segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Começando uma nova fase

Na segunda de manhã acordei meio no susto devido o sono ainda estar pesado por ter ido dormir tarde.  Ao retornar da casa de Flávia, tomei mais uma taça de vinho para relaxar e passei horas conversando com Quim via internet sobre assuntos pertinentes a estadia dele no EUA. Parecia que a mãe dele - Valéria - estava mais uma vez tentando interferir nos planos dele, assim como a mãe de Marie faz com ela. Lidar com esses atritos de mães com os filhos quando já não se tem mais intimidade e diálogo com as ex-mulheres é um pé no saco. Ainda mais no meu caso, por sempre tomar partido ou dos filhos ou duma posição unilateral que vá contra ambas as partes. Valéria estava planejando ir morar com Quim no EUA sob pretexto de auxiliá-lo em sua rotina, e isso desagradou ele fazendo-o reagir de forma intempestiva. O fato fez a mãe dele ficar enfurecida por ter sido colocada no canto do prato e no final das contas sobrou para mim...

De manhã acordei com o despertador soando no meu ouvido como se fosse um toque de recolher e não de acordar. Saí da cama as seis horas da manhã, mal tive tempo de colocar uma roupa apresentável e Marie já batia na porta com a mochila nas costas me recordando que teria que levar ela, Ing e Ágatha para o colégio. Cumpri o combinado, e durante o trajeto apenas falamos sobre a colisão do dia anterior e as providencias que Agatha deveria tomar naquela manhã. Após deixar as garotas no colégio voltei para o condomínio e Ivan já estava serelepe tomando café com as duas anciãs que comentavam sobre alguma coisa irrelevante. Sentei-me à mesa e comecei a passar manteiga no pão e nesse momento a mãe de Quim me liga relatando o mesmo que ele havia relatado na conversa com ele. Não havia novidades, então pedi para ela ligar outra hora alegando estar ocupado e atrasado para algum compromisso. Mesmo assim não pude me esquivar da intromissão das duas velhotas sobre o assunto em questão e tive que relatar para elas o ocorrido.

Ambas ficaram relembrando o meu passado, quando tinha dezesseis anos e comecei a namorar com Valéria e como nossa relação terminou duma forma desastrosa. Minha mãe – como sempre – depositava a culpa disso no casamento de dois jovens imaturos feito às pressas por pressão da família de Valéria e minha tia acordava em tudo com ela dando também seus pareceres. Em momento algum elas atribuíam a culpa para algum dos dois, por justamente julgá-los imaturos e despreparados para uma vida a dois. Aquilo me intrigou, pois sempre os pais em muitos casos como nesse caso do “casamento juvenil” e o de Quim vs Valéria parecem advir de ações parentais e não por atitudes impensadas dos filhos. Os pais por serem mais experientes e maduros deveriam guiar os filhos para caminhos seguros e mais independentes, mas muitas vezes os tolhem de todas as formas tentando proteger seus rebentos. Quando uma situação fora do esperado acontece, buscam dar as suas soluções aos filhos empurrando aquilo goela abaixo como se fosse o mais acertado a se fazer. Raras as vezes deixam os filhos refletirem e tomarem uma decisão que solucione aquilo por eles mesmos.

Quando me casei com Valéria a decisão de casar era da família dela, minha mãe se opunha ao casamento com fortes fundamentos, os quais foram irrelevantes para a família de Valéria. Recordo-me que no dia anterior ao casamento mal consegui dormir. Meu irmão que tinha vindo para ser padrinho de casamento estava tomando whiskey e assistindo um filme no meio da noite, ele me deu uma dose daquele doze anos sabendo que eu estava nervoso e conversou sobre o casamento comigo. Ele perguntava se estava querendo realmente me casa, eu dizia que sim, mas no fundo algo dizia “não, não é isso que quero, nem sei o que quero mais”... No dia seguinte logo pela manhã, casamento no civil, naquele cartório cheio de rostos desconhecidos,  o clima abafado e gravata apertada estava me deixando um tanto incomodada além do normal. Valéria sorria ainda com aparelhos nos dentes, parecia realizar o sonho da sua vida e sua barriguinha ainda sequer aparecia.  Depois daquilo um almoço na casa do meu pai fechou a agenda da parte da manhã. Minha mãe e meu tio Joseph tinham dito para meu pai me arrumar um emprego na empresa dele, apesar de ter prometido o emprego descumpriu o acordo alegando que sua atual esposa não gostaria daquilo. Estar na casa dele naquele dia era como estar debaixo do mesmo teto que um traidor.     

