sábado, 4 de abril de 2015

Uma dose de Balzac para tentar explicar as mulheres

Talvez seja necessário filosofar ou apanhar um pouco mais na vida para chegar algumas conclusões de que nossa história no plano terrestre não resume aos prazeres hedonistas.  Embora não seja minha intenção lavrar um tratado de filosofia neo-estóica sobre o bem viver, ou virtudes ou criar um sistema de argumentos fundados em alguma tradição da filosofia pós-Descartes para explicar algo que muitos já devem ter talvez descoberto – talvez mais uma vez, possa ao menos engendrar algumas premissas sobre como o tempo interfere em nossas vidas de forma empírica. Vou tratar disso, a começar pelo efeito do tempo nas mulheres que julgo ter conhecido com alguma profundidade. Tarefa para destemidos ou não; vamos lá!



Muita gente antigamente empregava a palavra balzaquiana de forma pejorativa e até negativa. Nesse contexto hoje em dia se diz que aos trinta anos as mulheres chegam ao seu ápice: Elas se tornam mais maduras, realistas e vividas, elas esbanjam sensualidade e realização. Ao meu ver, isso pode ser uma falácia, uma premissa que carece de melhores expressões da verdade, mas não importa, para mim basta colocar um “talvez seja isso mesmo” ou “talvez não” para tratar do assunto como um todo.



Já estive com algumas mulheres de mais de trinta que são mais maduras, sensuais, menos tímidas, mais realistas e, principalmente mulheres que sabem o que desejam com segurança. As ditas balzaquianas, como ficaram conhecidas popularmente, tem em si coisas boas que as meninas de vinte ainda não possuem ou deixaram de ter de errado ou complicado. A conta fecha do mesmo jeito, porém às vezes não bate em todas as equações por serem cada uma tão diferente da outra e por não terem experimentado determinados menus da vida com oportunidade de escolher outras trilhas sonoras, paisagens, quiçá desfrutado de amores turbulentos ou mais picantes.



Considerando isso do ponto de vista de Balzac - o qual viveu no início do século XIX, e foi o primeiro a discorrer acerca da incompatibilidade dos relacionamentos no tocante a discussão sobre a idade feminina. Isto é, outros tempos, outros valores, mas a essência temática continua a mesma: Mulheres com mais experiência de vida. Foi ele quem considerou que as mulheres aos trinta estavam no ápice da sua vida sexual ao ponto de conhecerem como ninguém a arte de seduzir e encantar.




Já ouvi algumas delas confidenciarem o seguinte na cama depois duma noite de prazer, coisas do tipo: "Hoje me sinto melhor em relação aos homens, antes eu fantasiava demais, vivia no mundo dos sonhos e ilusões, era muito romântica e presa aos tabus”. Elas não dizem coisas tão somente em relação ao sexo, ao prazer, aos tabus, mas fazem sempre referências aos homens nessa correlação. Fico me questionando até hoje que diabos seria se sentir melhor em relação aos homens? Não sou mulher para saber! A resposta mais óbvia na minha fértil ou parva imaginação seria mais uma vez ligada à segurança quanto aos sentimentos, ao seu corpo, a tudo que cabe ou não numa relação homem e mulher. Toda mulher parece sempre estar em busca de segurança, dum porto seguro, de algo sólido, até mesmo quando opta pelas relações mais inconsequentes há algo que parece emanar esse anseio nelas.  Na certa elas se tornam mais intuitivas e conhecem melhor as ciladas e truques masculinos e por isso se saiam melhor em diversos sentidos, seja na cama, nas conversas, na hora de seduzir com o passar dos anos.




Elas dizem também: “Agora me conheço, sou mais solta, faço o que gosto com menos pudor, não me preocupo com tantas coisas”. Isso seria um recorte da situação bastante minimizado para tratar do assunto. Há o outro lado dessa mesma moeda: Ao passo que elas se sentem mais donas de si em muitos quesitos, mesmo assim as mulheres não deixam de se portar como flores efêmeras que temem o seu ocaso. Muitas vivem nos dilemas, nas pressões, não encaram certos temores, não desencanam de certos conceitos ou acontecimentos do passado e tanta coisa junta que só na cabeça duma mulher coexiste em desarmoniosa harmonia.



