uma intimação da justiça, tinha data de quase um mês atrás e estava ali já
empoeirando. Abri e tive mais uma notícia que me faria ficar perplexo dessa
vez: Era uma intimação duma ação de reconhecimento de paternidade de Santa
Catarina. Aquilo me deixou tremendo por dentro devido aquela sensação de saber
que realmente havia um motivo real para estar recebendo aquela citação. Desta
vez, me senti perdido, confuso, sentei numa poltrona e tentava ler com mais
atenção várias vezes aquele papel. Não queria acreditar naquilo, não sabia o
que pensar fiquei horas reagindo esse acontecimento noite à dentro conversando
comigo mesmo e alguns amigos insones que estavam na internet como Vera e Marise.
Quando subi novamente para o quarto estava exaurido. Aline estava ali,
tranqüila sonhando certamente com algo bom e eu estava acabado, já tinha tomado
várias doses de whisky para relaxar ou pegava no sono forçosamente naquele
momento ou permanecia acordado. Minhas preocupação excediam qualquer
subterfúgio alcoólico. Entrei no banheiro olhei a minha face de espanto no
espelho, puxei o ar, respirei fundo e ainda parecia sufocado. Tomei uma ducha
para aliviar a tensão e tirar o cheiro de bebida que parecia tomar conta do meu
corpo e fui para cama.
Deitei
ao lado de Aline evitando incomodá-la, peguei no sono depois de repassar
algumas coisas na cabeça, logo amanheceu, não dormi muito, acordei com o som do
despertador, mas sentia-me anestesiado, porém já sabia por onde começar a lidar
com aquilo naquele dia. Quando Aline despertou manhosamente, ela disse estar
com frio, pediu um beijo. Ela estava feliz, já eu estava transtornado, se
revelasse para ela aquilo ou qualquer pessoa de imediato algo sobre a
descoberta da noite anterior seria péssimo. Ainda na cama tudo parecia rodar.
Perguntei para Lili se queria dormir um pouco mais, ela disse que estava muito
cansada e por isso pegou no sono daquela forma a noite passada e que a noite
tinha sido esplêndida. Ela se levantou tomou banho e preparou nosso café.
Enquanto isso eu lentamente tentava recuperar os sentidos. Durante o café da
manhã Aline estava toda carinhosa, sem saber que eu estava ali num misto de
satisfação por vê-la desse modo, mas no fundo a notícia dada por aquela carta
precatória me deixava perturbado por dentro. Aline terminou o café e subiu para
se preparar para o trabalho, nisso eu saí no quintal, respirei fundo, olhei
para o céu e fiquei repetindo: Meu Deus umas dez vezes... Estava me sentindo
enrascado. Consegui me acalmar, ser racional mais uma vez, e agir como se
estivesse tudo bem. Isso durou até conseguir chegar ao escritório e me trancar
na minha sala.
Peguei
aquela citação deixada depois de diversas tentativas sem encontrar o
destinatário no domicilio e liguei para a advogada da autora daquela ação. Para
piorar o cenário, a tal advogada não havia chegado no escritório, provavelmente
só no próximo dia poderia retornar minha ligação. Como sabia com quem
exatamente se tratava aquele assunto, tive que solicitar à minha secretária que
encontrasse o contato de outra Carolina, essa com C, uma jovem empresária
catarinense que há mais ou menos um ano atrás havia conhecido por ter sentado
ao lado dela numa viagem de avião. Para ajudar no nosso envolvimento fortuito,
dividimos táxi, ficamos no mesmo hotel no Rio e mantivemos contato
posteriormente. Nessa primeira ocasião tudo ficou nisso, ela ficou mais tempo
na cidade e eu parti dois dias depois sem retornar a vê-la naquele episódio.