Naquele ano eu tinha começado a trabalhar com Lúcio na oficina, que aos poucos devido uma série de fatos fez ele se tornar de empregado em patrão. Foi naquela oficina que tinha recebido um mês antes a notícia da gravidez de Valéria e logo no mês seguinte vésperas de carnaval ou quaresma lá estava eu me casando. Havia engravidado Valéria durante uma viagem de visitas a avó dela no final de ano por ocasião das festas de Natal e ano ovo. Os pais de Valéria tinha ido para EUA, numa espécie de segunda lua de me e a avó ficou sendo a “responsável” pelas “crianças” naquele período. Naquele dia lá estava a velha presente no casório, ainda com certa inconformidade e aparentemente se remoendo por alguma espécie de culpa em ter falhado na sua missão.  Uma coisa era certa: a concepção de Quim aconteceu no Natal e o final do casamento de Valéria e eu seria no próximo Natal. Ficamos ainda casados por mais seis meses no papel devido uma tentativa de reatar, mas a vida em São Paulo era dura demais para Valéria que era mimada demais para dar conta de tudo sozinha. Quando voltei de férias da faculdade, assinei o tal “desquite” e passei a ser persona non grata para a família de Valéria.
Na mesma época, ainda sem saber, cometi o mesmo deslize de transar sem camisinhas pela segunda e terceira vez vindo a conceber Marie e Ingrid. Parecia fora do possível uma situação daquelas, mas foi a realidade mais fora do comum que passei na minha vida. Aos dezesseis anos eu era ainda apenas mais um garoto que estava vivendo seus primeiros relacionamentos afetivos seja com uma prima, com uma garota do clube, ou com a Valéria que conheci na escola. Estava com a cabeça fresca, apenas preocupado com alguns problemas caseiros típicos de qualquer família de pais separados e com alguns rolos no setor financeiro doméstico. De repente, era pai, uma, duas vezes, e na terceira minha mãe parece ter agido como uma espécie advogada das causas perdidas e mesmo sabendo que Ágatha poderia ser uma boa opção para mim, resolveu levar tudo por outros caminhos que se tornaram por anos num segredo entre elas do qual eu apenas desconfiava com medo descobrir a verdade.

Semanas atrás quando contamos para Ingrid a verdade, eu soube também dessa verdade que ambas – Ágatha e mamãe – sabiam desde o começo que o filho era meu, pois Agatha, apesar de namorar com outro sujeito também mais velho, ainda era uma garota virgem de quinze anos. Minha reação foi a de me sentir traído, mas por um instante eu lembrei que se tivesse tido coragem de questionar a verdade antes e não fugir das conseqüências teria solucionado esta questão há muito mais tempo. Assim sendo, eu também tinha culpa no cartório, e não me restava outra saída senão a duma anistia geral para todos os envolvidos nessa história. São nessas horas que solucionamos grandes atritos ou decepções por si mesmos, tomando atitudes mais maduras e honestas em relação a todos os fatos. Naquela hora também compreendi que para um garoto de dezessete ou dezoito anos aquilo seria um fardo pesado dado para quem não suportaria o seu peso. Tanto eu, quanto Valéria e Ágatha éramos jovens demais para dar conta de certas coisas e medir as conseqüências de nossos atos através de outras perspectivas.

Terminei aquele café da manhã relembrando isso junto de mamãe e titia. Elas por sua vez se mostraram felizes em saber que os rumos incertos do passado agora tinham dados bons frutos. Sabiam que apesar dos pesares tudo tinha se resolvido e que naquele instante o principal era fazer os frutos desses relacionamentos imaturos felizes. Não tínhamos mais que pensar sobre o passado como algo tenebroso e repleto de desenganos. Selamos um compromisso de deixar no passado tudo que fizemos de certo ou errado em relação a tais fatos tentando com isso trazer apenas as valiosas lições aprendidas para o presente e futuro.

Depois disso, levei elas para fora e relatei os meus planos em construir uma casa no espaço de terreno vago ao lado da casa delas. Enquanto a casa nova não ficasse pronta iria tentar comprar a casa do vizinho que tinha se mudado e me transferir para lá junto de Marie e Ivan para que eles tivessem acomodações mais de acordo com as necessidades deles. Desta forma, aquele quarteirão iria todo pertencer a nossa família e teríamos um lugar só nosso. Além disso, isso iria abrir espaço para meu irmão que estava prestes a chegar do Canadá com sua filha e se instalar temporariamente na casa delas. Se havia uma coisa que o dinheiro poderia bancar naquela hora, esta coisa era liberdade de poder escolher quem você quer ter por perto como seus vizinhos. Acreditando que aquilo seria algo benéfico para todos nós no futuro, voltamos para casa e telefonamos para o ex-vizinho perguntando sobre o imóvel. Poucos minutos depois estava feita uma oferta da minha parte com dez por cento abaixo do que o ex-vizinho pedia. Era o preço justo a ser pago. No começo da noite ele retornou a ligação aceitando essa proposta devido necessitar do dinheiro de forma urgente. Faltava apenas lidar com os detalhes burocráticos e tudo estaria pronto para um novo recomeço em Curitiba.