O tempo passa para elas, mas parece que algumas coisas tais como valores, sonhos continuam os mesmos como âncoras que emperram tudo. Quantas eu já vi querendo casar, sonhando com véu e grinalda, enxovais de bebês, férias no campo, uma casa bem decorada, um marido atencioso e amoroso etc. Isso é o sonho de consumo delas. Já outras querem isso e falham nisso clamorosamente, são afeitas a caprichos a irritações, em suma a tudo que descompensa uma relação entre homem e mulher.




Para as ditas independentes foi-se embora o ideal do casamento prematuro que era visto como prioridade.  Agora elas pensam em suas carreiras, estudos, viagens, não querem filhos agora, deixa pra depois, e daí o tempo passa e tudo fica no passado e futuro incompleto. Parece até mesmo que o enredo balzaquiano ronda a mente delas, pois afinal, Júlia d`Àiglemont é o fiel retrato da mulher mal casada, consciente da razão de seus sofrimentos e revoltada contra a instituição imperfeita do matrimônio. Quantas não são assim hoje? Lá estão elas aos vinte ou vinte cinco ou vinte nove achando uma maldição não estarem casadas com aquele script de filme ou novela romântica sendo cumprido à risca. A única coisa que assombra elas é o tempo aliado ao estar ainda solteira, nada mais importa, tudo que fazem e pensam tem relação com isso. A monotonia e o tédio de estarem sozinhas só pode ser curado com o casamento. Um anel de ouro na mão é troféu de honra ao mérito. Tudo deve ser de papel passado, como manda o figurinho, com chuva de arroz e lua de mel num lugar paradisíaco. Não basta morar junto, não serve aquele sujeito no começo de carreira para companheiro, precisa-se avidamente manter as medidas apesar de adorar devorar chocolates na TPM. O prazer da própria companhia não diz respeito a essas mulheres, elas se superestimam como as últimas bolachinhas do pacote, crêem com fervor serem maduras, agradáveis, inteligentes e bem resolvidas.  Mas não são, é tudo ilusão da matéria.


Como homem eu já estive com mulheres quando elas estavam tanto na adolescência quanto pós-adolescentes, ou pós-trinta... Quando desabrocham depois de certa idade, aos trinta anos em especial, admito que a coisa pode ser catastrófica ou maravilhosa. Ah essa loteria já me trouxe bons e maus momentos! Parece que algumas entesouram sensualidade e por estarem com os hormônios, com a vida e com os sentimentos mais harmonizados, exalam sedução diferente em cada gesto. Não são aquelas meninas que falam pelos cotovelos ou que querem apenas dividir a pipoca no cinema sem prestar a atenção em nada por estar interessada em tudo. As mais maduras tem o plus de saberem o que desejam e saberem como querem e como fazer acontecer. Outras não tem - pode ser que seja um dom – mas nem todas adquirem isso com o tempo. Aquela mulher bela e esbelta perfumada, de roupas bem alinhadas, cabelo sedoso, com pele com textura de fruta madura, o cheiro de mulher, nem precisa ser perfume, fica mais forte e elas, ah elas se soltam com desenvoltura e confiança capaz de render qualquer canalha à sua cartilha.








As balzaquianas que florescem desta forma inegavelmente aliam isso aos valores pessoais como inteligência, espiritualidade e cultura... Nem tudo esta nas belas formas da estética. A conjunção imbatível dos belos dotes físicos somada com maturidade pessoal encanta qualquer homem que entenda do riscado e seja chegado em qualidade, e porque não, em quantidade também, há muitas assim nesse mundo soltas a espera que um homem sob medida nessas mesmas proporções de beleza e maturidade. Quando eu era adolescente já tinha queda por mulheres mais velhas, agora então quando encontro algumas seja de trinta, quarenta ou cinqüenta com essa paleta de cores vivas fico deslumbrado e fascinado de outra forma. Diferente de antes não quero apenas desfrutar da atração física, a tendência é buscar uma nova realidade, a da intimidade com requintes mais refinados.  Hoje compreendo as coisas com mais sofisticação e parcimônia, aquela pressa em conquistar uma mulher da noite para o dia não é necessária, basta saber quando as coisas podem fluir e como fazê-las fluir a dois. O tempo é um detalhe que pode ser favorável ou contra, Irá depende de cada caso, de cada contexto ou cenário e pessoa a qual desperta seu interesse.




