terça-feira, 5 de agosto de 2014

A tradição empreendedora da família




Nossas histórias de vida começam muito antes de chegarmos a este mundo. Por esse motivo irei contar um pouco da história de vida de meus pais e avós para compreenderem o contexto da minha própria história de vida quando foi chegada a minha hora de nascer para esta vida repleta de sonhos, desejos e emoções...

Anton, meu avó, nasceu na Baviera, aos dezesseis anos ele era um seminarista que estava decido abandonar seu futuro religioso. Uma de suas motivações para isso era simplesmente ter uma vida livre que pudesse seguir seu fluxo natural. Assim, em 1916 ele resolve não apenas deixar o seminário, como também decide ir para França fugindo da guerra que corroia a Europa naquela época. Ele arrumou as poucas coisas que tinha e seguiu para Suíça antes de finalmente chegar a costa sul da França depois do final da guerra. Junto com ele, e motivado pelas mesmas aspirações estava seu amigo e também ex-seminarista Gunther. Ambos sobreviviam trabalhando em pequenas propriedades rurais como lenhadores e ajudantes gerais.  A vida dura do campo não incomodou dois jovens que tinham trocado os livros pelo batente pesado. Apesar disso, sempre mantiveram viva a sua paixão por livros de filosofia, em especial pela filosofia clássica aprendida nos tempos de seminário.

Logo que chegaram na França foram trabalhar numa espécie de chateau cujo proprietário produzia queijos artesanais típicos e tinha uma pequena venda de queijos, pães e vinhos na cidade de Villefranche-sur-Mer. Ali aprenderam a produzir queijos, a degustar vinhos e apesar da vida modesta aqueles dois amigos se sentiam muito gratos por terem sido acolhidos por um homem tão generoso que abrigava dois alemães foragidos do seminário. Nessa mesma época vovô conheceu uma moça italiana com qual sempre flertava aos domingos por ocasião da missa comunitária. Ela se chamava Lavínia, era uma piemontesa filha dum alfaiate local. Ela tinha belos olhos verdes e longos cabelos negros, o que dava para aquela jovem italianinha ares duma musa digna de Rafael Sanzio segundo o meu avô. A figura do meu avô também fazia com que a jovem caísse apaixonada por ele como se fosse amor a primeira vista. Os cabelos negros e olho azuis do alemão de porte físico viril devido aos trabalhos braçais dos últimos anos tornava ele um rapaz atraente. Depois dum breve namoro se casaram e passaram a residir na própria casa do meu bisavô alfaiate. Logo tiveram o primeiro filho, meu tio Joseph, que foi o responsável por fazer a cabeça do meu avô a deixar a França em 1940 quando a segunda guerra estava a pleno vapor. Neste mesmo ano, nasceria minha mãe Monique, que seria posteriormente a primeira pessoa da família a retornar para França para estudar.

Tio Joseph traçou todos os planos e fez todos os arranjos para deixarem o país. Ele desejava migrar para a América do Sul, embora meu avô quisesse ir para o Canadá devido às facilidades do idioma. Ao final prevaleceram os planos de Tio Joseph que tinha certo encanto por discos de Carlos Gardel e uma boa impressão da Argentina. Minha avó apoiava a idéia dele e como ele estava decidido a chegar em Buenos Aires e começar uma vida nova aos passos de tango meu avô cedeu aos planos dele. Tio Joseph movido por um espírito aventureiro e empreendedor queria subir na vida acima de tudo. Além disso, ele havia se casado com a filha de Gunther, que nessa altura da vida tinha se tornado ourives, e apoiava com entusiasmo a ida para um novo lugar.   

Na Argentina o recomeço duma nova vida foi atribulado, porém recompensador. Tio Joseph passou a cuidar de tudo arrumando empregos para tio Jean e meu avô que eram os únicos homens da família. Meu avô foi trabalhar com algo que ele já conhecia bem desde o tempo da sua rápida passagem pela Suíça: Cavalos. Ele se tornou adestrador de cavalos. Na Suíça ele passou dois anos tanto como lenhador como aprendiz de seu patrão que tinha gosto por cavalos de raça. Isso fez despertar nele uma paixão por equitação e tudo mais relacionado aos cavalos. Já meus tios eram herdeiros do legado italiano da família conseguiram empregos como alfaiates. Gunther, sogro de tio Joseph, também embarcou rumo ao Plata, e abriu uma pequena loja de consertos de relógios e produção de jóias. Ele era ajudado pela esposa de Tio Joseph, Helen, e por seu irmão Fritz.  Nos anos seguintes meus tios conseguiram abrir sua própria alfaiataria em sociedade. O novo empreendimento foi batizado de Hermanos Castelazzi. Os negócios da família de Gunther também estavam crescendo e com o passar dos anos todos estavam com a situação financeira Com a prosperidade batendo a porta dos negócios meus tios resolveram investir nos talentos do meu avô e adquiriram uma pequena propriedade para ele na qual ele passou a criar cavalos. Tio Joseph passou a cuidar também dos negócios do sogro e com o passar do tempo abriram um novo estabelecimento que vendia roupas e jóias unindo a alfaiataria e joalheria.  