Algum tempo depois disso, tivemos outro encontro, dessa vez marcado, pois ela
estava em Curitiba. Recebi ela no mesmo escritório que estava naquele momento
desesperado tentando descobrir o telefone dela que tinha sido apagado do meu
celular. Depois de diversos encontros com ela sempre que ela passava por
Curitiba tratar de algum evento a relação entre nós foi ficando mais íntima.
Carolina era a mulher que não passava batido ao radar de ciúmes de Agatha.
Quando ela estava na cidade Agatha notava que a minha agenda diária mudava, que
algo em mim ficava diferente etc. Por fim, o último encontro, foi na terra
dela, depois das seguidas visitas dela para mim, era vez de retribuir ao menos
uma visita para ela. Visto que ela que tinha proposto alguns negócios em
Florianópolis, aproveitei uma viagem para o Rio Grande do Sul - aquela que caí
do cavalo - e fui ver o tal negócio no ramo de turismo e entretenimento que ela
propunha. O empreendimento entre nós não foi adiante, mas alguns dias ali foram
suficientes para passar duas noites com ela e tornar o que tinha começado em
Curitiba mais sério e até mesmo ameaçador em relação a posição de Agatha
naquele período. Entre baladas, visitas aos points, almoços, jantares, praia e
tudo mais. Não tinha como evitar todo aquele tratamento de luxo dado para mim
sem deixar-se levar-se. Era como se ela quisesse transformar a minha visita num
cartão postal da afeição dela por mim. Por ironia do destino, eu acreditava que
ela seria a nova Aline da minha vida. Uma mulher jovem, herdeira dos negócios
do pai, com aquele estilo de executiva semelhante ao de Lili. Aquilo me atraia
nela. Pensava que se algo falhasse com Agatha, seria Carolina a grande
alternativa. Ela no decorrer daqueles meses tinha terminado um relacionamento e
foi depois disso que tudo entre nós começou a se intensificar gradualmente com
as visitas dela em Curitiba. No entanto, durante as duas semanas seguintes após
ter ido para Floripa e ficado com Carolina, eu sumi, caí do cavalo, fiquei dias
no hospital. Quando liguei para ela novamente, ela se disse magoada por tê-la
deixado sem informações durante aqueles dias “depois de tudo que aconteceu
entre nós”. Como não imaginava nenhuma grave consequencia daquele affair
resolvi esquecê-la como ela havia pedido, ou melhor, ordenado. Apesar da beleza
dela recordo perfeitamente que havia julgado ela excessivamente dondoca e muito
egocêntrica. Dei às costas para tudo aquilo e segui minha vida...
Agora,
estava no escritório naquela manhã com a conta daquela semana de “vida loca” em
Florianópolis maltratando a minha conseqüência. Sentia tudo desabar, nunca
tinha ficado nervoso daquela forma com coisas desse tipo, dessa vez estava
aflito me sentindo caminhando por um campo minado. Quando descobri o telefone
da empresa de Carolina, liguei imediatamente, dessa vez tive êxito, falei com a
assistente dela, que me passou o número do celular dela. Liguei e ela atendeu,
tivemos uma conversa tensa, ríspida e aquela impressão sobre ela ser altamente
egocêntrica ficou mais clara ainda. Pouco importava se eu estava tenso com
aquela situação, segundo ela – textualmente - “o nosso erro tinha prejudicado
ela que estava numa gestação vexatória”, e atravessando tudo aquilo na medida
do possível como deve ser. Ela prosseguiu dizendo que queria apenas o
reconhecimento do DNA e registro no assento civil de nascimento e nada mais,
disse que iria criar aquela criança sem esperar interferências da minha parte. Entretanto,
o arremate e desfecho que ela deu para todos os acontecimentos consumados até o
momento soavam ao meu favor no teor jurídico. Ou melhor dizendo, para qualquer outro homem na minha posição
numa situação similar aquilo parecia um acordo de delação premiada que retirava