Vou lhes dar exemplos disso: Entre um affair e outro o período mais alongado de tempo que passei com uma única mulher foi quatro anos. A maior parte desse  período foi casado com uma mulher mais jovem - uma diferença de sete ou oito anos, eu tinha vinte e oito e ela vinte.  Ela e eu vivendo na sua plenitude. Eu estava estabilizado financeiramente, já tinha percorrido o mundo e beijado muito por assim dizer. Ela, a Bia, uma mulher extraodinária, leve, divertida, culta, ainda na faculdade, dona duma beleza digna de nota e um estilo cativante ora tímido ora surpreendente pela audácia. A diferença de experiência de vida de ambos era anos luz uma do outro, mas havia química, e o tempo que me servia como grande escola e bagagem servia a ela como novidade e aprendizado. Creio que isso tenha casado tão bem em nós, pois antes quando era um jovem universitário e imaturo junto duma bela garota com qualidades semelhantes foi o só caos. O peso do tempo e da experiência adquirida não resolve tudo, não é a fórmula mágica, mas ajuda em muita coisa nas relações. 



O tempo passou, as situações que ela não sabia como lidar por mais que eu tivesse a dita bagagem da experiência nas costas não serviu para salvar o casamento depois duma longa fase depressiva de Bia. Não a culpo por isso, pois o que tem que ser compreendido nisso que viver a dois independente de idade e tempo de experiência é uma equação delicada. Viver anos sozinho não serve, viver anos juntos também não, ser jovem ou mais velho também não adianta, o cálculo não bate de acordo com essas variáveis. São necessários outros elementos, coisas muito mais apuradas e filtradas pelo tempo de cadeira nesses assuntos aliados ao senso de maturidade, responsabilidade e estado emocional etc.




Ao me separar de Bia a vida recomeçou do mesmo ponto de antes por ironia do destino. Foi o momento de encontrar outra jovem de vinte aninhos, se formando na faculdade, cheia de sonhos, recheada de encantos pessoais e dotes de beleza. Surge Aline, aos poucos ganha espaço, se torna secretária, uma amante platônica, depois namorada e depois quando tudo poderia indicar o altar mais uma vez, rechacei essa idéia enquanto ela nutria esse ideal. Aline seria a Bia que poderia vir a dar certo se tudo tivesse continuado? Não creio isso. Aline sempre foi e será Aline, até que ela mude ao menos devido inúmeros fatores ela tem muita coisa parecida e uma imensidão de coisas diferentes com qualquer outra que passou em minha vida. Com ambas as noites eram de prazer em diversos sentidos com boas risadas, conversas, passeios, semanas e semanas cheia de transas rotineiras, carinho, afeição e até mesmo uma parceria nos afazeres profissionais rolava. Mesmo com todos esses ingredientes a coisa se perdeu, fez água, e naufragou...    



O tempo delas não bateu com meu tempo? Não deram certo as coisas será por que elas eram mais jovens? Essa pergunta volta agora para dizer que também quando estive com outras da mesma faixa de idade. Depois de Bia, depois da Aline, tantas outras mais jovens com os mesmos contornos de juventude, imaturidade, beleza e sonhos e encantos me faziam crer que poderia lapidá-las para transformá-las numa mulher ideal para mim em todos os sentidos. 


A teoria por mais insana que fosse tinha que se testada e todas as vezes que foi experimentada falhou. Nesse caso o teste mais específico foi com Luíza. Lá estava ela, jovem, bela, linda e deslumbrante, confeccionando sonhos para uma carreira brilhante, um casamento e vida digno de notas sociais. Tudo como prioriza os contos de fadas mais fofinhos dessas meninas. Por mais que a beleza de Luíza fosse seu ponto forte, por mais que ela tivesse uma inteligência ou cultura acima da média do mulheril, ela me aborrecia. Quando ela deixou de ser novidade e passou a ser mais do mesmo como as outras. Resolvi desvirtuar novamente depois disso pela senda do affairs de momento sem levar nada a sério sem corresponder a ninguém afetivamente, até que de repente o passado se faz presente dum jeito novo.    



