segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Eu não vivo eu sonho


É estranho como a arte tenta imitar a vida e a vida imita a arte. No fundo tudo isso se trata duma repetição de padrões e coincidências e acasos.  Sempre vi em muitas mulheres casadas ou que se desejam casar potenciais Madames Bovarys ou Ana Kareninas.  Mulheres com possibilidades a serem infiéis quando estão entediadas ou magoadas.

Há um fato interessante nisso, pois me parece que mulheres vivem sonhando com uma continua história perfeita de amor, cheia de brilho nos olhos e romantismo cafona, enquanto os homens vivem atrelados com seus trabalhos e crêem já terem cumprido o seu papel tornando suas sensíveis namoradas e noivas que amam em esposas. O casamento é uma realidade e não um sonho, e por isso os maridos quando têm oportunidade de trair apesar de tudo estar bem em seus lares cedem a essas oportunidades, pois se julgam detentores dum sagrado direito de aproveitar a vida e omitir-se do fato posteriormente.

Os homens falham inúmeras vezes nisso por acharem que o casamento é uma relação de obediência e subordinação a sua forma de enxergar a realidade. As mulheres, esposas mais recatadas e bem servidas, daquelas que passam seus dias cuidando da casa ou numa carreira paralela a dos maridos parecem se sentirem uma certa desproporção entre seus sonhos e possibilidades. Entretanto, o que torna uma mulher casada capaz de trair seu marido não é apenas essa insatisfação crônica consigo mesma, mas com a do seu par que deixou de ser tão costumeiramente sensível, agradável e romântico como era na fase do cortejo. Assim quando ela descobre estar sendo traída, muitas vezes prefere pagar na mesma moeda e depois manter isso sem total segredo até o túmulo ou revelar a infidelidade como uma forma de punir outro infiel.

Naquela viagem ao Peru, meus sócios e diretores levaram junto suas esposas, eu não levei ninguém, apenas convidei a novata estagiária Bianca para fazer parte da comitiva. Novata no sentido de jovem, pois já fazia um ano ou mais que estava transitando na empresa como assistente da minha irmã sem que eu sequer a tivesse conhecido. Convidei o outro aprendiz de marinheiro Charles para aquela viagem para testar a capacidade de ambos em alguns quesitos. A outra descompromissada da viagem era Débora, a qual substituía Aline em suas funções e mostrava-se ser mais focada no serviço do que em outras coisas. Ao menos para mim seria uma viagem tranqüila e focada estritamente nos afazeres de negócios acertando detalhes finais duma longa negociação, enquanto isso, nas horas livres, os casais teriam oportunidade de fazer alguma espécie de turismo rotineiro nos locais que estaríamos. Não foi bem assim. Sábado enquanto todos saíram conhecer pontos turísticos de Arequipa, eu me mandei para o golf clube local e passei a tarde toda praticando arremates. Solitário com tacos de golf, carrinho e uma garrafa de gin e charutos. Passei horas pensando em negócios, cenários para o próximo ano e nas possibilidades de que Ágatha ainda pudesse ser uma escolha definitiva para apostar minhas fichas num relacionamento mais estável.

Quando voltei para o hotel ao final da tarde estava cansado e com dor de cabeça, tomei um banho e passei o resto da noite recluso tentando me livrar daquela dor de cabeça causada por sol e bebida na cabeça naquela tarde. De manhã acordei antes da maioria, e desci para o desjejum e lá estava Anne a esposa do meu diretor comercial tomando uma grande xícara de café sozinha no salão do refeitório. Ela parecia um pouco aflita e com uma cara de choro. Como tínhamos uma certa intimidade devido nos conhecermos de longa data e ela ter sido funcionária da empresa algum tempo, lugar onde também conheceu seu marido, ficamos conversando sobre coisas banais, mas aquela cara de choro e sensação de aflição dela permanecia. Saímos dali e fomos dar um volta no jardim e resolvi questionar se ela estava bem. Ela inventou uma desculpa qualquer de início e evitou tocar no assunto, mas logo confidenciou que tinha visto seu marido flertando com a estagiária e se aproximando dela numa tentativa indecorosa de sedução. Foi um flagra sem uma cena naquele momento. Anne silenciou e discutiu com o marido na noite anterior a sós e ele como sempre negou os fatos e intenções e a taxou de estar vendo coisas.

