quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A maldição de Arequipa

Depois da viagem ao Peru estava convencido de duas coisas sobre aquelas terras: Que casais com relacionamento desgastado não sobrevivem uma viagem para lá e que lá era um ótimo lugar para se encontrar oportunidades de negócios.

Me recordo que a última viagem que fiz com meus pais quando eles eram casados foi exatamente passar uma quinzena em Arequipa e outra quinzena no Mato Grosso do Sul. Depois da chegada do Peru minha mãe foi para casa da minha tia que residia por lá disposta a ser a primeira mulher daquela família conservadora a pedir o divorcio. Meu irmão mais velho, ao saber disso, arrumou uma boa briga com meu pai e ambos saíram no tapa. Ao meu ver, foi isso que fez minha mãe tomar a decisão definitiva de separação, pois depois de ter passado duas semanas no Peru ouvindo que a outra era quem deveria estar ali com ele devido ela entender de negócios ao contrário da minha mãe que era uma simples professora e dona de casa que nada compreendia daquilo. Ver um pai defendendo a amante e estapeando o  próprio filho fez a família em frangalhos e minha mãe que até então estava indecisa e sem certezas do que fazer para o futuro tomou uma decisão exemplar em voltar para casa, fazer as malas dele e colocá-lo para fora de casa.

A viagem ao Peru naquela época se devia aos mesmos motivos dessa atual viagem. Eram negócios. Meu pai tinha se tornando sócio duma mineradora cujo dono era um amigo peruano da maçonaria e depois disso abriu uma filial no Brasil formando assim uma empresa com grande potencial de crescimento. Entretanto ela foi bem nos anos seguintes e depois começou a perder espaço paulatinamente. Com o divórcio, cinqüenta por cento da parte do meu pai naquela empresa foi parar nas mãos da minha mãe, a qual realmente não tinha a mínima idéia de como controlar aquilo e manteve meu pai na gestão recebendo apenas dividendos irrisórios devido a contabilidade fraudulenta dele. Acontece que o velho libanês com a queda dos negócios e sua gestão fraudulenta não esperava que um dia eu me tornasse um advogado com certo ímpeto de fazer justiça até mesmo em face do próprio pai. Depois de comprovar que a contabilidade do coroa tinha se valido dum caixa dois violento para desfalcar sócios na gestão da empresa e após ganhar na justiça depois de anos de demanda a parte acionária dele na empresa como indenização era hora de colocar aquela mineradora nos trilhos.


Confesso que foi a tarefa mais complexa que passei até hoje na carreira. Não tínhamos equipamentos de ponta, o caixa estava defasado, o passivo e ativo eram uma piada, mas havia a possibilidade vender equipamentos e máquinas e transferir licenças de exploração de calcário e projetos de prospecção para uma outra mineradora local e fechar as portas da filial brasileira que tinha sido sucateada pelo velho libanês. Feito isso o negócio era investir o montante adquirido nessa série de negociações na matriz peruana e robustecê-la financeiramente. Passei dois anos fazendo a primeira fase do negócio - com auxílio direto da Aline nessa época - e mais dois anos finalizando a transferência de valores para o lado peruano da empresa alavancando dinheiro da primeira etapa no mercado de ações.  Com isso consegui aumentar o valor da empresa no Peru e investimento em cerca de vinte por cento e aproveitando a onda de crescimento do setor no país logo atraímos sócios americanos. Essa atual viagem era para fecharmos uma fusão e ampliação da empresa por conseqüência dos bons resultados dessa engenharia financeira e onde da crescimento do setor no país que acompanhava o resto da economia ao contrário do Brasil.


Os herdeiros do amigo do meu pai, que tinham ficado com a outra parte da empresa depois do falecimento do Dr.Oscar Rondon Herrera, eram dois caras mais ou menos da minha idade e de trato fácil. Embora não tivessem nenhuma experiência formal em engenharia ou administração de empresas eles conheciam o ramo na prática tanto quanto eu devido contado direito com o negócio através dos anos. Em resumo éramos todos de formação advocatícia basicamente, e com a influência de um deles devido ser político local em início de carreira e outro ter uma rede local de contatos vasta devido sua banca advocatícia ser uma das melhores da cidade tudo isso corroborava para um futuro promissor nessa aliança de negócios. Passei praticamente a viagem toda fechado no hotel ou na casa deles tomando pisco, só saí desses locais para duas reuniões cruciais e jantares, além dum final de semana no golf club local relaxar ao lado de Charles e Bianca. Fora isso depois da pisada no tomate do Mané, recebia Anne toda noite no quarto para um papo com ela como se fosse seu psicoterapeuta num divã improvisado passando lencinhos de papel para ela a cada dez minutos.