todas as responsabilidades dos meus ombros. Foi neste instante que percebi com
quem realmente estava lidando. Deixei Carolina, uma mulher que se achava a fina
flor da sociedade, filha dum figurão defunto reiterar seu discurso, e se antes
eu achava que tentar algum acordo para extinguir aquele processo era um caminho
seguro para refazer as bases daquilo sem litigar toda situação, passei a
encarar o processo, quase kafkiano, como uma peça ou medida que poderia me
favorecer ao final de tudo aquilo. O sentido desse favorecimento seria ao
menos, com a prova ou não da minha possível paternidade, deixar Carolina sem
saída, e deixar toda aquela arrogância dela ao tratar tudo e todos como meros
vassalos da sua vontade numa posição de xeque mate. Se o filho fosse meu ótimo,
assumiria ao ponto de não abdicar do convívio e responsabilidades como ela
impunha unilateralmente. Já tinha passado por situações semelhantes antes e
sabia perfeitamente o script das conseqüências desses acontecimentos no decurso
do tempo. Minha falta de sossego havia terminado, estava apenas aborrecido e
uma certa frieza associada a uma grande indignação estava me contagiando em
face das opiniões e planos de Carolina sobre tudo aquilo. Finalizei a ligação
dela sem dizer muita coisa, disse basicamente que trataria de tudo
preliminarmente com a advogada dela e pedi para ela manter contato. Depois
dessa ligação extenuante levando em consideração o quadro todo dos últimos dias
de situações rocambolescas emocionalmente me centrei no trabalho.
Pouco
antes do almoço recebo a ligação da advogada, escutei a mesma ladainha já
ouvida antes. Frases do tipo: “os interesses da minha cliente são os seguintes”
e citava uma lista de deveres impostos a mim como se fosse um mero detalhe
naquela relação processual sem direito ao contraditório. Quando a advogada -
tão arrogante quanto a cliente - terminou sua exposição dos fatos, condições e
termos, disse-lhe o seguinte: “Doutora, a senhora quando propôs essa ação, para
atender os eventuais interesses da sua cliente, se esqueceu duma coisa:
Processos e relações jurídicas dessa natureza são dialéticas. Espero que tenha
compreensão exata disso. Como não cabe a mim argumentar perante a senhora e sim
ao juízo; vejo a senhora e sua cliente
no dia da audiência” – A advogada tentou esboçar reação, mas finalizei a
ligação soltando um “passar bem” em tom solene. Se antes estava com remorso,
nervoso e impaciente, agora estava aborrecido e com raiva. Convencido
categoricamente que teria que lidar com a situação mantendo segredo, com base
nos contornos já delineados expostos. Resolvi que deveria me preocupar com
aquilo posteriormente conforme tudo fosse sendo desenhado sem me enervar com
tudo aquilo até onde fosse possível.
Passei
o restante do longo dia cumprindo meus deveres de ofício. Estava me sentindo
exausto, sonolento, falar sobre cifras e números a tarde toda foi como voltar
aos tempos de colégio numa aula de matemática enfadonha e sem propósito. Tinha
ainda que cumprir o jantar agendado com a equipe para fechar a semana de
reuniões. O dia seguinte iria ser mais cansativo ainda, teria que viajar com os
sócios para um evento empresarial na Bahia. Se antes estava pouco animado com
essa viagem, palestras, e jogar golf com péssimos adversários durante o final
de semana, dessa vez queria cancelar tudo, mas não havia jeito. Após a
confraternização voltei para casa. Aline parecia ter encarnado a figura da
esposa perfeita. Estava sempre a frente de qualquer vacilada minha nas reuniões
durante o dia e a noite se encarregava de comandar o jantar fazendo declarações
e alinhavando as conversas. Da minha parte eu estava apático a tudo aquilo.