Ao que tudo indica até aqui parece que a vida começa aos trinta ou pelo menos um novo sentido de vida. As perspectivas e dúvidas vão se alterando, os medos vão sendo demolidos e substituídos por temores mais concretos e reais, os valores e intuição vão sendo aperfeiçoados, a vida vai parecendo se encaminhar para algo mais direcionado e sem pontos de volta. Aos trinta e cinco anos, não tenho mais aquela ansiedade de antes, não possuo mais certas vaidades de provar que sou o dono do mundo, que posso fazer e acontecer todo momento, passo a desejar coisas mais simples, mais amenas e aprendo finalmente a dar valor em pequenas coisas. Enfim a coisa toda muda dum jeito inesperado para quem não está prestando atenção na sua própria vida. Deixar se levar ao sabor dos momentos se torna frívolo em determinadas situações, fazer certas escolhas se tornam dilemas, geram culpa, provocam dúvidas terríveis, prioridades se tornam mais prioridades ainda, mas saber ver as coisas por diversos ângulos, entender e procurar a melhor resposta se torna uma habilidade mais cristalizada em nosso ser.



Posso estar em qualquer lugar do mundo, sei o que estou fazendo, tenho segurança sobre os assuntos de trabalho, domino as variadas jogadas do destino em relação a família com mais facilidade, compreendo que não adianta querer resolver tudo de imediato. No final do ano que se passou cai do cavalo literalmente, percebi – para meu desespero - que não tenho mais aquele corpão sarado e fortão de dezoito anos. Por outro lado, estou bem melhor em muitas coisas: com a saúde bem melhor apesar de fraturas, tombos e dores musculares... saúde em todos sentidos, intelectual, mental, emocional, parei de fumar sem crise, deixei de beber litros e passei a beber realmente doses. Me sinto como um fino vinho em fase de maturação que poderá ser apreciado por paladares mais refinados daqui algum tempo. Aliás, me sinto tão bem e creio ter superado tantas coisas duma forma tão simples e honesta que devo tudo isso aos altos e baixos da vida, do tempo e ao aprendizado advindo dessas variáveis.  Rousseau pode me dar razão, ele tem frases que ditam bem o que quero expressar. 




Uma delas diz o seguinte: “Caminhar com bom tempo, numa terra bonita, sem pressa, e ter por fim da caminhada um objetivo agradável: eis, de todas as maneiras de viver, aquela que mais me agrada”. Essa frase aparente fora de contexto remete a queda de cavalo. Uma queda de cavalo paulina por assim dizer. Não que eu tenha encontrado Nosso Senhor, mas sim no sentido que as coisas mudaram depois deste fato: Estava galopando o cavalo tropeçou, caímos naquele chão cheio de pedras escondidas por fina grama, com a cara ou costas no chão, nem me lembro, tudo girava no ar, estribo, sela, o som da batida do corpo no terreno inóspito, tudo rodando como se estive tomado litros de bebida. Apaguei no tombo. Quando acordei com minha mãe ao lado da cama com aquela cara de condenação e aflição que me lembra o tempo que era garoto e quebrava braços andando de skate me senti melhor. Aliviado por ter passado aquilo sem maiores incidentes.
    



Estava no Rio Grande do Sul caminhando por uma terra bonita, desfrutando sem pressa dos eventos, fechando negócios, tomando providências, passeando, reencontrando pessoas. Tudo muito zen e leve, sem maiores preocupações, então resolvo correr com o cavalo e tudo isso continua igual a grosso modo, porém eu ao cair deixei naquele chão cheio de pedras o passado duma vez por todas. Em algum lugar no sul, naquele campo da estância da serra, deixei sepultado lá muita coisa que me atormentava apesar de tudo estar aparentemente bem. Aquele foi o dia de fazer valer as palavras de algum sermão do passado proferido num tempo distante: “Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar;tempo de chorar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar e tempo de afastar. Há tempo de procurar e tempo de perder; tempo de economizar e tempo de desperdiçar; tempo de rasgar e tempo de remendar; tempo de ficar calado e tempo de falar. Há tempo de amar e de odiar; tempo de guerra e tempo de paz”.



