domingo, 12 de abril de 2015

Quando o passado é passado a limpo...



Como havia dito anteriormente estações de trem são ótimos lugares para conhecer pessoas. Aliás, as filas que se formam nesses lugares são pontos estratégicos para puxar assunto e fazer novos amigos ou até arrumar uma namorada.  Diga-se  de passagem que foi numa fila de banco, há muito tempo atrás, que conheci uma de minhas namoradas. Semanas atrás, a mão do destino pareceu mais uma vez agir nesse mesmo sentido, pois conheci Karol numa fila de guichê e tudo que aconteceu depois disso mexeu comigo.




A pessoa da sua vida pode estar em qualquer lugar do mundo. Outras vezes pode estar a um palmo adiante do seu nariz ou até mesmo bater na sua porta como aconteceu com uma amiga que apaixonou-se perdidamente por seu eletricista, o qual fora fazer um serviço em sua residência. Ao contrário dela eu precisei sair de casa, cruzar o oceano, passar por diversas situações prévias até tomar a decisão de que entre visitar Saint Jean Cap Ferret, lugar para o qual minha mãe estava se mudando, e entre Mônaco, eu preferia Mônaco pelo simples fato de que viajar para lá era não me faria estar na presença de nenhum familiar.  Foi por isso que naquele que saí comprar passagens para minha mãe e alguns parentes que estavam comigo naquela viagem, mas comprei da capital para o sul francês com destinos diferentes. Esse foi o motivo que me fez entrar numa fila naquele dia e topar com a bela Karol na mesma fila bem a minha frente.   



Na minha opinião essas filas são auspiciosas para mim. Não restam dúvidas quanto a isso. Voltando de Londres para Paris, por exemplo, lá estava eu em mais um fila para comprar passagem e um garotinho de nove anos com sua avó estavam na minha frente e ele puxou papo comigo mais uma vez devido estar trajado com a camiseta da seleção brasileira. Como na ocasião em que conheci Karol. Ele perguntou: Você assistiu ao jogo? Respondi que sim, e que tinha assistido no estádio. Aquilo mexeu com o emocional do garoto ele cutucou avó que comprava passagens e disse: “Veja vovó ele assistiu o jogo no estádio”. Aquilo parecia numa grande novidade para ele. A avó dele sorriu para mim e o garoto desembestou a falar.  O gosto daquele menino loirinho cabeludo por futebol era totalmente justificado, segundo a avó estavam ali precisamente para visitar o tio que era jogador. A elegante avó também parecia amistosa, como seu neto Jean Paul, um menino cabeludo loiro que parecia a reedição do Pequeno Príncipe. Sentamos e ficamos os três batendo papo com Jean narrando lances do jogo uma semana atrás. Logo em seguida a isso surge uma bela moça tão loira como aquele garoto segurando algumas bagagens e reclamando do clima londrino soltando aquela bufada típica de franceses em virtude de algum evento ou fato. Esta seria possivelmente a mãe do garoto, e parecia que eu estava ali como um ser invisível, pois os três começaram a conversar em francês, esse sim castiço, sem notar que compreendia cada palavra deles com perfeição.


Coube a madame Suzane, a elegante avó de Jean, apresentar a filha reclamona Mélanie, que parecia uma moça oposta ao filho e sua mãe devido aparentar ser arrogante. Do começo ao final ela não me deu atenção nem me dirigiu uma frase além de prazer em conhecê-lo na estação e adieu ao final do percurso que faria com eles.  Ficou calada na primeira parte do trajeto, sem falar até mesmo com sua mãe e filho por longos minutos com a cara enfiada num livro.  De Londres até Lille a conversa rolou entre Jean sua avó e eu amistosamente. Até trocava receitas de culinária com dona Suzy que já estava se tornando íntima de mim como se fosse uma velha amiga. Após termos saído de Lille notei que a antipatia de Mélanie talvez tivesse um motivo oculto. Quando Jean citou algo referente ao pai dele que é soldado e estava morando em outra cidade a coisa pareceu óbvia: Aquela bufada atrás do livro ressoava evidente cada vez que Jean comentava algo sobre o pai. Tanto a viagem quanto as declarações do filhos sobre o pai pareciam irritar a mãe dele, porém dona Suzy contornava o temperamento da filha juntamente do neto. Quando chegamos ao destino, nos despedimos, a fria Mélanie deu um sorriso amarelo agradecendo por ter aturado o filho dela a viagem toda e deu um adieu seco, virou as costas e sumiu na paisagem. Enquanto isso, sua mãe me passava seu contato dizendo que quando voltasse para cidade que a visitasse para fazermos algumas de nossas receitas. Jean muito afetuoso me deu abraço e disse para visitá-lo para jogarmos futebol no vídeo game ou no quintal da casa da avó.




