Na segunda de manhã acordei meio no
susto devido o sono ainda estar pesado por ter ido dormir tarde. Ao retornar da casa de Flávia, tomei mais uma
taça de vinho para relaxar e passei horas conversando com Quim via internet
sobre assuntos pertinentes a estadia dele no EUA. Parecia que a mãe dele -
Valéria - estava mais uma vez tentando interferir nos planos dele, assim como a
mãe de Marie faz com ela. Lidar com esses atritos de mães com os filhos quando
já não se tem mais intimidade e diálogo com as ex-mulheres é um pé no saco.
Ainda mais no meu caso, por sempre tomar partido ou dos filhos ou duma posição
unilateral que vá contra ambas as partes. Valéria estava planejando ir morar
com Quim no EUA sob pretexto de auxiliá-lo em sua rotina, e isso desagradou ele
fazendo-o reagir de forma intempestiva. O fato fez a mãe dele ficar enfurecida
por ter sido colocada no canto do prato e no final das contas sobrou para
mim...
De manhã acordei com o despertador
soando no meu ouvido como se fosse um toque de recolher e não de acordar. Saí
da cama as seis horas da manhã, mal tive tempo de colocar uma roupa
apresentável e Marie já batia na porta com a mochila nas costas me recordando
que teria que levar ela, Ing e Ágatha para o colégio. Cumpri o combinado, e
durante o trajeto apenas falamos sobre a colisão do dia anterior e as
providencias que Agatha deveria tomar naquela manhã. Após deixar as garotas no
colégio voltei para o condomínio e Ivan já estava serelepe tomando café com as
duas anciãs que comentavam sobre alguma coisa irrelevante. Sentei-me à mesa e
comecei a passar manteiga no pão e nesse momento a mãe de Quim me liga
relatando o mesmo que ele havia relatado na conversa com ele. Não havia
novidades, então pedi para ela ligar outra hora alegando estar ocupado e atrasado
para algum compromisso. Mesmo assim não pude me esquivar da intromissão das
duas velhotas sobre o assunto em questão e tive que relatar para elas o
ocorrido.
Ambas ficaram relembrando o meu
passado, quando tinha dezesseis anos e comecei a namorar com Valéria e como
nossa relação terminou duma forma desastrosa. Minha mãe – como sempre –
depositava a culpa disso no casamento de dois jovens imaturos feito às pressas
por pressão da família de Valéria e minha tia acordava em tudo com ela dando
também seus pareceres. Em momento algum elas atribuíam a culpa para algum dos
dois, por justamente julgá-los imaturos e despreparados para uma vida a dois.
Aquilo me intrigou, pois sempre os pais em muitos casos como nesse caso do
“casamento juvenil” e o de Quim vs Valéria parecem advir de ações parentais e
não por atitudes impensadas dos filhos. Os pais por serem mais experientes e
maduros deveriam guiar os filhos para caminhos seguros e mais independentes,
mas muitas vezes os tolhem de todas as formas tentando proteger seus rebentos.
Quando uma situação fora do esperado acontece, buscam dar as suas soluções aos
filhos empurrando aquilo goela abaixo como se fosse o mais acertado a se fazer.
Raras as vezes deixam os filhos refletirem e tomarem uma decisão que solucione
aquilo por eles mesmos.
Quando me casei com Valéria a decisão
de casar era da família dela, minha mãe se opunha ao casamento com fortes
fundamentos, os quais foram irrelevantes para a família de Valéria. Recordo-me
que no dia anterior ao casamento mal consegui dormir. Meu irmão que tinha vindo
para ser padrinho de casamento estava tomando whiskey e assistindo um filme no
meio da noite, ele me deu uma dose daquele doze anos sabendo que eu estava
nervoso e conversou sobre o casamento comigo. Ele perguntava se estava querendo
realmente me casa, eu dizia que sim, mas no fundo algo dizia “não, não é isso
que quero, nem sei o que quero mais”... No dia seguinte logo pela manhã,
casamento no civil, naquele cartório cheio de rostos desconhecidos, o clima abafado e gravata apertada estava me
deixando um tanto incomodada além do normal. Valéria sorria ainda com aparelhos
nos dentes, parecia realizar o sonho da sua vida e sua barriguinha ainda sequer
aparecia. Depois daquilo um almoço na
casa do meu pai fechou a agenda da parte da manhã. Minha mãe e meu tio Joseph
tinham dito para meu pai me arrumar um emprego na empresa dele, apesar de ter
prometido o emprego descumpriu o acordo alegando que sua atual esposa não
gostaria daquilo. Estar na casa dele naquele dia era como estar debaixo do
mesmo teto que um traidor.