Após este primeiro telefonema, deixei as duas e fui com Ivan até o loft, tomei banho enquanto ele mais uma vez fazia suas artes em guache preenchendo papeis e lençóis de desenhos de formas estranhas que dizia que eram os cães de guarda da casa. Coloquei meu terno azul, o qual minha amiga Marise dizia ser um presságio de buscas espirituais. De certa forma, tudo aquilo era uma busca espiritual por serenidade e uma vida mais madura sem se deixar levar por caprichos e rabos de saia. Precisava ordenar as coisas ao meu redor de acordo com as possibilidade e não me deixar levar por séries e mais séries de acontecimentos repentinos ocorrendo em doses cavalares. Todas as minhas decisões no campo emocional e de relações nos últimos meses tinham sido um fiasco. Desde que tentei reatar com Bia no ano anterior tudo entrou numa espécie de turbilhão de acontecimentos fora de propósito que somente agora me dava conta. Ter tentando reatar com Karen, ter namorado com Luíza e achar que Aline estava sob meu controle tinha sido uma série de erros e fantasias da minha vontade impulsiva por querer algo que não sabia o que era.

Quando viajei para Portugal e conheci Carolina e depois quando reencontrei Elena, comecei a notar que eu tinha que mudar a forma que me relacionava como as mulheres. Elas não poderiam ser para o resto da vida tratadas como troféus duma noite de caça por prazeres, ou como alguma coisa temporária que preenche lacunas que necessitam ser preenchidas por algo definitivo.  No Líbano tinha aprendido a comedir minhas ações e tentar buscar amizades fecundas com as mulheres ao invés de logo partir para um jogo de sedução barato. Quando voltei, apesar dos acontecimentos repentinos em série, passei a tentar manter essa conduta, mas falhei logo de cara ao sair com Flávia e Micaela praticamente ao mesmo tempo. Sabia que precisava frear isso e encontrar alguém que nutrisse minhas expectativas e esse alguém parecia sempre ser Ágatha.  

No horário de almoço fomos todos até o colégio. Ivan ficou com suas “avós” enquanto eu e Marie fomos a um shopping. Tinha em mente colocar Marie a frente dum projeto que atendia ao talento dela no ramo da moda. Passeamos por lojas de roupas, jóias, bolsas e sapatos. Propus para ela que se ela desenvolvesse um projeto de loja nesses setores desde o início planejando cada detalhe eu da minha parte a ajudaria com os detalhes burocráticos e administração, enquanto ela se encarregava do resto. Ela ficou empolgada com a possibilidade e pareceu – apesar dos quinze anos de idade – saber exatamente o que poderia fazer com essa oportunidade. Me senti como se fosse Tio Joseph – irmão de minha mãe  - no passado sendo meu mentor e me guiando pelos meus primeiros negócios imobiliários me dando dicas e sugestões preciosas. Hoje, ele aos noventa e quatro anos e doente pode mais ser consultado como fazia antes em cada negócio. Mesmo assim me lembro de como ele me tratava com carinho e fazia compreender que no mundo dos negócios o melhor caminho é fazer aquilo que se acredita medindo as possibilidades de retorno de cada investimento. Foi exatamente isso que fui fazer com Marie em seguida. Passamos no escritório e colocamos no papel as idéias dela e discutimos por onde ela poderia começar. Ainda tratei de outros negócios enquanto ela se apoderava da minha mesa e cadeira e eu ficava no sofá do escritório numa conversa chata com Aline que tinha voltado para São Paulo reassumir suas atividades.

Quando a conversa infernal com Aline terminou, contei para Marie que pretendia comprar a casa do vizinho e morar com ela e Ivan. Ela gostou dos planos e passou a desenhar a decoração que gostaria de ter nos quartos – inclusive o meu - e listou o que deveria adquirir para deixar tudo a nossa cara. Em seguida, voltamos ao colégio e fizemos uma pequena hora do rush com carro lotado como se fosse uma lotação carioca. Chegando em casa passamos a noite fazendo o mesmo de sempre até a hora de dormir.  

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