Da estação fui para o apartamento do meu irmão que tinha deixado as chaves na portaria e uma lista de instruções do que fazer na ausência dele. Desde onde comer porque ele não deixa comida pronta até como pegar as passagens de avião que ele havia me reservado para retornar ao Brasil. Sempre fiquei surpreso com esse jeitão metódico dele para tudo, ainda mais nas horas mais inusitadas, o papel redigido parecia uma ordem de serviço com data, descrição de afazeres, locais e assinatura. Outra coisa estranha nele nos últimos tempos desde que tinha sido traído pela esposa que o trocou por outro, era que ele não falava muito, parecia uma versão de Mélanie, pois quando a filha falava da mãe a expressão dele empalidecia. Entretanto, o detalhe mais esquisito era que ele parecia ter esquecido completamente como se falava português. Tantos anos vivendo no exterior tinham feito dele um sujeito que parecia um extraterrestre toda vez que vinha nos visitar no Brasil. Na França faz alguns meses, ele parecia em casa, ao contrário do Brasil que tudo desde a comida, clima, pessoas pareciam assustá-lo e nem ser seu país de origem. Não sei se há uma explicação plausível para essa mudança cultural tão radical, mas que é estranho ah é! – Permaneci algum tempo naquele pequeno apartamento charmoso descansando e checando mensagens e avisando Karol que havia retornado para a cidade. Tirei uma rápida soneca e acordei faminto e com dor de cabeça por estar ficando possivelmente resfriado. Achei uma aspirina por lá, tomei um banho e saí comer no lugar indicado por ele e cumprir alguns itens daquela lista que incluía a recomendação mais esdrúxula de todas: “evitar atender o vizinho caso ele tocasse a campainha”. Não sabia o motivo daquilo e também nem quis saber, como sabemos vizinhos numa cidade como Paris podem ser membros de células terroristas; vai saber. Ao meu ver o vizinho intruso deveria ser algum gay que estava dando em cima dele. É uma mera hipótese.




Depois do almoço fiquei zanzando por alguns points da cidade e assim que peguei minha passagem numa agencia de turismo de brasileiros amigos de meu irmão rumei encontrar Karol que estava saindo do seu expediente como assistente de restauração num prédio histórico antigo. O jeito extrovertido e audacioso dela que desde o início tinha me cativado estava cada vez mais me fazendo gostar dela de tal modo que há tempos não sentia num curto espaço de tempo. Ao me avistar, ela atravessou a rua numa corridinha sorrindo e dizendo: “Meu príncipe veio me salvar de mais um dia nessa masmorra, mas onde está seu cavalo?” Ao chegar me abraçou beijou com aquela boca quente e disse: “Senti sua falta!”. Saímos comer alguma coisa e depois fomos para casa dela, só apareci na manhã seguinte no apartamento do meu irmão que mais uma vez estava ausente. Naquela noite Karol e eu conversamos e namoramos muito, quase não dormimos. Parecia que aquela série de encontros ao acaso com tantas pessoas maravilhosas todos aqueles dias parecia apenas um sonho. Desses dias de sonhos, os na companhia de Karol tornavam tudo mais saboroso. Foi nessa conversa noturna que Karol falou quase tudo sobre a vida dela. Desde o trivial de como veio até Paris para estudar com maiores detalhes, citando Julia Morgan e Gae Aluenti como inspiração, até de quando se separou do marido que batia nela e dum filho perdido em decorrência disso. Aquela bela mulher de jeito tão simples e espontâneo escondia atrás daquele belo sorriso passagens tristes que pareciam não pertencer a nada que correspondia a ela mesma. Quando ela relatou essas coisas, e os motivos que haviam levado ela a ficar comigo com aquela intensidade e rapidez, percebi que tínhamos muitas coisas em comum. Ela era uma daquelas pessoas que entram na nossa vida no momento mais importuno, onde tudo parece estar no olho do furacão, porém pessoas assim entram em nossas vidas não para causar mais desordens e transtornos, mas sim trazer coisas novas e boas. Se essas coisas iriam durar muito ou pouco não importa.  Havia química ou alguma recíproca entre nós naqueles dias que fazia tudo ter sentido perfeito e imediato. O elemento que ligava tudo era reconhecer magicamente um no outro algo que nos extremamente fazia bem quando estávamos juntos. Nas palavras dela isso ressoava mais intenso por poder ver no jeito de olhar, falar e sorrir dela a verdade dos sentimentos nas entrelinhas dessas palavras. Ao lado dela tudo me fascinava e assustava. Ambos pareciam estar desavisadamente sem defesas, rendidos ao destino e aos momentos juntos.