Naquele ano eu tinha começado a
trabalhar com Lúcio na oficina, que aos poucos devido uma série de fatos fez
ele se tornar de empregado em patrão. Foi naquela oficina que tinha recebido um
mês antes a notícia da gravidez de Valéria e logo no mês seguinte vésperas de
carnaval ou quaresma lá estava eu me casando. Havia engravidado Valéria durante
uma viagem de visitas a avó dela no final de ano por ocasião das festas de
Natal e ano ovo. Os pais de Valéria tinha ido para EUA, numa espécie de segunda
lua de me e a avó ficou sendo a “responsável” pelas “crianças” naquele período.
Naquele dia lá estava a velha presente no casório, ainda com certa
inconformidade e aparentemente se remoendo por alguma espécie de culpa em ter
falhado na sua missão. Uma coisa era
certa: a concepção de Quim aconteceu no Natal e o final do casamento de Valéria
e eu seria no próximo Natal. Ficamos ainda casados por mais seis meses no papel
devido uma tentativa de reatar, mas a vida em São Paulo era dura demais para
Valéria que era mimada demais para dar conta de tudo sozinha. Quando voltei de
férias da faculdade, assinei o tal “desquite” e passei a ser persona non grata
para a família de Valéria.
Na mesma época, ainda sem saber, cometi
o mesmo deslize de transar sem camisinhas pela segunda e terceira vez vindo a
conceber Marie e Ingrid. Parecia fora do possível uma situação daquelas, mas
foi a realidade mais fora do comum que passei na minha vida. Aos dezesseis anos
eu era ainda apenas mais um garoto que estava vivendo seus primeiros
relacionamentos afetivos seja com uma prima, com uma garota do clube, ou com a
Valéria que conheci na escola. Estava com a cabeça fresca, apenas preocupado
com alguns problemas caseiros típicos de qualquer família de pais separados e
com alguns rolos no setor financeiro doméstico. De repente, era pai, uma, duas
vezes, e na terceira minha mãe parece ter agido como uma espécie advogada das
causas perdidas e mesmo sabendo que Ágatha poderia ser uma boa opção para mim,
resolveu levar tudo por outros caminhos que se tornaram por anos num segredo
entre elas do qual eu apenas desconfiava com medo descobrir a verdade.
Semanas atrás quando contamos para
Ingrid a verdade, eu soube também dessa verdade que ambas – Ágatha e mamãe –
sabiam desde o começo que o filho era meu, pois Agatha, apesar de namorar com
outro sujeito também mais velho, ainda era uma garota virgem de quinze anos.
Minha reação foi a de me sentir traído, mas por um instante eu lembrei que se
tivesse tido coragem de questionar a verdade antes e não fugir das
conseqüências teria solucionado esta questão há muito mais tempo. Assim sendo,
eu também tinha culpa no cartório, e não me restava outra saída senão a duma
anistia geral para todos os envolvidos nessa história. São nessas horas que
solucionamos grandes atritos ou decepções por si mesmos, tomando atitudes mais
maduras e honestas em relação a todos os fatos. Naquela hora também compreendi
que para um garoto de dezessete ou dezoito anos aquilo seria um fardo pesado
dado para quem não suportaria o seu peso. Tanto eu, quanto Valéria e Ágatha
éramos jovens demais para dar conta de certas coisas e medir as conseqüências
de nossos atos através de outras perspectivas.
Terminei aquele café da manhã relembrando
isso junto de mamãe e titia. Elas por sua vez se mostraram felizes em saber que
os rumos incertos do passado agora tinham dados bons frutos. Sabiam que apesar
dos pesares tudo tinha se resolvido e que naquele instante o principal era
fazer os frutos desses relacionamentos imaturos felizes. Não tínhamos mais que
pensar sobre o passado como algo tenebroso e repleto de desenganos. Selamos um
compromisso de deixar no passado tudo que fizemos de certo ou errado em relação
a tais fatos tentando com isso trazer apenas as valiosas lições aprendidas para
o presente e futuro.
Depois disso, levei elas para fora e
relatei os meus planos em construir uma casa no espaço de terreno vago ao lado
da casa delas. Enquanto a casa nova não ficasse pronta iria tentar comprar a
casa do vizinho que tinha se mudado e me transferir para lá junto de Marie e
Ivan para que eles tivessem acomodações mais de acordo com as necessidades
deles. Desta forma, aquele quarteirão iria todo pertencer a nossa família e teríamos
um lugar só nosso. Além disso, isso iria abrir espaço para meu irmão que estava
prestes a chegar do Canadá com sua filha e se instalar temporariamente na casa
delas. Se havia uma coisa que o dinheiro poderia bancar naquela hora, esta
coisa era liberdade de poder escolher quem você quer ter por perto como seus
vizinhos. Acreditando que aquilo seria algo benéfico para todos nós no futuro,
voltamos para casa e telefonamos para o ex-vizinho perguntando sobre o imóvel.
