terça-feira, 8 de abril de 2014

Bons tempos

Vida de universitário casado que trabalha além de estudar é complicada. Numa universidade cheia de alunas belas e estonteantes tornava-se cada dia mais difícil manter-se fiel a esposa. Ainda mais sendo tão jovem e imaturo e borbulhando hormônios como uma chaleira a todo vapor.  Dentro de casa aquela vidinha de casado estava começando desde cedo a se tornar um pesadelo. A esposa não sabia cuidar com expertise dum bebê por ser mãe de primeira viagem, e certamente a pior coisa não era ajudar a trocar as fraldas cagadas, mas sim receber a sogra no seio de seu lar repleto de fraldas e com sua esposa reclamando que o bico do peito dela doía. A sogra ficava dias a cada visita dando palpites em tudo e todos, ou seja, cumpria fielmente o seu papel típico de sogra.

Como eu passava muito tempo ocupado fora de casa e chegava tarde e muitas vezes passava quase ileso sobre as observações ácidas tanto da sogra, como da minha mãe, que também aparecia em nosso lar doce lar fazer rotineiras visitas mensais. Como sabemos a influência da sogra sobre as filha é deveras desagregadora em muitos casos e coloca sempre o marido em situações de xeque mate e total esgotamento da paciência masculina.

Estávamos há apenas algumas semanas em Sampa e a rotina puxada que sempre me mantinha ocupado. Com o passar dos dias chegava em casa cada dia mais exausto e o lugar que morávamos era fora de mão, o que tornava ainda mais cansativa a rotina. Apesar de não pagar aluguel por ser um apartamento que era do meu pai e que já tinha sido usado pelo meu outro irmão quando ele cursava faculdade em São Paulo as contas estavam sempre fechando quase no vermelho.

Foi nessa fase que a minha bela jovem senhora resolveu reclamar da vida com certa frequencia para sua mãezinha e com isso até o velho portuga passou a vir mais nos visitar e começou novamente com aquela lenga-lenga de me levar para trabalhar nos negócios dele e deixar essa coisa de estudos de lado. Logicamente eu ficava furioso com isso por puro orgulho e egoísmo em certo grau, mas não era quem estava pedindo ajuda ou reclamando da vida para a mamãe ou papai. Era Valéria que fazia isso devido ser bastante mimada pelos pais e não a culpo por ter realizado reclamações de que a vida que ela queria e que não estavam se realizando seus mais grandes sonhos. Tudo que aconteceu antes levou a onde estávamos inegavelmente. A questão seria saber como lidar e superar as fases ruins e duras com cumplicidade e seguir adiante. Infelizmente um casal jovem não tem jogo de cintura para isso e quando percebi que Valéria não estava do meu lado plenamente fui obrigado a tomar uma das mais difíceis decisões da vida tanto por ela quanto pelo meu pequeno bebê que tinha o nome pavoroso do avô Joaquim Neto.

Na Páscoa daquele ano abri o jogo com ela que estava de saco cheio dessa situação. Enquanto dessa vez éramos nós que visitávamos nossos pais devido a ocasião cada um ficou na casa de sua família. Disse para ela que se quisesse ficar com pais dela seria melhor para ela e para o bebê, mas que eu seguiria o meu destino em São Paulo com ou sem ela por perto. Fiz isso com raiva e com certa dose de egoísmo, mas fiz sabendo das possíveis consequências. Pela primeira vez na vida eu tinha tomado uma decisão drástica e até ruim em certos pontos, mas que era a favor daquilo que eu queria para mim independente de qualquer pessoa ou afeto. Podem chamar ou julgar como quiser, mas às vezes fazer isso na vida é um bem necessário a si mesmo e ao longo do tempo percebi que foi uma escolha correta apesar dos pesares. Valeria disse que não agüentava mais também a vida em São Paulo daquele jeito e que era melhor nos separarmos. Depois disso logo voltei para Sampa e segui meu destino sozinho.

Acho que por ter a agenda sempre lotada de compromissos e deveres não tive tempo para ficar remoendo isso e toquei o barco em frente. Decidi sair daquele longínquo apartamento que já estava mofando e me mudei para uma república. A grana que economizada com transporte e contas da casa davam o direito ao luxo de poder fazer um mero happy hour com os colegas que era algo raríssimo.

Ao voltar para as Sampa depois daquela Páscoa tenebrosa estava decidido a melhorar meu desempenho nos estudos e agarrar cada oportunidade que surgisse. Pelo lado pessoal tinha decidido que iria levar uma vida de solteiro como manda o figurino sem se arrepender pelo bailado e comido como diz a gíria portenha. Foi o que fiz e logo surgiu uma oportunidade que nunca imaginei ser opção de trabalho na minha vida até então. Não imaginem que me tornei um gogo-boy famoso isso seria uma afronta a um rapaz de família como eu oras. Não sou a Bruna Surfistinha.