No dia seguinte estava embarcando de volta para o Brasil e não esperava que a despedida de Karol seria mais intensa do que a despedida de Marie que ficaria em definitivo na Europa. Karol foi de mãos dadas comigo até o portão de embarque, me abraçou beijou afetuosamente e disse que se algum dia voltasse iria adorar me rever. Prometi que voltaria para revê-la. Mesmo que fosse uma promessa de momento e talvez nunca fosse cumprida, dizer essas coisas naquela hora fez nós dois quase desabarmos em lágrimas como se fossemos um casal de longa data ou dois adolescentes vivendo um amor como de Quim e Beatrice.




Essas coisas inexplicáveis da vida que nos pegam de surpresa ou distraídos parecem ser um recado do destino dizendo que naquilo tudo existe uma nova chance. A coisa foi intensa e assim que entrei no avião passei as horas de viagem relembrando de cada pessoa e momento passado naquelas últimas semanas. Seria impossível não comparar o que aconteceu com Karol e com Claire, em momentos tão diferentes havia descoberto uma mulher que se revelava sem medo para mim com alegria e outra que parecia querer fazer o mesmo sem saber como aparentando ter uma necessidade de se livrar das amarras, mas sem saber ainda como. Posso estar errado, mas há certa semelhança em tudo isso. As pistas, os rastros e vestígios deixados em cada momento com elas me intrigavam e faziam investigar mentalmente cada elemento e fato vivenciado, cada gesto ou traço do jeito de ser delas. Com Karol tudo fluía leve e intenso a cada minuto. Era como se ela fosse aquela mulher que te impressiona a cada instante, te faz perder a noção do tempo, enquanto Claire precisava ser provocada para dar uma resposta sobre qualquer fato. Quando ela tentava se abrir pensava dez vezes e recuava. Por isso, aquele bilhete tinha um significado especial, aquilo foi uma tentativa de abrir-se, desabrochar novamente, ir na busca de algo que parecia lhe faltar. Quando cheguei na Inglaterra achei que Karol tinha sido o ápice de tudo, e realmente foi, pois nenhuma outra mulher que tinha conhecido nos últimos anos despertara coisas novas em mim. 