Não era a primeira vez que aquilo ocorria. Manuel era um cara boa pinta e conquistador dos mais pertinazes. Tinha estudado comigo em Portugal e o convidei ele para vir trabalhar comigo, ele aceitou e conheceu Anne na empresa e logo se apaixonaram. O talento dele para a conquistar mulheres era o mesmo como negociador e rapidamente ele se estabeleceu se tornando peça chave no departamento comercial da empresa. Já Anne era uma garota naquela época recatada e tímida, ela trabalhava em outro setor, e parecia ser a típica mocinha de filmes que quer encontrar um príncipe encantado, mas acaba nas mãos dum canalha sofrendo desilusões no casamento.  Durante aquele passeio no jardim do hotel ela repetia: Ele está fazendo tudo novamente! – Anne parecia inconsolada e eu não tinha o que dizer ou fazer para ajudá-la. Coloquei a mão no ombro dela num abraço fraterno e caminhamos com ela recostando a cabeça no meu peito chorando sem dizer mais nada. Senti pena dela naquela hora. Afinal era uma mulher, diria que é uma santa devido a delicadeza e jeito nobre de ser, mas que estava quebrando a cara e apostando ainda num marido incorrigível. Isso me fez pensar mais ainda de que eu era um sujeito da mesma espécie do Manuel, capaz de fazer as mesmas coisas e gerar as mesmas mágoas e ressentimentos para a esposa.

No retorno para o interior do hotel encontramos Charles e Bianca tomando café da manhã juntos. Anne subiu para seu quarto. Ela ainda permanecia estarrecida e nitidamente evitando ter contato com a figura da garota que tinha sido alvo do seu  indecoroso marido. Eu fiquei por ali conversando com ambos e os convidei para irem comigo no golf clube. Depois do café deles logo partimos para um dia de golf e muita conversa sobre carreira e negócios. Passei horas tentando descobrir o que fazia de Bianca algo tão atrativo para todos os homens, inclusive eu, desde aquele coquetel numa semana anterior. Ela tinha a capacidade de virar a cabeça de qualquer um certamente, mas parecia agir inocentemente sem considerar ou desejar causar isso. Insinuei que ela deveria mudar de setor e ir justamente para setor chefiado por Manuel, e ela pareceu não gostar da ideia preferindo alegar que gostaria de se manter como assistente da minha irmã devido estar habituada ao serviço e aprendendo muito com ela em outro setor.

Parecia que ela não havia gostado nem um pouco da abordagem de Manuel e fez questão de deixar isso evidente num momento em que Charles se afastou de nós no campo. Era uma saia justa que não era da minha conta inicialmente, era preferível nem ter tomado conhecimento daquilo de ambos os lados envolvidos na tentativa do Manuel em aproximar-se dela. Agora era tarde demais, e com isso passei a ser uma espécie de diplomata em assuntos dos quais eu tinha amplo conhecimento das táticas e conseqüências. Dei alguns conselhos para ela como lidar com aquilo e ela aceitou cada um de bom grado. Em meio a isso tudo não resisti em também dar em cima dela, mas duma forma mais suave e amena, fazendo ela considerar de certo modo que ela tinha um dom de atrair os homens e que poderia tirar proveito disso. 

Quando retornarmos o resto da comitiva estava toda no bar fazendo um brinde para Marcos e sua esposa que tinha acabado de anunciar que estava grávida do segundo filho. Resolvemos realizar um jantar comemorativo e durante aquele típico jantar de confraternização pude notar que o clima entre Anne e Manuel estava fechado e com uma tendência a ser resolvido apenas no retorno ao Brasil. Após o jantar fui falar com ela novamente para saber como ela tinha passado o dia com aquilo na cabeça. Anne se sentia magoada e desejando uma única coisa: Partir dali e voltar o quanto antes para casa.

Após essa breve conversa fiquei com o resto do pessoal jogando cartas, e ensinando Bianca alguns macetes do poker até o sono chegar. Manuel estava ausente nesse momento e possivelmente estava tentando reparar a sua terrível mancada com esposa. Antes de subir para dormir resolvi tomar uma saideira e Bianca me acompanhou no balcão mesmo sem tomar nada. Parecia que aquela tarde no golf club e na mesa de poker tinha surtido efeitos na garota que estava cofiando nas minhas supostas boas intenções com ela em sentido profissional e pessoal. Ao notar que todos haviam desaparecido a convidei para um passeio na praça em frente ao hotel para tomar um ar puro antes de dormir. Ela olhou seu relógio disse estar com sono, não foi necessário insistir uma segunda vez ela calou-se um instante, respirou e sorriu abertamente dizendo que seria ótimo tomar ar puro antes de dormir.