Foi nessa fase que comecei a cogitar o que deveria fazer depois da faculdade em termos profissionais. Não tinha uma perspectiva clara e precisa das coisas, mas a idéia de ser apenas um advogado, ou até professor universitário não me agradavam muito. Havia algo de mim pedindo para ser feito algo mais do que apenas isso. Eu não tinha a mínima idéia do que era, e nem recursos para imaginar algo mais concreto como abrir um negócio também. Só o tempo daria essa resposta. Assim sendo, passei anos procurando sem achar algo que fizesse a minha cabeça totalmente e aprendi a aprender lições com essa sensação uma coisa valiosa: Que no tempo certo as oportunidades aparecem e devem ser aproveitadas ao máximo. Que a cada dia algo novo e positivo pode acontecer e mudar o rumo das coisas e temos que estar atentos a isso. Enquanto nada mudava radicalmente eu seguia dia após dia. Sozinho e decidido a vencer e fazer algo que me  trouxesse  a sensação de dever cumprido. Antes desse dia chegar passei por diversas outras estradas e shoppings da vida.

Certo dia quando fui ao shopping comprar roupas para  trabalhar no restaurante em outra função lá estava eu com meu corpinho sarado de tanto praticar esportes e pegar duro na oficina me olhando no espelho da loja com o uma camisa social de fina estampa.  Nisso eis que surge careca com um óculos daqueles de lente vermelha e fala enjoada. Ele se aproximou de mim e puxou assunto comigo. Sem muita delonga ele elogiou o meu porte físico e perguntou se eu gostaria de me arriscar num desfile de cuecas que ele estava produzindo para uma loja daquele mesmo shopping.

Na hora eu achei que o cara era um tremendo viado e que aquilo era furada, mas o cara provou que o lance era sério e me levou conhecer a loja e pediu para eu pensar no assunto e ainda mais no cachê. Pensei um dia. Afinal toda grana é bem vinda numa fase dessas. Voltei ao shopping e topei a proposta e fiz o tal desfile constrangedor pensando que se eu contasse isso para os caras lá da minha terra iriam tirar sarro da minha cara e me taxar de baitola.  Entretanto, o cachê foi muito bom para uma coisa tão simples que é andar de cueca. Tinha apenas que agir naturalmente e andar fazendo uma cara de mauricinho míope boca aberta nem aí com nada. Era moleza. Tanto que continuei pegando mais free-lances desse tipo e esse careca doidão se tornou meu agente no ramo. Ele me levou para uma agência de modelos gerenciada por uma amiga dele que era a coroa mais enxuta que eu tinha visto na vida até então. A mulher era de fechar o comércio mesmo.

Ela também foi com a minha cara e me contratou e logo mais e mais cachês davam conta de pagar a pensão do meu bebê e financiavam junto com o meu salário do restaurante um possante. Aproveitando esse novo ambiente fiquei com algumas garotas lindas que na maioria eram gaúchas e catarinenses de cair o queixo e imbecis de cabeça oca que viviam vomitando para não ganhar peso, tomando remédios para moderar o apetite, e comendo talinhos de vegetais ou passando cremes. Naquela época era fácil manter a boa forma, bastava correr, malhar um pouco, e estava tudo igual. Hoje em dia o peso sobre num final de semana e lá se vai um mês para voltar ao peso de antes.

A minha tripla jornada continuou sendo universidade, restaurante, agência. Cansativa por um lado e recompensadora pelo outro devido conhecer pessoas novas o tempo todo e ter um leque de garotas sempre belas próximo para praticar aquilo que Gina tinha me ensinado a fazer. E aí morava o perigo. Além disso outra Regina apareceu na minha vida para mudar um pouco mais a minha vidinha ainda nada definida.

Na agência havia duas irmãs com as quais eu tinha mais proximidade e sempre dava carona para elas por que era caminho da república o apartamento que elas moravam. Duas morenas gaúchas irresistíveis: Roberta e Regina que era seu “nome comercial” . Elas já eram profissionais de longa data. Tinham deixado uma cidadezinha do Rio Grande do Sul depois de serem eleitas princesas e rainha das festas de peão uma centena de vezes.
Fiquei bem mais chegado da mais nova Roberta que tinha me fisgado como seu namoradinho. Sempre que Regina não estava em casa ou viajando a trabalho eu tirava umas férias da república e do chulé daqueles marmanjos para enfiar o meu narizinho naqueles cabelos longos cheirosos e me esbaldar com aquelas longas pernas dela. Era o meu playground aquele apartamento toda vez que irmãzinha dela não estava por perto. Só que um belo dia foi Beta quem viajou e Regina - a irmã mais velha - quem ficou e como sempre estava dando carona para ela.

Numa sexta-feira ela resolveu sabe-se lá porque raios me convidar para ir com ela numa balada.  Seguimos direto para tal balada e tanto ela como eu enfiamos o pé na jaca. Eu ainda estava mais ou menos e ainda consegui levar ela para o ap dela. Foi aí que a coisa ficou periculosa de vez. Ela começou a dizer que estava com medo de dormir sozinha naquela noite, com medo de passar mal. Inventou mil motivos e dormi lá com ela. Dormi depois de passarmos o resto da noite transando e no outro dia para nossa alegria a irmã dela ainda continuava fora e passamos o final de semana trancados naquele apê fazendo o que havia de melhor num livretinho de Kama Sutra. 