Há tempos tinha me habituado a mais do mesmo por assim dizer: aos velhos truques, as mesmas emoções e conseguir as coisas por alguma espécie de farsa ou encenação de sentimentos. Com Karol a coisa havia sido de outro jeito, era eu mesmo o tempo todo e ela mesma o tempo inteiro também. A impressão ao ver ela aninhada no meu peito recordando cada pedaço de tempo com ela naquela última noite antes de partir, é que ela não tinha usado máscaras comigo e estava sendo corajosa. Parecia ser um fato raro que há tempo não via.  Era como se fosse um cometa passando na escuridão do céu noturno deixando seu rastro de luz. Não importava a lua ou as estrelas, essas eram comuns e dentro do contexto habitual. Karol era esse cometa. Ela estava se abrindo duma forma tão urgente e límpida que não tinha como esconder nada. Esse era o brilho dela: a coragem de revelar-se sem restrições e entregar-se de corpo e alma para tudo que aconteceu.  Naquela madrugada fiquei contemplando as palavras dela, a forma com que ela relatava  sua história de vida, da forma tenra que expressava sonhos e planos. Naquele momento a ficha estava começando a cair. Estava passando a entender que muitas vezes mentimos e escondemos coisas o tempo todo, mas existem momentos que é impossível recorrer a isso, somos pegos de surpresa não restando mais nada a não ser deixar nossas máscaras caírem e encararmos as coisas sendo nós mesmos na mais pura essência, e sem pensar em mais nada.





Se essa viagem tinha me ensinado algo era isso: A reaprender a ser aquele garoto que não se escondia por de trás de nada. Com o passar dos anos coisas tais como orgulho e egoísmo e  tantas outras coisas são acessórios que se tornam escudos para que algumas pessoas.  A nossa culpa nisso estar em nos escondemos, seja como for colocamos cercas, redomas, máscaras e escudos para nos ocultar e parecermos perfeitos o tempo todo. Talvez seja necessidade de aceitação, medo, insegurança, ou uma forma de nos mantermos firmes e controlarmos nossas emoções e determinadas situações. No entanto, quando baixamos a guarda e nos abrimos para as coisas mais essenciais que existem em nós mesmos temos que dar razão ao Saint Exupéry: "Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."   


Assim que desembarquei no Brasil para a minha sorte ou azar no Rio devido ser o único vôo pós feriado que não estava lotado ou por ser o primeiro com horário disponível. Na hora que passei de táxi por Copacabana meio vieram à mente as lembranças do final de semana em Mônaco com Karol. Saltei por ali mesmo devido estar faminto. Aquela luz das primeiras horas da manhã que irradiavam nas praias cariocas tinha algo que me faziam correlacionar com Mônaco.  Ao despontar do dia estava sentado na orla tomando suco de açaí e pensando na vida boa que levava. Pensava que tudo por mais complicado que fosse em certos momentos era como aqueles surfistas que caem duma onda e pegam outra até ela terminar. Vez após vez numa repetição, sendo o que vale a pena é pegar a onda perfeita ou como se manter o máximo de tempo nas ondas boas. Fui interrompido da minha meditação matinal pelo assovio alto de Regina que tinha vindo me dar carona. Mal perguntou como fui de viagem ela descarregou o arsenal de perguntas sobre como Marie tinha ficado em Londres, se tudo estava legal com a filha, pois achava que ela estaria com medo dessa nova vida, porque ela mesma já havia passado por aquilo quando era modelo etc e tal... O palavrório desenfreado de Regina só parou quando o filho dela no banco de trás disse: “Para de falar da Ma mãe” Presta a atenção! Me leva pra escola!” Demos risada daquilo e o apelo do garoto foi logo atendido e depois dos  alguns compromissos matinais de Regina fui para casa dela almoçar.  Fiquei matando o tempo por lá a tarde toda jogando vídeo-game com o filho dela ou conversando sobre Marie com Regina. O filho dela parecia que  era o Jean Paul da vez. Quando falava alguma coisa do pai dele, como passar férias com ele, Regina torcia o nariz e mudava de assunto imediatamente. Como estava um tanto meditativo e zen naquele dia - praticando as técnicas dos meus amigos de curso de Boston - ou cansado e um pouco resfriado, ficava pensando como as coisas se repetem na vida das pessoas em qualquer lugar do mundo de forma inteiramente igual.