Em 1950, devido serem fãs de futebol e torcedores do River Plate, resolveram fazer uma viagem para o Brasil para acompanhar o mundial de futebol. Tio Joseph já tinha vindo diversas vezes ao Brasil tanto de férias como em busca de novos empreendimentos, nessa ocasião estava disposto a expandir seus negócios com Tio Jean, o qual era mais conservador. Mais uma vez tio Joseph ousou em traçar novos planos. Encantado com as praias e estilo de vida brasileiro ele quis montar uma nova loja de roupas e jóias no Rio de Janeiro. Os planos de Tio Joseph não surtiram a mesma empolgação em Tio Jean que com isso desfez a sociedade deixando Tio Joseph livre para seguir seu destino empreendedor junto da família da esposa. No ano seguinte Tio Joseph conseguiu se instalar não no Rio de Janeiro como ele tanto queria. Conseguiu um novo sócio para ajudar a bancar esse novo empreendimento em São Paulo numa sociedade inesperada de europeus com libaneses. Foi nessa época que meu avô paterno surgiu na história. O velho Hassan Mansour, um marceneiro libanês, tinha os mesmos planos de prosperar em terras brasileiras. Havia chegado ao país também na mesma época vindo por coincidência da Europa, mais especificamente de Portugal. Tinha deixado o Líbano depois do final da segunda guerra atraído por propostas na construção civil em solo europeu. Com isso ele passou pela França e Espanha até finalmente chegar em Portugal e decidir-se por cruzar o Atlântico atraído pelas oportunidades no Brasil. Trabalhava como carpinteiro, mestre de obras e o que mais fosse necessário nessas obras, mas quando chegou em São Paulo enveredou-se pela fabricação de móveis, profissão aprendida por ele na infância e deixada de lado nos últimos anos. Trouxe com ele seus filhos Mohamed e Ali, os quais também aprenderam os mesmos ofícios e eram seus funcionários na pequena fábrica de móveis.

Tio Joseph logo fez amizade com o velho Hassan e começaram a dividir idéias em comum sobre negócios e logo estavam fazendo diversos negócios juntos. Passado alguns anos a amizade e negócios entre as duas famílias era intensa e fundada em fortes laços de respeito. Meu avô Anton, também prosperava em seus ranchos de criação e adestramento de cavalos. Seguia à risca as orientações do filho Joseph e com isso já tinha uma vasta clientela em São Paulo e Buenos Aires. Nessa mesma época em que tio Joseph se mudou para São Paulo, vovô passou a residir no Rio Grande do Sul atraído pela vasta legião de conterrâneos e motivado pelas terras gaúchas adequada para a criação de cavalos. Em 1956, vovô resolve deixar o sul e passa a residir também em São Paulo. Passou pouco tempo na cidade grande, pois com a idade chegando resolveu ir para o interior paulista se dedicar aos queijos. Foi nesse período que ele transferiu seus negócios no ramo de eqüinos para Tio Joseph, o qual não tinha nenhuma aptidão para lidar com cavalos. Entretanto, o filho mais velho de Hassan, Mohamed que nessa época tinha também dezesseis anos, já estava apaixonado por  Monique, minha futura mãe, com isso ele se ofereceu para aprender e suceder o velho alemão nos negócios. Aquilo não era apenas uma forma de impressionar a amada, mas era também uma forma de sair do controle do velho Hassan, que era além de sovina, um pai extremamente durão que mantinha uma relação conturbada com os filhos ao ponto de fazê-los trabalhar em excesso.

Meu avô Anton sabendo que Mohamed, meu futuro pai, era um sujeito trabalhador, passou a ensinar os detalhes dos negócios de cavalos, aos 18 anos ele já estava à frente dos ranchos mantendo aquele haras na família até os dias atuais. Minha mãe por sua vez apenas se dedicava aos estudos e pretendia estudar na França juntamente de tia Fanny e Charlotte. Em 1958 as três fizeram as malas e foram estudar na ENS Lyon. Quando retornaram cinco anos depois logo se casaram com seus pretendentes Mohamed e Ulisses. Tia Charlotte por ser mais nova ficaria mais algum tempo na França. Em 1963, com direito a uma grande festa de gala as irmãs Fanny e Monique se casavam no mesmo dia. Isso aproximou os noivos que se tornaram sócios no ramo hoteleiro e fazendas. Enquanto, um casal cuidava dos negócios em São Paulo e Mato Grosso do Sul, o outro – papai e mamãe – seguiu rumo ao Rio Grande do Sul e Argentina administrar os antigos negócios de vovô. Essa sociedade durou décadas, tornando meu pai e tio Ulisses dois homens abastados. Fizeram fortuna nos agronegócios e tinham além dos negócios em comum o mesmo vício por rabos de saia. No ano seguinte ao casamento minha irmã Agnes nasceria em solo argentino. Depois de alguns meses do nascimento dela, meus pais retornaram para São Paulo e tiveram mais dois filhos nos anos seguintes: Thalles e Michel.