Aqueles olhos azuis intensos e pele morena cabelos lisos dessa nova Regina eram seu ponto forte. Era uma modelo fotográfica que pelo visto iria decolar na carreira em breve enquanto sua irmã estava apenas aproveitando o momento. Mesmo sendo a irmã a primeira a começar nesse mundo Regina veio na cola dela e soube aproveitar essas oportunidades. O temperamento suave, de fala calma, às vezes era quebrado pelo jeito impetuoso e competitivo dela. Regina tinha todo aquele carisma que mulheres sedutoras possuem com naturalidade. Sabia chegar num ambiente e fazer ser notada e deixar muitos homens ao seus pés. Isso a irmã dela não tinha apesar de ser tão bonita quanto ela.

Era isso que intrigava Regina e talvez o que tenha feito roubar o namoradinho da irmã mais velha. Ela me perguntava o que eu tinha visto na Beta e sempre respondia: Esquece da maninha agora somos eu e você! Ela sorrida me olhava nos fundos dos olhos com aquele lindo par de olhos azuis dignos de miss Taylor e me beijava. Acham que sentia algum remorso ou algo parecido por trair a minha suposta namorada com a irmã dela. Negativo. Com certeza Beta estava com algum playboy ou qualquer outro cara se divertindo muito quer onde estivesse. Só que o problema com as irmãs não foi esse. Logo que Beta voltou eu pedi a conta pra ela e ela topou numa boa sem ressentimentos. 

Mantive o romance com a irmãzinha dela em segredo. Só que nosso segredinho durou umas três semanas. Num belo dia, depois das férias da facul, chego na agência para pegar meu cachê e todo mundo sabia do que eu ainda não sabia: Regina estava grávida. Eu fiquei gelado como da primeira vez na oficina. Fiquei pensando milhões de vezes por minuto: E agora o que vai ser? Fiquei pensando no que a minha mãe diria em tom extremado algo como: Mas já tem um com menos de um ano e já arrumou mais um? Aliás, ela disse isso mesmo quando contei para ela e logo se conformou.  Só que daquela vez minha mãe foi muito mais amena.

Mal sabia que nas semanas seguintes estaria cometendo a mesma irresponsabilidade pela terceira vez num tempo recorde. Nas férias daquele ano, fui visitar minha mãe em Sorocaba, e ainda sem saber da gravidez de Regina, acabei me envolvendo com Ágatha que era uma garota de quinze anos que mamãe havia trazido morar com ela. Loira, alta de olhos verdes e sorriso encantador logo fiquei doido por ela. Logo na primeira semana consegui seduzir ela devido ela estar brigada com seu namorado, saímos passear no final de semana e entre uma bebida e outra e uma bricadeira e outra acabamos indo para cama e sem saber engravidei Ágatha que no final das contas acabou inesperadamente se casando com o namorado como se o filho fosse dele.

No começo nem passou pela minha cabeça que a filha dela pudesse ser minha filha, mas depois que a criança nasceu eu percebi que não poderia ser bem assim e sempre essa história gerou uma remota dúvida. Isso com fundamentos nas ações da minha mãe que sempre estava auxiliando Ágatha em algo e nunca se desgrudaram desde então. Além do mais, o pobre coitado do namorado dela, e depois marido, vivia mais longe dela do que perto trabalhando na roça ou como caminhoneiro.  Para mim, era muita coisa para um garoto pensar, ainda mais com menos de vinte anos sendo pai pela segunda vez, e talvez até terceira vez, caso o destino tivesse sido um pouco mais justo com as coisas naquela ocasião. Toquei o barco por anos sem saber que naquela noite tinha sido eu a engravidar Ágatha e não o namorado dela.  

Lembram da coroa enxuta da agência de modelos? Ela me despediu no ato ao saber da gravidez da Regina. Aliás despediu ambos. Deu aquele sermão que não podia aceitar aquilo nos entre os funcionários e toda aquela baboseira moralista. Pagou o que me devia e desejou-me boa sorte. Assim terminou minha breve carreira de andarilho de cuecas ou cabide ambulante. O pior não foi isso. Em absoluto. O pior foi ir até ao apartamento das irmãs gaúchas e ao invés de encontrar Regina, que tinha voltado pro sul sem avisar nada, o fodástico foi encontrar Beta e levar um sermão dos mais inesquecíveis da minha vida. Fazer o quê eu merecia.


Fui passar o Natal no Rio Grande do Sul conhecer a família da mãe do meu próximo filho. Aquele clima pesado fez com eu e Regina logo nos mandássemos dali. Fomos visitar a minha mãe daí, que por sua vez ficou furiosa muito menos que eu esperava, além disso, mamãe se encantou com a Regina e tudo ficou mais ameno. No réveillon, eu e a bela morena, resolvemos esquecer os problemas e viajar para o Pantanal a convite do meu pai que residia por lá nessa época. Nem sinal da Karen havia por lá dessa vez. Talvez se tivesse reencontrado com ela poderíamos conversar sobre nossas vidas. Nessa época ela estava começando a faculdade de psicologia e havia se mudado para o Paraná.  

Regina e eu ficamos naquela fazenda que tinha sido o cenário do meu romance com Karen. Aproveitamos o tempo e colocamos a cabeça em ordem e conversamos muito sobre o futuro. No fundo estávamos ficando mais amigos do que amantes. Ela era assim como eu, independente e ambiciosa, e queria logo que tivesse o filho retomar a sua carreira o mais breve possível e tentar carreira internacional. Eu não fazia nenhuma crítica quanto a isso nem me opunha aos planos dela. Ao que tudo indicava era que nós, assim com eu Valéria, não tínhamos um futuro juntos devido a uma série de planos diversos. Resolvemos que iríamos morar juntos até o bebê nascer e depois a gente sentava e conversava de novo sobre o que cada um tinha em mente. Foi uma das coisas mais sábias que fizemos sem que ninguém tivesse influenciado ou pressionado a fazer isso como havia acontecido anteriormente comigo da primeira vez que “comi o lanche antes do recreio”.