Passei os últimos detalhes sobre Marie para sua mãe e ela logo avisou que iria jantar fora com um amigo. Estava na cara que aquilo era um encontro e que eu iria ficar na companhia de seu filho como uma espécie de babá improvisada. Após o jantar enrolei o garoto com o vídeo game e fiquei me atualizando de alguma coisas do trabalho. Quando caí na cama parecia que tudo dali por diante estava pré-definido nos negócios e na vida pessoal, bastava tão somente executar sem ficar pensando em outras coisas. Peguei um livro sobre samurais que estava jogado numa mesa do quarto e comecei a ler sobre aquilo se der um guerreiro fazendo seu próprio caminho e peguei no sono. Acordei com o celular tocando ao lado do travesseiro, como era a nova secretária do escritório de São Paulo não dei muita bola, atendi resolvi alguns assuntos banais deixados sem resolver por Évelin. Depois chequei as mensagens que me interessavam e as respondi, tomei um banho demorado e depois de agradecer a hospitalidade da minha anfitriã no café da manhã parti rumo a São Paulo sem a menor vontade de ficar por lá e nem de aparecer no escritório. Entretanto, mesmo assim passei no escritório, falei com meu sócio e reencontrei Aline que havia sido reintegrada na empresa por não ter encontrado ninguém melhor que ela para ficar na minha posição na fase de transição do grupo.  Depois duma rápida reunião com eles saí logo dali sem dar muita atenção para Aline que parecia estar contente por ter reconquistado seu antigo cargo. Embora ela estivesse radiante e cada dia mais bonita nada daquele brilho dela me tocava mais como antes.



Durante todos aqueles momentos, era inegável que a minha mente estava também em outro lugar. Estava naqueles dias passados com Karol. Não parava de pensar em outra coisa a cada brecha que tinha. Isto estava começando a me incomodar, me dava certo aperto no peito e pensava: Que diabos está havendo? Parecia estar apaixonado como um adolescente, sonhando acordado, fomentando planos para materializar um reencontro com ela. Chegando em São Paulo a primeira coisa que fiz foi olhar para aquelas pessoas se despedindo nos portões de embarque e recordar mais ainda de Karol. Tomei um táxi até a empresa e depois fui até o meu apartamento paulistano, mudei de roupas, desci até a garagem dei carga na bateria do carro, passei no posto abastecer e desapareci dali rumo ao Paraná. Não estava a fim de encontrar ninguém nem ficar conversando. No entanto, decidi ainda na estrada parar em Sorocaba. Fui visitar Valéria por uma maldita curiosidade em saber como seria a reação dela ao receber aquele perfuminho. Cheguei na casa dela de surpresa e como o ócio é uma das especialidades dela fui obrigado a aguardá-la a sair do longo banho pós academia, hábito imutável dela. Passamos algum tempo conversando e depois dum lanchinho cordial de final de tarde com ela, o qual selou a o acordo de paz dela comigo depois de anos de atritos, passei horas na estrada numa espécie de meditação rodoviária. A cada pedágio revia uma fase da vida e minha história com algumas mulheres. Estava intrigado em descobrir onde foi que falhei com algumas delas e aquela via sacra estava apenas na metade. Faltava conversar com Bia e Agatha e questioná-las sobre isso. As respostas das duas anteriores tinham sido uníssonas em alguns pontos.



Finalmente estava em casa depois de semanas fora. A casa vazia sem a presença de Marie, sem minha mãe e tia Charlô pela vizinhança, mas agora com minha irmã na casa delas tomando conta da residência, parecia que a aquele bem estar e descontração que reinava antes tinha sido quebrado. Sentia que havia retornado para um lugar que perdeu completamente o sentido. A casa nova rapidamente se tornou velha e todos os projetos na cidade se resumiam agora a empreendimentos. Os bons momentos vividos na cidade era a única coisa que restava de realmente valioso em Curitiba. Fiquei andando pela casa recordando que se Marie estive por ali estaria com o som alto ligado ou estaríamos jantando alegremente na copa ou assistindo TV juntos. As festas e recepções para jantar na casa de titia e mamãe que sempre eram o ponto alto da semana também tinham ficado no passado. Como aquilo não iria mais se repetir naquela casa nem na outra tomei um banho e fui dormir sem refletir sobre mais nada. A meta era virar o disco um pouco e me focar na reta final de alguns negócios, porém o meu estado de espírito estava mais ligado aos assuntos afetivos naqueles dias.