Na década de setenta Tio Joseph tinha deixado de lado o ramo da alfaiataria e investido na fábrica de móveis juntamente como o meu avô paterno. Quando o velho Hassan faleceu Tio Ali e meu pai ingressaram nos negócios comprando a parte de Tio Joseph que passou a se dedicar ao ramo de atacadista no qual se manteve até o final de sua carreira nos negócios. Quando nasci no decorrer dos anos seguintes toda família estava praticamente nadando em dinheiro. Todavia, esse ambiente de prosperidade iria durar até meus pais se separaram. Com a separação deles minha mãe ficou com metade dos bens e meu irmão Michel, deixou a faculdade de engenharia para gerenciar a parte de mamãe nos negócios juntamente de Agnes. Meu irmão Thalles cursava arquitetura e não tinha interesse em seguir na carreira empresarial. Devido à inexperiência e prepotência de Michel em não aceitar conselhos de Agnes que era a ex-braço direito dos negócios de papai a empresa começou a ingressar numa fase negra de prejuízos e no final das contas acabou indo a concordata. Nessa época eu estava ingressando na adolescência e minha mãe voltou para as salas de aula devido a situação ter ficado apertada. Mudamos duma casa grande com piscina para uma mais modesta numa região mais distante. 

Tudo isso para mamãe foi uma mudança radical a qual ela segurou as pontas de modo exemplar. Nessa época ela me fazia estudar quase a exaustão visando fazer-me ingressar numa boa faculdade seja de qual curso fosse. Naquela época eu ingressei no colégio técnico no período noturno e de manhã continuava num outro colégio particular me preparando para o vestibular. Era uma rotina árdua de estudos que só seria interrompida em parte quando ingressei aos dezesseis para dezessete anos numa oficina de mecânica de caminhões e tratores onde aprendi desde mecânica até tornearia e funilaria. Nessa época peguei gosto por carros antigos os quais fazíamos desde a parte de pintura até os reparos mecânicos e elétricos. Naquele mesmo ano seria forçado a me casa devido a gravidez inesperada de minha namorada Valéria. Embora o pai dela quisesse que fosse trabalhar nos negócios dele me recusei a fazer isso permanecendo na oficina até passar no vestibular no final daquele ano. No ano seguinte além de me separar de Valéria devido sermos dois jovens imaturos para manter um casamento, passei a trabalhar num restaurante francês como ajudante de cozinha, passando depois para garçon e finalmente voltando a cozinha no preparo de sobremesas e posteriormente carnes. Paralelo a isso ainda tive a oportunidade de trabalhar brevemente numa agencia de modelos. Com o avanço do curso de Direito consegui um estágio remunerado e deixei tanto o restaurante quanto a agência. Na metade do curso passei a estudar como investir no mercado de ações e foi nessa época que comecei a ganhar uma grana extra. Vendi o velho carro que havia herdado de mamãe e investi tudo em ações. Quando me formei mais uma vez tive oportunidade de fazer um negócio o qual daria o ponta pé inicial nos meus negócios. Por ocasião da venda dum imóvel de mamãe combinei com ela que o que houvesse de lucro além do valor por ela pedido no imóvel seria meu. Ela topou esse acordo e com o lucro abri uma espécie de imobiliária que comprava e vendia terrenos, em paralelo a isso tinha um escritório de advocacia e consultoria empresarial.

Nessa época estava com vinte e três anos e Tio Pepe era meu mentor nos negócios com imóveis dando valiosas dicas adquiridas com sua vasta bagagem de décadas de bons negócios. Ele ainda fez questão de injetar dinheiro do próprio bolso numa pequena construtora de imóveis que trabalhava em conjunto com o ramo de incorporações imobiliárias. Nessa fase transferiu um de seus mais antigos gerentes para me auxiliar no dia a dia dos negócios: Pietro Del Prado era um antigo amigo e funcionário dele desde a época dos negócios da Argentina. Dom Pietro quando ficou viúvo passou a ter um pequeno romance com mamãe que acabou em casamento e isso facilitava e muito a minha relação com ele no dia a dia de trabalho. Além disso, estava muito bem assessorado por dois macacos velhos nos negócios e o que tinha que fazer era trabalhar muito seguindo as orientações de ambos.

Quando Dom Pietro faleceu, mamãe resolveu mudar-se de Sorocaba para Curitiba morar com tia Charlotte, qual também tinha ficado viúva recentemente um pouco antes de mamãe. Tio Pepe também havia se retirado dos negócios devido a desenvolver mal de Parkinson. Com isso, ingressaram nos negócios as filhas de ambos apenas como sócias na empresa. Mônica filha do primeiro casamento de seu Pietro ingressou como administradora do setor de incorporações, já minha prima Madaleine ficou apenas como sócia nominal. Com o crescimento da empresa conseguimos comprar o que restou dos negócios de Tio Ulisses e papai e incorporamos tudo numa holding. Atualmente, essa holding administra todos os negócios de família. Os filhos de minha prima trabalham comigo, um como assessor jurídico e outro como engenheiro.   
       
Pelo visto Marie herdou o código genético de aptidão para os negócios, mas isso isso já é uma nova história... 

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