Logo que atravessamos a rua e chegamos no interior da praça não tive dúvidas de abordar ela à moda Brás Cubas, um leve toque no braço, um olhar profundo nos olhos e um beijo que a deixou mole em minha mão que tocava aquela pele macia do rosto dela e outra a segurava pela cintura. O constrangimento dela após o beijo a fez ficar olhando para o chão e evitando me encarar, toquei seu queixo e repeti o olhar e beijo e ela logo cedeu novamente. Nessas horas não se precisa de palavras, conversas ou perguntas, se necessita de ações para tornar o momento agradável e inesquecível. O grande erro ao meu ver nessas horas é pedir explicações e diminuir com isso as possibilidades de se deixar levar pela emoção do momento. Saímos abraçados da praça e voltamos para o hotel, deixei Bianca na porta do seu quarto e lhe dei um singelo beijo no rosto de boa noite. Ela sorriu ainda encabulada e disse um boa noite com um sorriso.


Ao ter feito isso julgo ter solucionado o problema do casal de amigos de certa forma, pois seria impossível nos próximos dias Manuel ou Anne irem tomar alguma satisfação com Bianca visto que ela estava, digamos “na dela”. Os dias seguintes seriam de reuniões e poucos passeios, a não ser um jantar na residência dum sócio local que queria nos apresentar á sua família e anunciar o novo empreendimento aos familiares. Parecia que tudo estava propício a ser mais ameno nos próximos dias. Se isso iria de fato ser assim ou não cabia aos caprichos do destino dizer...      

Naquela noite assim que caí na cama peguei no sono. Não tive tempo de pensar nos acontecimentos e fazer uma revisão mental do que havia se passado naquele final de semana inusitado. Estava cansado demais da rotina de viagens e ansioso por concluir aquela agenda de negócios no Peru e voltar para casa. Isso se devia ao alto índice de reclamação da minha ausência em Curitiba nas últimas semanas deixando Ivan aos cuidados de outros e Bia reclusa numa clinica depois dum novo surto. São situações e acontecimentos que teria que solucionar da forma mais sensata possível, mas fugia de tomar alguma decisão concreta sobre isso por não saber exatamente como proceder com essas reviravoltas dos fatos. Preferi me manter mergulhado nos afazeres profissionais da forma mais intensa possível, trancafiado no escritório, resolvendo assuntos pendentes em diversos lugares e evitando entrar numa espiral de cumprimentos das expectativas alheias.


As coisas com as meninas pareciam ótimas, as notícias sobre elas eram animadoras, e nem mesmo a estadia da mãe de Marie alguns dias em Curitiba tinha feito ela mudar de ideia e planos, mesmo havendo propostas boas para voltar ao Rio de Janeiro com a mãe no próximo ano. Isso fez Regina considerar a possibilidade de se aproximar da filha e deixar o Rio para morar em Curitiba para ficar mais perto dos familiares que residiam na maioria no sul. Havia uma possibilidade de Marie e Ingrid no próximo ano já fazerem as malas e se mandarem para um curso preparatório no exterior, mas isso eu não estava acelerando o passo. Queria elas mais algum tempo amadurecendo próximas de mim para ter certeza de que não iriam jogar tudo para o alto posteriormente como o Quim tentou fazer nas últimas semanas.

O garoto num arroubo tinha decidido voltar ao Brasil para tentar uma carreira de jogador de futebol. Os avós maternos e sua mãe, como sempre arrogantes e prepotentes deram força para essa ideia dele, porém depois de falar muito com ele e tentar convencê-lo que aquilo era tolice sem sucesso, foi a namoradinha americana dele que agiu ao meu favor fazendo ele ficar por lá. Aquilo foi um presente do acaso e faria questão de agradecer pessoalmente aquela garota assim que possível.