Logo de manhãzinha acordei disposto tratar do assunto mais complicado dos últimos tempos: Ágatha. Como dito iria cumprir o protocolo dessas situações e o quanto antes fizesse isso melhor. A primeira estrofe de Piece of my heart indicaria o tom da conversa, mas não foi assim... Mais uma vez a tática da supresa e encontrar a pessoa no banho funcionou. A conversa com Ágatha foi a mais longa e mais desgastante por tudo que envolvia. Ainda mais tensa devido ela sempre tentar distorcer e recorrer a discussões secundárias para tentar fazer prevalecer seus argumentos. Nessas horas tinha que deixar ela esgotar esses expedientes sem dar foco neles. Tratar ela com certa frieza do começo ao fim seria a medida que ela menos esperava. Aos poucos isso surtiu efeitos e consegui esclarecer tudo com ela sem que ela ficasse histérica. Era como se desarmasse uma bomba relógio. Fazer ela compreender claramente que o final da linha da nossa relação havia chegado fez ela se calar. Pelo visto, entender que a única coisa que ficaria sobre nós seriam duas crianças ficou nítido no horizonte dela. Quando notei que ela tinha “captado a mensagem” saí o quanto antes dali. Se ela fosse explodir seria sozinha, porém ela ficou sentada na baqueta do piano de Ingrid aparentemente triste dum jeito clássico das pessoas que caem na real depois de anos de fuga de si próprio. Não senti pena dela, pelo contrário, me senti desobrigado em ter que revisar qualquer coisa sobre ela daquele momento por diante. A conclusão é que há pessoas que são livres e outras que fogem o tempo todo sem serem realmente livres.


Após essa conversa de gente grande fui ver Ivan e com Bia as coisas foram bem tranqüilas. Almocei com eles passei a tarde cuidado do Ivan que estava um pouco ficando gripado como eu. Aquele livro de samurais ainda estava comigo e ficamos curtindo aquelas histórias juntos, além de fazer um lanchinho e assistir o masters de Augusta que fez Ivan começar a gostar de golf. Bia só voltou no final da tarde depois duma tarde de mercado, manicure e salão de beleza. Ao conversar com ela tive a impressão que de todas as outras já entrevistadas, ou com quem tinha me relacionado, entre mim e ela tudo o que tinha decorrido tinha os mesmos ingredientes iniciais de como estava sendo com Karol. Isso se baseava na forma que nos conhecemos e como desde a primeira vez que nos vimos já surgiu algo forte entre nós. Quando ela me perguntou o que tinha acontecido com Agatha ela pareceu também se ressentir de algumas coisas de nosso passado em comum. Disse-me com muita franqueza que se eu tivesse mais paciência com qualquer mulher ou fosse menos tolo ao ponto de ver que elas só querem que eu cuide delas independente da situação eu seria o cara perfeito. Ouvir aquele clichê dela era o que eu precisava ouvir. Em retribuição a honestidade dela fiz um jantar para ela e Ivan que parecia recuperado um pouquinho da febre. Conversamos sobre negócios, pessoas, viagens e como não tinha planos de ficar na cidade nos próximos tempos ofereci para ela se mudar para a minha casa com Ivan. Terminei aquele dia com a sensação de dever cumprido.  No entanto, precisava tomar algumas decisões para o futuro, pois tudo que ouvi de cada uma delas num momento ou outro fechou um quebra cabeças que há tempos estava pendente de  encaixar as últimas peças.