Os dias seguintes a queda naquela estância foram para desafogar as entranhas da alma. Ana Laura aquela bela assistente surgiu por ali, para me ajudar com alguns afazeres, seu belo rosto esculpido e olhos brilhantes não me atraiam mais como das primeiras vezes. Sentia-me distante de qualquer necessidade carnal, estava numa espécie de epifania sobrenatural regada a chimarrão, analgésicos e pomada de cânfora. O habitual jeito de ver as coisas tinha se dissipado como nuvens e o sol raiava soberano na minha mente. Parecia ter tomado a pílula da Matrix, mas era algo tão singelo acontecendo pacificamente: estava aprendendo a ser eu mesmo dum jeito novinho em folha, mesmo com velhos ossos estilhaçados e dores estava zero quilometro, pneus novos e motor com direito a nitro. Basicamente tudo que esteve por tanto tempo fora do lugar, ou em lugares ocultos da memória foram pro backup e depois deletados. Aqueles arquivos com vírus e sem utilidade tinham sido jogados fora definitivamente. O excesso de coisinhas insignificantes, de quinquilharia afetiva, emocional, mental, coisas de dez mil anos atrás foram para o buraco negro do hasta la vista baby. Lá estava eu desfrutando dos ensinamentos de Saint Exupéry chapado de analgésicos: “Não há uma fatalidade exterior. Mas existe uma fatalidade interior: há sempre um minuto em que nos descobrimos vulneráveis; então, os erros atraem-nos como uma vertigem”. O que isso significa de fato? Um sujeito como eu, com todos os meus defeitos e irracionalidades, bem como meus méritos e triunfos não deveria estar feliz com tudo que possuo na vida? Sim! Isso é obvio ululante. Entretanto, estava lá dia após dia, juntando poeira de lembranças nas narinas e sempre tendo alergias mentais por isso. O caos do passado era visitinha freqüente entre uma dose e outra whiskey de alguma marca famosa, cada gole era uma refinada e nova reflexão daquele dia que tudo deu errado, daquela fase que tudo desabou, que o chão se abriu e tudo caiu. Tudo que era vestígio de dano e caos foi embora com o abençoado cavalo que me derrubou porque o que eu estava fazendo antes daquele dia era entrar e sair da inércia dos dias que já se foram... Era disso que eu corria naquele dia galopando...a queda só adiantou o inadiável. Remediar tudo isso com uma boa dose de sabedoria que só tempo e as quedas da vida destilam num alambique chamado vulgarmente como cair do cavalo, quebrar a cara ou dar com os burros n’água. Isso me fez aceitar duma vez por todas a imperfeição, fez aceitar as conseqüências do destino, fez sacudir a poeira e dar a volta por cima dando ponto final em muitas histórias.





As que mereciam ser revividas seriam as incompletas e boas demais para serem deixadas de lado se um final derradeiro e majestoso. Se haveria final feliz ou não também pouco importava. As coisas não vem em ordem direta como um soco de boxeador, nada disso; muitas vezes são subordinadas ao inesperado, ao acaso, aos caprichos dos personagens. Assim sendo, foram nesses dias de pura degustação do tempo e da liberdade de pensar que ócio permite para certas pessoas que conclui que gostava muito da Ágatha para deixar passar batido nossa história de decolagens e quedas sem paraquedas.  Passamos o final de ano numa espécie de reencontro e lua de mel em Punta Del Este. A idéia poética de viver um afeto mágico transformador, de deixar tudo que distanciou e se perdeu fora dessa nova rodada, o lance de esperar o melhor das pessoas, de se empenhar para que este melhor apareça duma vez por todas... e só desistir quando o que acontece é algo grave demais, do tipo que não é possível suportar, que precisa atingir o nível de "mais vale um inimigo sincero que um amigo desleal" para chegar ao ponto de tomar uma atitude mais severa de desistir. 