Ela estava decepcionada e desiludida com o casamento que iria completar dez anos no próximo ano. Estava sem rumo e abalada aparentando não querer reconhecer que o casamento havia de fato falido devido o marido ter perdido totalmente a compostura. Por ser filha dum desembargador em muitas horas relatava que poderia ter se engajado na carreira de Estado e sido ajudada pelo pai, mas havia preferido ser mais independente e apostar suas fichas na sua família com Mané. Quando o filho deles nasceu dois anos depois de casados, essa foi a primeira ocasião que ele a traiu com uma secretária e ela descobriu e por fim depois de meses afastados o perdoou. Nos últimos meses novamente descobriu ligações de outra fulana no celular dele e fotos no notebook em viagens dele com uma outra garota. Ela fez vista grossa, calou-se e segurou as pontas até flagrar ele dando em cima de Bianca na porta do elevador nessa última semana. Anne estava evitando de todas as formas não reconhecer que o casamento dela tinha ido pelo ralo. O argumento supostamente mais forte que ela tinha era que Mané é um bom pai e que o filho adora ele e seria um trauma para o garoto a separação. Da minha parte, eu tentava não influenciar a forma de pensar dela, mas achava que aquela bondade toda dela de colocar a felicidade alheia acima do sofrimento dela como mulher era algo demasiadamente ingrato com ela mesma. Ela sempre fora uma garota certinha e correta, era praticamente uma santa, nunca vi deslizes dela. Ela era daquele tipo de garota na dela e tímida ao extremo, que raramente participava de festinhas de faculdade e vivia estudando e empenhando-se em seguir os passos do pai desembargador até conhecer Mané.

Devido nosso contato habitual na faculdade ela tinha se tornando minha melhor amiga logo quando cheguei lá e tinha problemas com Valéria e vivia num corre corre entre escola e trabalho. Anne se tornou uma espécie de irmãzinha, sempre ajudávamos um ao outro nos estudos, era habitual ela me dar carona quando eu não tinha carro na época e sempre vivia sendo aconselhado por ela para não me meter em encrencas devido meu jeitão um tanto impetuoso de ser. Ela era aquele tipo de garota que vale mais manter a amizade do que estragar tudo tentando algo além disso.  Certa vez ela ficou bêbeda numa festa e tive que salvar ela das garras dos gaviões que rodam garotas desavisadas com más intenções, além disso, toda vez que ela batia o carro por ser uma péssima motorista e muito medrosa no trânsito sempre me ligava para levar o carro dela na oficina ou algo parecido. Depois da faculdade ela foi trabalhar comigo na minha consultoria jurídico-empresarial, e lá conheceu seu futuro marido.  Ambos foram padrinhos do meu noivado com Camila e depois com Elena e por fim por ironia do destino do meu casamento com Bia. Também fui padrinho do casório deles e tudo isso indicava para uma relação de respeito entre nós. No entanto, não era apenas em cima da estagiária que Mané já tinha dado em cima. Ele tinha o péssimo hábito de dar em cima até mesmo das mulheres dos amigos. Já tinha dado em cima de Bia, e agora da outra Bia, tinha dado uma cantada na Ágatha semanas atrás quando esteve em Curitiba, da espanholinha Elena e para finalizar a lista de ataques dele tinha dado em cima de toda e qualquer secretária dele e ainda da esposa do Marcos.  Nenhuma secretária parava muito tempo no departamento dele devido a isso certamente. Não havia uma reclamação formal, mas muitas se demitiam ou pediam para voltar para o setor de origem. Esse assédio moral dele era constante e irremediável pelo visto.


Por mais que eu seja também um cafajeste de marca maior, e tenha feito de algumas de minhas secretárias amantes eu não tinha problemas de rejeição da parte delas como Mané tinha. Grande parte delas ao invés de se tornarem minhas inimigas se tornavam pícaras sonhadoras com um casamento com o chefe ou, no mais das vezes, fiéis escudeiras de carteirinha da minha pessoa sob qualquer hipótese. Minha mãe taxava isso como espécie de sabedoria que eu tinha com as mulheres. Ela dizia que eu era uma espécie de Picasso mais refinado que tinha tantas mulheres e depois de deixá-las, fosse qual fosse a razão, elas ainda se mantinham fiéis a mim numa espécie gratidão ou paixão mal resolvida. Segundo a teoria dela eu nunca me aproximava duma mulher com más intenções e não agia de forma direta e aberta, sempre agia pelas bordas e ocultando minhas reais intenções até o ponto de serem elas a tomarem uma iniciativa e com isso eu invertia as possibilidades de sentimentos de culpa e perda para a conta delas e saia sempre da relação com a consciência tranqüila.  Ao meu ver a teoria se justifica com a prática realmente, pois jamais fui motivado a deixar ou trair uma mulher a não ser que a coisa estivesse num ponto recheado de impossibilidade de manutenção em curto prazo da relação. Ou algo assim... Exemplo mais claro disso era ter ido parar na cama de Aline depois que Bia tinha surtado de vez quando eu já estava decidido a pedir a separação.


Passei a crer que o Peru tinha uma espécie de maldição para casais com relacionamento desgastado, pois desde a primeira vez que estive lá por ironia do destino caprichoso sempre era lá que havia o estopim das separações. Foi com assim com o casamento dos meus pais, com o meu casamento com Bia, pois fui para lá na companhia de Aline dois anos atrás e depois me separei e agora era a vez de Anne e Mané caírem na mesma maldição de Arequipa.   
    

Ao menos dessa vez aprendi a fazer ceviche...

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