Alugamos um apartamento pequeno e bem funcional, arrumamos tudo para a chegada do bebê e ficamos curtindo a gravidez numa boa sem ter maiores problemas. Regina continuou fazendo alguns trabalhos durante a gestação posando para revistas de bebês e isso deixava ela feliz e eu também. O dia que o bebê resolveu nascer nos pegou de surpresa, pois estávamos no cinema e ela com aquela barriguinha começou a ficar vermelha e me puxou pela gola do blazer e disse: Tá na hora! Tá na hora! Naquele momento eu surtei. Logo que chegamos no carro coloquei ela no banco traseiro e saí como se fosse o Senna na chuva por Sampa até o hospital. Tudo correu bem. Exceto pelo fato dela ter colocado o nome das avós no baby: Marie Bernadete. Ela tinha feito promessa e por isso aquela bela garotinha branquinha de olhos que pareciam duas bolinhas de gude azul homenageava a mãe daquela linda garotinha. Apesar disso, eu desatei a chorar quando vi aquele bebê lindo. Pois é, homem também chora. Voltamos para casa e ficamos juntos até “Mazinha” completar um ano. Após isso, Regina tinha conseguido um contrato para trabalhar no Rio e levou minha pequena princesa junto com ela. Apesar disso sempre nos visitávamos.

Nessa época, nem com dezenove anos completos, tinha passado por tanta coisa que me tornou muito mais focado em fazer algo acontecer no sentido profissional para dar conta de sustentar dois filhos. Tudo que tinha passado até então me dava know how para aguentar pressão de todos os lados e ter forças para seguir adiante a todo vapor. Foi nessa época que comecei a juntar “felling” para passar dum estagiário fora do habitual até chegar advogado e depois uma carreira pública deixada de lado para se tornar empresário. Confesso que passou tão rápido que me recordo apenas das principais coisas que aconteceram. 

No ano seguinte comecei a estagiar. Os clichês sobre os estagiários são na maioria dos casos pejorativos ensejando que são além de sujeitos inexperientes no serviço pessoas sem competência e talento ou vocação pra coisa. Ora, a minha vida de estagiário era uma maravilha, pois ao que tudo indicava eu tinha nascido fazer acordos. 

Fazer acordos era minha especialidade natural, a minha praia, o meu objetivo. Muito mais que lutar pelo direito de alguém o lance era resolver os atritos e fazer dinheiro. Não tinha entrado na faculdade de Direito para ficar decorando leis e princípios que no Brasil só atendem a quem pode pagar por um bom e caro advogado. Não tinha ilusão quanto a isso.  O que eu queria mesmo era ser chamado de doutor e encher a conta de grana. O resto não me importava muito. 

Eu chegava todos os dias com o meu terno impecavelmente alinhado no escritório às oito em ponto depois de tomar café no mercadão municipal. Era um ritual cafona, sair de casa com toda aquela panca e soberba típica dos advogados mais arrogantes e ficar fazendo pose o resto dia. Colocava óculos sol, cada dia um diferente, cada dia da semana um relógio vistoso, e sempre tentava copiar o que havia de novidades sobre ternos, sapatos e gravatas. Havia um velho alfaiate turco no Bom Retiro indicado por Tio Pepe que cuidava do meu estilo e dava seus toques especiais sob medida para mim. Eu adorava aquilo tudo. Desde bico do sapato até a ponta do cigarro que eu fumava eu planejava cada detalhe para que eu tivesse uma imagem que se destacasse e vendesse a minha mão de obra. Hoje chamam isso de marketing pessoal ou coisa que o valha. Para mim isso era estilo e vender meu peixe com exclusividade.   

Como todo estagiário, eu passava atolado em papéis, lendo processos, redigindo petições e pareceres e muitas vezes visitando clientes com meu chefe e mentor que era um baixinho mala que advogava na área criminal.  Almoçava sempre com ele ou com a sócia dele, uma daquelas advogadas classudas que usam de óculos, magra e esquia na casa dos quarenta, que quase sempre usava saia e um casaquinho negro com meias calças e sapatos pretos que davam para a mulher um ar de viúva negra. Para destacar mais ainda, a mulher adorava jóias e usava desde duma imponente aliança de ouro até espalhafatosos brincos que brilhavam a cada movimento de cabeça. Além disso, as unhas e batom vermelhos fechavam o visual da doutora. Era um espetáculo ver a doutora Janete dando seus chiliques e falando de si mesma na terceira pessoa em certos momentos.  

Como eu tinha trabalhado anteriormente em restaurante eu tinha certo conhecimento de como planejar reuniões fora do escritório em lugares de alto nível com clientes cheios do papel numerado. Fosse almoço ou jantar eu agradava desde o grã-fino mais esnobe até o colarinho branco mais mentiroso que precisavam resolver seus problemas com a dona justa ou investigações policiais e outras cositas mais como manter a amante como laranja sem que a esposa descobrisse. Era habitual fazer isso.      