Foram esses elementos e tantos outros que me fizeram rever com novos olhos Ágatha; aquela mocinha de quinze anos agora nas portas dos trintas anos tão mais bela, desenvolta, porém ainda insegura e cambaleante nas emoções e decisões...




O tempo muda a mesma pessoa duma forma que somente quem pode testemunhar essas mudanças, somente quem é capaz de viver com elas esses saltos no escuro do destino, é capaz de certificar quando algo desabrocha ou não nas relações.  Aquela loira magrela e alta, hoje é uma mulher de corpo definido, sem perder o brilho dos olhos verdes de esperança tinha mudado em muita coisa e absolutamente nada em outras. Antes ela era tímida em todos os lugares, até mesmo entre quatro paredes, mas hoje, ela sabe como ter e dar prazer sem pensar se está infringindo os conceitos quadrados da fé ou costumes caretas que sempre foi atrelada. Aprendeu a cobrir e despir com classe e segurança a silhueta daquele corpo de tez macia angelical. Dane-se se os peitinhos das mocinhas são mais durinhos segundo consta nos almanaques dos tarados de plantão, os peitos de Agatha não são peitinhos, são seios, também são empinados e durinhos, são assim porque ela malha rotineiramente, mesmo tendo amamentado há quinze anos atrás estão perfeitos. Não é aquela mulher que o sofreu o desgaste da falta de vontade de se cuidar, zelar, com seios caídos ou as celulites que cismam em se instalar na minhas coxas. Agatha tem o rosto ainda sem marcas, fruto dos cremes milagrosos e de sua disciplina árdua de mulher vaidosa interiorana. No entanto o jeito de olhar, com aqueles verdes olhos, são mais expressivos e carregam a bagagem do que ela viveu e, segundo ela, das mágoas que chorou um dia por minha causa. Retomo Balzac:  "Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis para um rapaz, obedece a um sentimento consciente. Escolhe dando-se. A mulher experiente parece dar mais do que ela mesma, ao passo que a jovem, ignorante e crédula, nada sabendo, nada pode comparar nem apreciar... Uma mulher... se esconde sob mil véus... Afaga todas as vaidades... Chegando a essa idade, a mulher sabe consolar em mil ocasiões em que a jovem só sabe gemer. Enfim, além de todas as vantagens de sua posição, a mulher de trinta anos pode se fazer jovem, desempenhar todos os papéis, ser pudica e até embelezar-se com a desgraça".

Para minha loteria afetiva a Ágatha seria as duas coisas descritas por Balzac ao mesmo tempo.  Defino isso como sendo uma bipolar afetiva que faz loopings de imaturidade das jovens com retoques de carisma e sensibilidade dignos duma sábia deusa grega. Isso não importa muito quando as coisas estão fluindo, quando tudo está bem, isso realmente importa quando tais coisas se tornam atitudes que definem o rumo da relação. Foi esse o pecado capital de Ágatha, e pior justamente quando ela havia engravidado mais uma vez de mim. Eis o lamento que merece distinção e uma breve narrativa dos fatos: Durante as festas de Natal, numa noite daquelas em que se toma muito champanhe e se atreve a cometer descasos com o controle de natalidade consumando noites tórridas de amor, foi nessa época, pelos meus cálculos, que foi concebido o novo rebento da minha prole.  Até aqui tudo perfeito, nenhuma novidade na minha vida, seria a sétima vez que isso estava ocorrendo para denotar a perfeição dessas noites de “amor ilimitado” e possivelmente caso de extrema necessidade de fazer uma vasectomia. Não que eu ache que ter muitos filhos seja ilegal ou afrontoso aos costumes modernos, nada disso, mas ser pai é uma coisa que demanda muito tempo e presença disponível aos filhos; e nesse quesito eu peco muito com meus filhos. 