Como diz o ditado decisões são o que as pessoas tomam para serem felizes... Isso me recorda duma cena de O Filho da Noiva na qual o protagonista reclama com o padre que se tivesse discernimento no dia do seu casamento com certeza não teria se casado, porém como era muito amor o que sentia não importava o quanto discernimento tivesse, era os sentimentos que pesavam em sua decisão de casar-se com a mulher amada. Como uma coisa leva a outra isso me faz lembrar duma passagem de algum livro de Milan Kundera: “Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que  a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo “esboço” não é a palavra certa porque um esboço e sempre um projeto de alguma cosia, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não o esboço de nada, é um esboço sem quadro”. Ao meu ver, ser realmente feliz nesse sentido pode ser impossível, ainda mais quando se envolvem sentimentos de duas ou até mais pessoas. Se a vida é um esboço - como realmente parece ser de alguma forma - não há certeza de nada, o que persiste ao longo do tempo é apenas uma decisão, mas sim várias decisões tomadas dia após outro para cumprir a árdua tarefa de manter aquela chama da felicidade sempre acesa de alguma forma. Muitas vezes as pessoas acreditam que tanto na alegria quanto no amor parece exagerado por exigir atos e não palavras para mantê-los. As palavras servem para expressar o que sentimos em relação o amor que nutrimos por alguém, só que palavras não alimentam ou alicerçam o amor ou felicidade com a solidez de ações e atitudes, para amar ou ser feliz, ou permanecer amando ou sendo minimamente feliz; se necessita de atos e decisões que transformem sentimentos em atitudes concretas que realizem algo.





Na última noite que passei com Karol em Paris eu já sabia que ficaria sob a névoa desses pensamentos nos dias subsequentes. Uma semana antes de tê-la encontrado tudo estava previamente decidido, aceito e carimbado como para uma longa temporada dum teatro de sombras e aparências numa vida repetitiva entre trabalho, casa, família, antigos amores e casos fortuitos. Esse era o destino evidente que estava atrelado com permanecer em Curitiba e com Ágatha. Entretanto, havia algo dentro de mim que me culpava. Havia um impiedoso entendimento interno que me deixava numa constante certeza que havia errado em ter pedido ela em casamento por ter sido movido por alguma forma de sentimentalismo superficial. Ao menos, me arrependia naquele momento de algo de que fiz e não de alguma coisa que deixei de fazer como é a tônica de muitas pessoas. Isso me levava a pensar que com Karol tudo tinha sido perfeito devido não termos desperdiçado os momentos que achávamos que seriam os únicos que teríamos. Momentos raros para concretizar aquela afeto súbito e mútuo que surgiu desde o primeiro instante que nos vimos. Termos feito amor da primeira vez fora algo inconsequente segundo ela dizia para sua natureza. Mas seria segunda vez foi conseqüência dessa inconsequencia?  Enquanto olhava para ela se despindo, ela brincando com cada peça de roupa, atirando uma a uma em minha direção dizendo: “não me olhe sou tímida” me concentrava nos olhos dela, no cheiro e modo natural com que ela atiçava não apenas o meu desejo de fazer amor com ela, mas também o desejo de que momentos como aqueles não ficassem apenas no passado.  Constatei que quando a pele dela roçava na minha, quando seus lábios quentes tocavam meu rosto, tudo aquilo se tornava uma prece para que os momentos de prazer que o destino nos proporcionavam não terminassem jamais. Ela desabotou a minha blusa, deslisou suas mãos sobre meu peito, olhou para mim e sorriu como se quisesse me manter cativo do seu feitiço. Foi nesse instante que o inexplicável desejo de nunca mais sair daquele quarto tomou posse dos meus sentidos. Acariciava o rosto dela com a mão, ela segurou minha mão beijou a palma e depois nossas bocas e corpos se uniram até ela interromper aquele beijo para gemer em meus ouvidos e repetir as únicas palavra em francês que ela dizia sem sotaque algum.