Sempre voltava com resultados positivos dessas reuniões e com isso ganhava bônus. Conseguir passar a lábia nesse povo não era fácil. Exigia preparo e ensaio do que dizer, como dizer e como notar a reação deles. Para isso o meu patrão sempre me dizia que eu deveria jogar poker num clube que ele mesmo freqüentava. Ali havia sempre homens dos mais variados estilos, mas todos tinham grana, fosse produto de roubo ou assalto ou trabalho honesto. Garotas de programas viviam por ali também faturando alto e conversar com elas e saber como adoçar elas ajudava a descobrir quem ali estava precisando dum advogado.

Eu ficava fascinado com a capacidade delas obterem confissões sobre qualquer fato daqueles caras. As histórias eram quase sempre iguais, mas sempre com algum detalhe marcante que diferenciava um facínora que tinha roubado uma série de lojas de carros importados dum dono de fábrica que estava passando os sócios pra trás. Havia dias em que eu passava na rua com esses escroques ou empresários encrencados ou até mesmo nas suntuosas casas e apartamentos que eles gentilmente abriam as portas para recepcionar o salvador da pátria e patrimônio deles das broncas e confusões, das penhoras e separações. Por isso que o acordo era a chave do negócio. Fazer um acordo era rápido e evitava maiores desgastes. Um acordo bem proposto sempre dava fim numa série de problemas, fosse uma esposa corna puta da vida num divórcio, um sócio com raiva espumando por ter perdido a empresa para outro sócio, ou com algum traficante que precisava lavar dinheiro com contadores especializados nisso. Tudo era na base da lábia e do acordo. Pagou levou, e quanto mais alto o honorário mais rápido a coisa andava.

Fora esta rotina havia outra rotina que surgiu no escritório. Essa tinha a ver coma a assistente pessoal da doutora viúva negra. Era uma japonesa, uma advogada especializada em direito trabalhista, que tinha além daqueles olhinhos não tão puxadinhos, um traseiro fenomenal e um par de penas que a cada cruzada de perna fazia o chefe baixinho ficar de pé atrás da mesa dele para achar um ângulo que pudesse ver melhor a cena que se repetia diversas vezes ao dia. Ela tinha um rebolado quase discreto que tirava a concentração de qualquer homem no escritório. Com o passar do tempo peguei intimidade com ela e passamos a ir embora juntos, sempre dando uma passadinha em algum evento que ocorria na cidade para relaxar. Como sempre acontece uma coisa leva a outra e passamos a viajar juntos para o litoral na casa dos pais dela sempre que havia um final de semana prolongado que batia com algum feriado. Eram japoneses milionários com direito a uma lancha. Torrávamos muita grana em festas e baladas das mais caras. No escritório, quando batia vontade e não tinha mais ninguém por lá, era ali mesmo que a gente resolvia a nossa demanda com procedimentos do rito especial do sexo. Era o estágio dos sonhos sem a menor dúvida.

Essa farra com ela durou cerca de um ano e meio. Logo a bela doutora japa passou para promotora e foi para o interior seguir carreira pública. Passei o resto do estágio sem ter mais nenhuma princesa do mundo forense no escritório. A nova assistente da chefa era um canhão, pior, era competente e competitiva e vivia querendo se livrar de mim não sei por que. Era como aquelas vilãs de novela que querem fazer o mal e puxar o tapete de quem não vai com a cara. Porém, um belo dia ela cometeu um erro numa causa e foi obrigada a pedir a conta. Sem a japa para animar o meu dia-a-dia no escritório o jeito era encontrar alguém que me fizesse feliz novamente e me tirasse daquele tempo de vacas magras.

Certa manhã de inverno que estava um frio do cão e chovendo eu tive que ir ao banco sacar uma grana para pagar o aluguel do meu cafofo. Eu já estava me engraçando sem fazer muito sucesso ao ter puxado papo com uma loira na fila contanto uma piadinha sobre loira burra que deixou ela meio indignada. Por azar ou sorte, justamente na hora que estava na fila prestes a sacar meu cheque e ela prestes a me dar um fora o banco foi assaltado. Quando os assaltantes deram o bote ela nem completou a frase do fora. Foi bem rápida a ação da quadrilha e ninguém ficou machucado, mas todos no banco ficaram nervosos. Quando tudo voltou ao normal a loira com quem eu estava quase levando o toco estava ainda tremendamente assustada. Tadinha. Fiquei consolando ela como bom moço e cheio de cuidados e convidei-a para tomar um café. Ela topou se acalmou e deve ter sido isso que mudou o juízo dela sobre mim. Para minha sorte comecei a namorar com ela logo depois.

Concidência do destino ou não, assim como a japonesa seu nome era Débora, mas esta, a loira, cursava engenharia civil, ela não era nenhuma top model, pelo contrário, ela era alta, mas meio gordinha e tinha uma voz ardida e gênio difícil. Todavia eu simpatizava com alguma coisa nela. Ela parecia uma alemã típica de olhos claros, pela clara, boa de garfo, sotaque do interior de Minas e o melhor: Era um vulcão na cama.  Fiquei de namorico com ela até me formar. Depois disso, ela conseguiu um emprego numa empresa em outro estado e se mandou.