Passei a seco a noite, apenas na limonada, ao retornar para casa desabei na
cama. Aline se despia a minha frente e não parava de matraquear comentários
sobre o jantar. Ela sentou ao meu lado na cama, semi nua, e sorridente. Ficamos
nos olhando calados naquele instante e foi nesse momento que perguntei para ela
uma curiosidade profunda advinda de tudo que havia transcorrido: “Se o nosso
bebê tivesse nascido como você se sentiria?” Ela levou um pequeno susto com a
pergunta, ficou com a expressão séria, refletiu um pouco e disse: “Eu me
sentiria a mulher mais realizada do mundo tendo um filho do homem que me
ensinou amar”. O desfecho disso foi um beijo e uma noite de amor
logicamente.
A
resposta de Aline foi um balsamo para tudo aquilo que havia se passado nos
últimos dias. Tanto a gravidez de Àgatha como a de Carolina eram o remake
perfeito do passado. Desta vez, não era um garoto extremamente imaturo lidando
com aquilo, mantida as devidas proporções de inconseqüência e
irresponsabilidade da minha parte. As palavras de Aline expressavam uma forma
de enxergar as coisas com maior doçura, e por mais que ela também tivesse tido
deslizes durante a fase anterior a gravidez dela, julgava que ela tinha sido
coagida a agir daquela forma por acreditar em seus próprios sentimentos. A
sensação que ela estava mais madura e segura ganhava mais corpo nos últimos
dias. Algumas vezes eu e uma amiga confidente considerávamos que deveria ter
apostado o meu all in em Lili e não em Agatha. O destino driblou nossas
posições e frustrou nossas apostas subseqüentes. As cartas abertas na mesa não
favoreciam as cartas na mão e aquelas apostas foram perdidas. Aline tinha
retornado, seu encanto de antes tinha reaparecido, isso aliado ao fato dela ser
o meu braço direito na vida profissional tornava ela a mulher mais adequada a
tudo ao meu redor. Isso não significava que iríamos buscar um novo recomeçar
juntos. As coisas estavam conturbadas demais para decidir com clareza sobre
isso para ambos. Ela tanto quanto eu tínhamos uma série de assuntos de âmbito
familiar para solucionar. O pai dela estava adoentado, a mãe estava perdendo a
mão nos negócios da família dela, os quais estavam atravessando uma fase
terrível e a decisão dela voltar para minha empresa se devia - além da minha
insistência – a uma forma de sair dessa maré de contratempos e lidar com tudo
isso mais distanciadamente. Em resumo tínhamos duplas jornadas, de trabalho de
assuntos pessoais, e ambos pareciam estar em batalhas duras no tempo presente
sem saber para onde as coisas iriam rumar. Decidir reatar nessas condições não seria
uma boa alternativa, portanto não cogitávamos isso nessa ocasião. Por mais que
tudo que estivesse acontecendo entre nós naqueles dias fosse memorável por ser
uma expressão de afeição e cumplicidade, estávamos seguros que tínhamos que
aproveitar ao máximo aquilo, porque posteriormente a rotina de desafios iria
nos convidar para mais uma dança em bailes distintos.
Havia
uma percepção de que cada instante passados juntos nesses dias seria um ponto
de inflexão para ambos individualmente logo a seguir. Quando nossas conversas
ficavam sérias e aprofundadas depois de alguns momentos de prazer a pontuação
da nossa conversa convergia sempre para esse mesmo sentido. Não havia cobranças
sobre o passado ou planos para o futuro, tínhamos acordado em nos manter sempre
no momento presente com transparência, sinceridade e amizade. Parecíamos fluir
juntos rumo a coisas diferentes, estávamos naquele momento tão somente fazendo
uma pausa para acertar assuntos pendentes, torná-los claros sem arestas para
que algo acima disso fosse duradouro entre nós. Falávamos sobre isso com
títulos de amizade e companheirismo, uma forma de amor que transcendia aos
desejos de prazer, aos acontecimentos que poderiam sobrevir e tudo que já havia
sido consumado entre nós. Tudo indicava que estávamos selando um forte laço de
amizade.
Quando
finalmente adormeci naquela noite consegui dormir serenamente, eivado de
esperança que há tempos não sentia.