Como sempre, salvo uma única exceção de gravidez planejada, recebi a notícia e fiquei alarmado, depois passa, a adrenalina baixa e ficamos felizes, mas quando a novidade vem o ar some, o peito aperta, a cabeça dá um tilte. Nada que alguns cafezinhos e dia agitado no escritório não piorem...Mas passa, fiquem calmos pais de primeira viagem, a coisa é assim mesmo...




Basicamente quando tudo isso aconteceu pensei ter chegado no curso definitivo das coisas na minha vida. Não tive medo, nem remorsos, nem fiquei medindo conseqüências, a coisa seria naturalmente o feijão com arroz de qualquer pessoa nessas situações. Com Ágatha grávida, eu morando em Curitiba, o mais coerente seria apostar nessa história todas as fichas e aguardar a roleta do destino. Foi exatamente isso que fiz e quebrei a cara, pois a Agatha virou a mesa da roleta. Pedi ela em casamento, ela aceitou, e fui tocando a vida. Como disse antes as prioridades com o passar do tempo se tornam ainda mais prioridades, mas nesse calculo enfatizei demais minha agenda de trabalho com viagens longas, séries de reuniões, e a ausência costumeira passou a fazer Ágatha ter seus chiliques de ciúmes, de desconfianças e irritar com o fato de ser um noivo ausente, que deveria logicamente acompanhar passo a passo a gravidez.  Um belo dia, ela me comunica com um vídeo enviado por e-mail, enquanto eu finalizava a longa agenda de negócios e viagens que está tudo terminado. Ponto final, game over, ela tinha tomado a decisão extrema três meses depois de anunciada a nova gravidez. Dias depois descubro que ela resolveu voltar com ex-namorado dela de alguns tempos atrás, o mesmo que tinha ocasionado uma primeira separação logo que me mudei para Curitiba.



Enfim, havia perdoado ela, e tudo mais que tinha decorrido em muitas outras fases da vida duma vez por  havia anistiado todos os assuntos pendentes no ficha corrida da vida devido toda aquele desafogamento emocional que decidi tomar no episódio da queda do cavalo por concluir que já havia passado tempo demais para ressentir muitas coisas. Perdoar em definitivo em todos os sentidos me libertou, trouxe paz de espírito novamente, fechou portas e janelas do passado. Naquele dia quando recebo aquele vídeo calamitoso, por um instante me vi soterrado novamente em escombros. Desta vez seria mais breve todo o processo de sentir raiva e se desgastar com coisas desse tipo. Afinal, já conhecia o remédio para esses males, o tempo que leva para fazer efeito e consumar a cicatrização. Além dos métodos de como sair de tais situações sem sair com arranhões.  Serenidade não é uma qualidade de certas pessoas, depende ao meu ver, muito mais da capacidade de inferir sobre os fatos de forma honesta, contabilizar e decidir sobre nossas emoções do que esperar milagres advindos de fatos novos.Todo aquele protocolo de como lidar com esses acontecimentos é conhecido por qualquer pessoa que tenha alguma vez na vida passado por isso. Sabia que uma hora ou outra haveria uma conversa face a face, uma exposição de razões e contra-razões, fatos e versões, tudo aquilo seria mais uma vez necessário para oficializar o protocolo dos finais infelizes. Aceitar isso de antemão não se torna um ato oneroso quando se decide e tem clareza do que se está vivenciando. Isso parece ser recorrer aos clichês de livros de auto-ajuda, porém, o nome disso é racionalidade.  Com base nos erros e acertos de cada um decidi cumprir o protocolo e nunca mais insistir com Ágatha. Parece uma promessa em momento de raiva, com tudo embaralhado e ofuscado, mas o tom disso é duma decisão honesta com a realidade dos fatos e sentimentos envolvidos.



Do ponto de vista, ou perspectiva que começamos essa passagem, tudo indica que na vida tempo, afinidades ou desentendimentos, sentimentos de afeto ou rejeição, tudo isso pode ser relativizado, abordado por diversas vertentes e equalizado. No entanto, somente as coisas realmente bem alicerçadas prevalecem no decurso tempo e vencem as adversidades, pois o fator tempo prova mediante tamanhas dificuldades a resistência  das estruturas nele alicerçadas... 

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