Já eu continuava em Sampa mais uma vez sozinho e dessa vez desempregado logo depois término da faculdade. Mesmo tendo passado em algum concurso não fora chamado pelos seis meses seguintes. Nem pra delegado, nem pra oficial de justiça, nem pra passar toga de desembargador. Foi aí que resolvi me inscrever para fazer cursos de intercambio numa universidade do EUA ou até fazer pós na Europa ou arrumar algum mestrado por ali mesmo em São Paulo. Mais faltava cash pra bancar isso e acabei entrando em economia devido estar começando a me envolver com negócios financeiros e gostava daquilo tudo de mercado de ações e empresas.

Enquanto isso ainda fiz um curso de corretor de ações e fui trabalhar numa corretora para aprender os macetes do mercado. Fiquei pouquíssimo tempo nisso. Daí pra frente a coisa decolou. Logo que surgiu uma oportunidade de levantar uma grana numa venda dum carro velho que tinha e depois dum imóvel da minha mãe eu consegui alçar vôo. Propus a ela que o que conseguisse além do valor de mercado do imóvel dela ficaria para mim como comissão. Ela topou e fechei um baita negócio e recebi uma grana que dava pra me livrar daquele carro velho enfiei quase tudo em ações e num terreno que vendia para comprar outro e outro e assim a coisa girava. Passava operando day trade todos os dias ou fazendo outros negócios imobiliários junto com Tio Pepe que era meu mentor nos negócios. Meses depois tinha dado retorno e faturado alto. Juntei uma grana que já dava para comprar um carro novo e um apartamento pequeno e fazer mais dúzias de outros negócios. Logo depois disso tive oportunidade de fazer intercambio no EUA numa faculdade de Direito. Passei três temporadas curtas de um a dois meses por lá em cursos de verão, e nessa fase Regina a meu convite resolveu ir junto comigo para o EUA tentar alguma coisa na carreira dela. Ela ficou por lá anos enquanto eu ia e voltava sempre fazendo pequenos cursos de intercambio em outras universidades. Aprendi e conheci muitas pessoas novas por lá, mas uma história tem sabor todo especial nesse quesito.

Qualquer pessoa que mora longe da família e é obrigado a se virar por conta própria valoriza muito mais aquilo que consegue. Ao meu ver isso é uma lei básica da vida. Essa coisa do “realize seus sonhos” e “faça você mesmo” é muito valorizada no EUA. No Brasil parece que a ótica é diferente e o mandamento sacrossanto é “sobreviva como puder”.

A primeira pergunta que a professora fez para turma que eu frequentava não foi: “Qual é a sua meta?” ou “Quais seus planos para depois que sair daqui?” a pergunta foi pura e simplesmente: “Qual é o seu sonho?”

Pensando bem muitas pessoas deixam de sonhar a certa altura do caminho devido aos perrengues que passam. A grande sacada que a teacher tentou nos ensinar durante as aulas foi sobre como ser uma pessoa empreendedora sempre, seja num dia de sol ou de chuva, seja na pindaíba ou mesmo que já tenha sucesso. O princípio básico era muito simples: Sempre pense como uma criança que se sente no centro do universo. Isso não significa ser, infantil ou imaturo; boboca ou viver no mundo da lua. Isso significa ter sempre nutrida a capacidade de manter-se criando coisas e fazendo coisas novas através de si mesmo, pois todos os sonhos duma criança sempre dizem respeito a si mesmas e ninguém mais. Eu achava a teoria fantástica e na prática por mais complicada que fosse aplicar isso na realidade dura e cheia de limites, a coisa funcionava desde as pequenas coisas até as grandes coisas.

Prova disso era conquistar garotas. Isso mesmo. Conquistar a mulherada fazia parte dessa filosofia. Se você quer aquela garota bonita ou qualquer outra do seu interesse, aquela que todos querem e julgam impossível chegar nela sem levar um fora, você tem que acreditar na única chance de conquistar ela? Pelo contrário. Você tem que criar a chance de como fazer aquela garota se render aos seus encantos. Essa teoria servia para qualquer coisa, negócios, arrumar um emprego, etc. As pessoas fracassam porque não criam estratégias. A professora sempre repetia: Tudo é sedução. Criar meios de seduzir as pessoas e fazer com que elas colaborem com seus planos é concretizar certos sonhos.

Na prática isso funcionou quando fiquei deslumbrado por uma garota do campus. Uma daquelas americanas bem tradicionais em tudo. Desde ser republicana até freqüentar a igreja todos os domingos e fazer serviços voluntários com se fosse salvar o planeta de alguma catástrofe. A garota era um poço de beleza na mesma medida que tinha aquele jeitão esnobe insuportável que para agradar ela, você deveria ser alguma entidade genial do tipo o Gandhi, Mandela, Luther King, ou seja lá quem for desse nível. Para ela existia um cara perfeito no mundo e cara certinho, o qual ela tinha idealizado, o qual precisava se encaixar na vasta lista de exigências dela para que ela cogitasse em lhe dirigir a palavra ou aceitar um convite para tomar um sundae. Eu definitivamente não me encaixava na lista.
    
Das duas primeiras vezes que tentei me engaçar com a moça na primeira ela sequer me deu o fora, foi apenas desprezo puro, sem nenhuma palavra de repúdio Apenas virou as costas e seguiu seu destino. Na segunda ela disse que era para nunca mais dirigir a palavra para ela. Trocando em miúdos eu não era o sujeito ideal nem que vaca tussa.