Após isso, a questão que tomava conta das minhas reflexões é se todos os atos de prazer, não apenas com ela, mas com todas as outras que havia afeição seria amor mesmo. Isso talvez fosse a prova que discernimento não se faz presente quando se ama alguém. Um determinado dia da sua vida você está numa estação de trem uma mulher com uma bolsa a tiracolo olha para você sorri e num impulso incontido faz um comentário sobre uma generalidade qualquer e aquele dia transforma-se da água para o vinho.  São dessas formas que certas coisas começam em nossas vidas, sem discernimento do instante seguinte, do dia posterior, ou das semanas, meses ou anos que virão logo a seguir. Naquele dia estava sendo demolida uma das minhas últimas incertezas sobre manter diversos casos fortuitos com muitas mulheres como algo proveitoso. Toda vez que olhava para Karol emanava do jeito dela me olhar e modo dela sorrir e falar que alguma coisa nela estava explodindo de alegria. Um segundo antes dela olhar para trás e me avistar ela parecia nervosa, com pressa, debatendo com o atendente do guichê sem dominar o idioma. Como eu estava interessado na mesma informação e ouvindo o assunto diretamente em decorrência da situação, ela e eu fomos unidos por movimento do destino o qual deu início a tudo entre nós.  No minuto seguinte eu parecia a pessoa mais especial do mundo para ela. Para mim aquilo era algo incomum.




Certamente estava passando pela mesma fase algum personagem dos romances de Milan Kundera já havia passado. Quando relatei justamente isso para Karol naquele primeiro dia, ela ficou curiosa, contou-me que sua mãe era tcheca, e ficou contente por gostar dum escritor que ela também havia lido muito por influência maternal. As nossas afinidades pareciam contar em todos os assuntos e temas, isso foi tornando o passar do tempo com ela algo ainda mais delicioso. Esta passagem por Paris estava ficando cada vez mais repetitiva nos meus pensamentos. Havia algo em mim que fazia recordar cada momento com detalhes milimétricos. Isso me deixava feliz e reconfortado depois de ter passado a limpo minha história com as ex-mulheres justamente naquela semana. Sentia-me finalmente fora daquela cena Fellini 8½. Antes de chegar à Paris me sentia num misto de Tomas e Guido e depois de partir de Paris ainda me sentia um pouco Tomas, mas não me sentia como Guido de Fellini 8 e ½, naquela cena onde suas amantes do presente e passado, bem como, sua esposa aparecem numa cena reverenciando Guido e fazendo de tudo por ele, até um breve momento que se revoltam com ele fazendo-o arrumar um chicote para fazer as coisas voltarem ao status quo do início da cena. Aquela sensação de que não se sabe mais nada, de como as coisas foram ou como serão, parece ter batido a minha porta cobrando maturidade e sabedoria, mesmo que seja impossível alegar se isso é algo temporário ou definitivo a sensação é que algo precisa mudar para que eu saísse de cenas como essa que rondam a minha imaginação aparentemente tinha acabado.       



A súbita decisão de sair da casa e talvez até deixar a cidade por algum tempo dependeria dos negócios. A casa nova não me atraia nem mais um pouco. Os planos feitos para aquela residência nova eram correlacionados todos com Ágatha. Como não queria vender nenhum daqueles imóveis, achamos melhor dar para eles novos moradores. Da minha parte, se eu fosse nos próximos dias para uma tribo indígena reaprender a viver de acordo com as normas da natureza ou seguir numa viagem com vários destinos pouco importava. Assim, que tivesse passado os negócios para os novos administradores, a casa nova para os novo moradores, estava livre, sem obrigações diárias com empresa, parentes, e lugares. Poderia estar com quem quer que fosse e onde quisesse sem dia nem hora para partir. Ao chegar em casa liguei alto o Pink Floyd, peguei uma garrafa de whisky e fiquei deitado na sacada olhando o espaço sem fazer planos, apenas analisando possibilidades, probabilidades e nenhuma conseqüência desses fatores. Ainda estava sob os efeitos emocionais da viagem para Europa, e dos assuntos pendentes agora resolvidos com Ágatha. Só restavam as pautas de negócios e tudo estaria finalizado. Precisava aclarar todos esses acontecimentos e depois que tudo estivesse devidamente nítido e arquivado poderia descortinar novas hipóteses. Após anos vivendo sob a pressão diária de decisões nos negócios e acertos e desencontros nos relacionamentos tudo isso estaria num segundo plano, ou ao menos num estado de total incondicionalidade. Redigi essas palavras, tomei o último trago, desliguei o som e fui dormir de alma leve...

   

 




       

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