Enquanto isso lá estava eu, em mais uma viagem e em mais um affair passageiro com uma mulher desavisada sobre minha tendência de conquistador barato ou algo parecido com isso. Na maior parte do tempo passava ainda considerando se Ágatha  era ou não um boa opção para pendurar as chuteiras numa vidinha mais sossegada. A ideia de vidinha de casado não me animava nem um pouco, e muito menos aquela espécie caso escondido que estávamos mantendo nas últimas semanas.  Não estava satisfeito com os desfechos dos meus últimos relacionamentos por mais superficiais e imaturos de fossem por uma série de impasses e atitudes do mulheril. O pior baque foi no caso Aline que tinha ficado grávida e perdido o filho e mesmo assim continuava com um comportamento de querer ser minha dona.


Ultimamente estava preferindo mulheres mais jovens devido a baixa tendência de serem apegadas a certos padrões de atitudes que com o passar do tempo todas por fatores como idade e relógio biológico fazem todas ficaram neuróticas e forçando relacionamentos com imediatismo. Não é uma regra, mas é uma tendência, pois até Luíza logo que a deixei ela reatou com o antigo namorado e noivou de imediato mesmo sendo dez anos mais jovem de Ágatha por exemplo, a qual revelou certa manhã ter o sonho de ter mais um filho.  Isso tudo me faz crer que a lei do eterno retorno parece de fato uma realidade e que não existem mulheres do passado, a não ser aquelas que realmente ficaram em algum lugar do passado sem mais se fazerem presentes como no caso a Luíza e Camila por acontecimentos diversos. Quanto as outras como Bia, Ágatha e até a mãe de Marie e tantas outras que aparecem e somem e reaparecem não há de fato o merecimento de serem mulheres do passado, ou melhor, o que há no passado são acontecimentos que ligaram e desligaram nossas vidas sem isso impor de forma categórica a inserção de cada uma delas num passado proscrito.


Quando uma nova figurinha surge no álbum é inevitável comparar com outras mulheres e sua forma de ser e agir. É como se comparasse o craque do atual time com um craque do passado que se transferiu para outra equipe e que ainda joga. A lei do eterno retorno parece viável até nisso, pois características tais como recato, ciúmes, insegurança vez ou outra reaparecem seja em qualquer mulher for a bola da vez como item de série feminino. Algumas conseguem maior impacto tanto positivo quanto negativo sobre mim a medida que escondem ou revelam esses traços ou quando tomam atitudes sem sentido seja na direção do rompimento ou manutenção desses relacionamentos. Pensar sobre isso é destrinchar como homens e mulheres são incapazes de estarem na maioria dos casos senhores de si mesmos e porque diabos é tão complexo acertar a medida de certas coisas nesse departamento das emoções divididas a dois.      


Não é do meu feitio bancar o psicanalista e colocar cada mulher que passou em minha vida num divã e analisar cada traço ou comportamento delas ou até mesmo o quanto elas mudaram se tornando umas mais maduras e outras extremamente perdidas com suas decisões e ainda imaturas. Essa ferramenta é um mero recurso ou uma tentativa de explicar porque cada uma delas permanece determinado tempo e depois fica para trás e num passe de mágica do destino ressurge dando ensejo a uma reprise do enredo de antes com novas nuances. Dessa situação descrita Aline e Ágatha se encaixam com perfeição. Uma foi amante dum marido aniquilado pela depressão da esposa e a outra um caso passageiro com conseqüências enormes para uma história de vida por ter sido engravidada. Tudo isso se mistura no caldeirão de fatos e acasos e altera o rumo e sentido da história, isso sem considerar ainda as intervenções de terceiros em muitos casos.


Expectativas femininas de serem esposas em belas casas e viverem um incessante conto de fadas parece ser o pano de fundo mais adequado para explicar isso, até o ponto que são magoadas ou traídas e quebram essa redoma de cristal na qual se sentem protegidas das avarezas do mundo. Considerar essas coisas com frieza e requintes de sobriedade racional não é característica feminina. Elas preferem muitas vezes se passar por vítimas do destino e se recolherem em algum canto sem dar novas chances a si mesmas. É uma tônica que também se repete geração após geração e parece que a evolução disso não passa por ideologias feministas nem avanços ligados a isso, é uma tendência natural a não reconhecer o fracasso nas questões sentimentais e culpar-se por algo que já não tem mais volta. Nisso resta claro uma coisa: Pessoas que não culpam a si mesmas são mais felizes. Elas são capazes de sonhar novamente e viver sonhos e é nisso que acredito para seguir em frente haja o que houver...


   

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