Mesmo assim eu era insistente, quando ela passava do meu lado eu a cumprimentava e ela só olhava ou fazia uma cara de desdém ou passava reto como se eu fosse mera parte da paisagem. Só que as coisas mudam. As coisas mudam quando bolamos um meio para que elas mudem. Pois bem, é aí que entra o cara que ela começou a namorar. O camarada era jogador de golfe da universidade e eu treinava junto com ele todos os dias. Esse era o típico cara certinho em tudo. Certo dia ela apareceu por lá visitar o namoradinho dela que era um sujeito gente boa, boa pinta, filho dum milionário e assim como ela, era um bom moço da igreja metodista que sempre vai aos cultos e ajuda os mais necessitados e faz tudo sempre corretamente. O nome dele era Todd.

Resolvi me tornar o melhor amigo de infância do Todd e consegui. Ao me tornar amigão dele logo ele passou a me convidar para sair com a turma dele que incluía a bela esnobe Ellen. Sem dúvida ela tentou sabotar a amizade que ele tinha comigo por não ir nem um pouco com a minha cara. Só que tinha um detalhe. Eu jogava melhor do que ele, e ajudava ele melhorar a técnica dele no jogo e como o pai dele era fanático por golfe isso ajudou a conquistar o pai dele também quando ele veio nos visitar. Na época dum feriado o Todd cometeu um erro fatal. Ele resolveu me convidar para ir com ele para a casa dos pais dele, devido o pai ter sugerido um jogo beneficente e gostaria da minha humilde presença por lá. Isso deixou a namorada dele furiosa porque ele sequer cogitou de convidar ela. Lá fomos nós. Depois dum final de semana de muito golfe e muita comida boa e muitas garotas nos paparicando o Todd confidenciou que era mais fácil transar com qualquer uma daquelas garotas do que com a Ellen que não deixava passar a mão, que quando os amassos ficavam mais empolgantes mandava parar e coisas do tipo. Ela queria casar vigem como mandava o figurino. Traduzindo cara estava vivendo a castidade imposta pela megera. Ou melhor, ele estava doido sem poder ver pé de mesa, explodindo testosterona para pegar ela e a coisa só rolava se casassem.      

Na volta ao campus Ellen parecia mais indignada depois que Todd contou sobre o final de semana repleto de diversões. Foi aí que ela pressionou o Todd a deixar de ser meu amigo por eu não ser “boa companhia” e deu um ultimato para ele. Sabe-se lá porque a garota tinha ódio mortal de mim. Logo que ele me contou isso eu disse que ela estava atrasando a vida dele, pois dentre tantas que fariam tudo para ficar com ele porque raios ele estava com a que queria mandar nele? A conversa fiada pegou. Mostrei para ele quantas garotas paqueravam ele no campus e coloquei na cabeça que ele estava perdendo tempo em ficar com Ellen, uma única garota, sendo que ele poderia ter um harém de cheerleaders aos pés dele. Ele mesmo acabou terminando com ela no ato um dia depois dando razão aos meus argumentos. Isso sem dúvida deixou a garota mais pau da vida com tudo. Se já era azeda ficou mais.

Todd começou a levar uma vida de playboy desregrada. Não tinha mais hora pra nada. Perdia aula, perdia treino, mas não perdia a oportunidade de transar com qualquer uma. Às vezes me ligava bêbado para buscar ele em algum motel ou casa de alguma sirigaita de tão travado que estava.

Numa noite Ellen resolveu ir visitar Todd no alojamento dele pensando em passar um sermão nele e fazê-lo e largar daquela vida de fornicação e voltar a ser um bom moço que freqüenta a igreja. Chegando no alojamento ele atendeu ela com um lençol na cintura e todo arranhado e chapado. Ellen mesmo assim tentou passar um sermão. Todd não estava nem aí e no final das contas foi ele quem esculhambou com a pobre coitada dizendo que ela era uma virgem chata e mandou ela sumir dali porque estava com uma das amigas dela na cama. A garota saiu de lá chorando e humilhada.

Ocorre que ela era vingativa. Na saída ela pegou o bag de tacos do jipe do Todd e macetou a porta do jipe sem dó nem piedade. Entretanto, a vingança dela não estava completa. Ela tinha que se vingar de mim e foi atrás da minha pessoa no campo de golfe. Estava chovendo e eu estava treinando mesmo assim. Para manter o alto nível do meu jogo e a bolsa de intercâmbio para mais um semestre eu precisava mostrar serviço. De repente avisto um vulto vindo na minha direção pisando duro, e quando ela se aproximou percebi que era ela pelo perfume dela que não me saia da cabeça desde que a tinha visto. Ela enfiou o seu dedinho no meu rosto e ficou falando que eu era isso e aquilo e que tinha levado o Todd para aquela vida. Eu achei engraçado, fiquei ouvindo tudo o que ela tinha para me dizer. Quando ela me terminou e resolvi contra-atacar.