Poucos minutos depois estava feita uma oferta da minha parte com dez por cento
abaixo do que o ex-vizinho pedia. Era o preço justo a ser pago. No começo da
noite ele retornou a ligação aceitando essa proposta devido necessitar do
dinheiro de forma urgente. Faltava apenas lidar com os detalhes burocráticos e
tudo estaria pronto para um novo recomeço em Curitiba.
Após este primeiro telefonema, deixei
as duas e fui com Ivan até o loft, tomei banho enquanto ele mais uma vez fazia
suas artes em guache preenchendo papeis e lençóis de desenhos de formas
estranhas que dizia que eram os cães de guarda da casa. Coloquei meu terno azul,
o qual minha amiga Marise dizia ser um presságio de buscas espirituais. De
certa forma, tudo aquilo era uma busca espiritual por serenidade e uma vida
mais madura sem se deixar levar por caprichos e rabos de saia. Precisava
ordenar as coisas ao meu redor de acordo com as possibilidade e não me deixar
levar por séries e mais séries de acontecimentos repentinos ocorrendo em doses
cavalares. Todas as minhas decisões no campo emocional e de relações nos últimos
meses tinham sido um fiasco. Desde que tentei reatar com Bia no ano anterior
tudo entrou numa espécie de turbilhão de acontecimentos fora de propósito que
somente agora me dava conta. Ter tentando reatar com Karen, ter namorado com Luíza
e achar que Aline estava sob meu controle tinha sido uma série de erros e
fantasias da minha vontade impulsiva por querer algo que não sabia o que era.
Quando viajei para Portugal e conheci
Carolina e depois quando reencontrei Elena, comecei a notar que eu tinha que
mudar a forma que me relacionava como as mulheres. Elas não poderiam ser para o
resto da vida tratadas como troféus duma noite de caça por prazeres, ou como
alguma coisa temporária que preenche lacunas que necessitam ser preenchidas por
algo definitivo. No Líbano tinha
aprendido a comedir minhas ações e tentar buscar amizades fecundas com as
mulheres ao invés de logo partir para um jogo de sedução barato. Quando voltei,
apesar dos acontecimentos repentinos em série, passei a tentar manter essa
conduta, mas falhei logo de cara ao sair com Flávia e Micaela praticamente ao
mesmo tempo. Sabia que precisava frear isso e encontrar alguém que nutrisse
minhas expectativas e esse alguém parecia sempre ser Ágatha.
No horário de almoço fomos todos até
o colégio. Ivan ficou com suas “avós” enquanto eu e Marie fomos a um shopping.
Tinha em mente colocar Marie a frente dum projeto que atendia ao talento dela
no ramo da moda. Passeamos por lojas de roupas, jóias, bolsas e sapatos. Propus
para ela que se ela desenvolvesse um projeto de loja nesses setores desde o
início planejando cada detalhe eu da minha parte a ajudaria com os detalhes burocráticos
e administração, enquanto ela se encarregava do resto. Ela ficou empolgada com
a possibilidade e pareceu – apesar dos quinze anos de idade – saber exatamente
o que poderia fazer com essa oportunidade. Me senti como se fosse Tio Joseph –
irmão de minha mãe - no passado sendo
meu mentor e me guiando pelos meus primeiros negócios imobiliários me dando
dicas e sugestões preciosas. Hoje, ele aos noventa e quatro anos e doente pode
mais ser consultado como fazia antes em cada negócio. Mesmo assim me lembro de
como ele me tratava com carinho e fazia compreender que no mundo dos negócios o
melhor caminho é fazer aquilo que se acredita medindo as possibilidades de
retorno de cada investimento. Foi exatamente isso que fui fazer com Marie em
seguida. Passamos no escritório e colocamos no papel as idéias dela e
discutimos por onde ela poderia começar. Ainda tratei de outros negócios
enquanto ela se apoderava da minha mesa e cadeira e eu ficava no sofá do
escritório numa conversa chata com Aline que tinha voltado para São Paulo
reassumir suas atividades.
Quando a conversa infernal com Aline
terminou, contei para Marie que pretendia comprar a casa do vizinho e morar com
ela e Ivan. Ela gostou dos planos e passou a desenhar a decoração que gostaria
de ter nos quartos – inclusive o meu - e listou o que deveria adquirir para
deixar tudo a nossa cara. Em seguida, voltamos ao colégio e fizemos uma pequena
hora do rush com carro lotado como se fosse uma lotação carioca. Chegando em
casa passamos a noite fazendo o mesmo de sempre até a hora de dormir.
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