Comecei a dizer pra ela que ela deveria me agradecer e não me xingar. Disse que o Todd sempre foi sacana e ela que não tinha percebido isso. Disse com todas as letras que ela era corna desde o começo e nunca se tocou. Mencionei ainda que havia dito para ele terminar com ela porque iria fazer ela sofrer e ele num momento de lucidez fez isso mesmo aproveitando a oportunidade que ela mesma tinha criado. Tudo que disse eram mentiras das mais deslavadas, mas ela ficou perplexa e ficou se perguntando como ela tinha escolhido o cara mais falso do mundo sem ter notado nada. Para minha sorte a história colou porque Todd realmente estava com uma amiga dela naquele dia.

Parece que isso amoleceu ela e passou fazer Ellen ter uma espécie de certa admiração por mim. Ela até me perguntou: Quer dizer que você fez isso para me proteger? Eu apenas balancei a cabeça dizendo que sim. Nessa hora ela ficou mais perplexa e até se desculpou por ter me tratado tão mal desde o começo quando me conheceu. Depois disso, ela se despediu e saiu dali do campo acabada emocionalmente.  Fui encontrar ela no estacionamento com a cara no volante pensando na vida. Bati no vidro do carro e perguntei se ela estava bem. Ela limpou as lágrimas e disse que estava tudo bem. Daí ela ficou me encarado e disse: Nossa você está tão vermelho! Na verdade eu estava pelando de febre mesmo. Ela como boa mocinha de igreja não me deixou pegar o ônibus ou ir caminhando, me deu uma carona e disse pra me cuidar e tomar umas aspirinas.

Faltei os três dias seguintes no treino e curso devido uma gripe forte. Para minha surpresa quando estava saindo para treinar de manhã ela passa de carro ao meu lado e estaciona me oferecendo carona mais uma vez. Fomos até o campo conversando falando do que aconteceu entre ela e o Todd. Ela dizia uma suposta verdade universal: “Homem nenhum presta”.
Na certa fiquei jogando mais conversa fiada na cabecinha dela. Antes de sair ela perguntou se eu tinha algum compromisso naquele final de semana. Fiquei surpreso com o convite dela. Na verdade eu tinha muitos compromissos, inclusive uma festa com o Todd, mas deixei tudo de lado é claro, não poderia desperdiçar o convite daquela garota que de chata estava até sendo gente fina comigo pela primeira vez na vida. Topei na hora ir ao cinema com ela ver um filme chato.

Saímos e não rolou nada, foi parte da estratégia não forçar nada, nem sequer um beijo de despedida. A garota estava ainda com ranço do ex-namorado pegador e poderia não pegar bem logo eu o “bom moço” da vez se aproveitar do momento. Isso com certeza aumentou a confiança dela em mim. Daquele momento em diante ela sempre me cumprimentava no campus, e passou a me convidar mais vezes para o cinema e até para ir na igreja com ela. Eu não perdia nenhum convite feito por ela e até retribuía com outros como ir aos jogos, almoçar ou tomar café depois do horário de estudos ou aulas. Ela sempre topava também e isso se tornou uma pequena rotina dali por diante. Creio que durante aquele mês ela estava caidinha por mim, mas mesmo assim eu não tinha forçado nada, precisava duma ocasião perfeita e ela estava para acontecer.

Ellen iria para a casa dos pais naquele final de semana para o casamento do irmão e me convidou-me para ir com ela visto que não tinha par para entrar na igreja devido toda aquela ocasião exigir isso. Ela disse: - Olha faça de conta que é meu namorado, mas é só pra fazer de conta, somos amigos!  Aquilo foi a deixa que eu precisava a meu favor para me declarar para ela com todos os requintes de romantismo brega e deixar ela mais confiante no meu bom caráter fajuto. De bate pronto respondi: Poxa, bem que esse teatrinho poderia ser real! Os olhinhos verdes dela brilharam e aquele largo sorriso dela me fez também crer que poderia ser real mesmo. Entretanto, ela arrematou: Eu vou pensar nisso! Deu-me um beijo no rosto e foi embora dizendo para não me atrasar para a viagem que seria no dia seguinte.

A viagem foi feita de ônibus, passamos umas três horas lado a lado com direito a ficar de mãos dadas enquanto ela falava e falava sobre a família, sobre o pai, a mãe e o irmão e os planos dela para depois da faculdade. Ao chegar naquela típica cidadezinha do interior do EUA, lá estavam os pais dela a esperar no ponto. Depois disso seguimos para um grande almoço em família. Todos me tratavam como se já me conhecessem. Ellen estava adorando tudo aquilo, até porque pelo jeito por lá era ela tida como uma chata de galochas que dava palpite na vida de todos, mas dessa vez ela estava leve e sempre sorrindo. Saber desse fato se deve a mãe dela que veio me confidenciar isso enquanto me servia uma bela fatia de bife. A coroa ficou alguns minutos ali fazendo aquele interrogatório que todas as mães fazem aos novos namorados de suas filhas. Para minha sorte a coroa foi com a minha fachada de santo do pau oco e de falso namorado que nada desabonava a escolha feita pela filha.

Durante o casamento tudo correu às mil maravilhas, uma bela festa, um baile no qual dançamos aquelas músicas lentas juntinhos. Já era noite e fomos para beira duma lagoa no clube onde a festa estava sendo realizada. Ellen dizia que precisava tirar os sapatos porque estavam machucando seus pés. Quando ela tirou aquele salto alto aqueles pezinhos lindos, bem cuidados me deixaram mais atrevido e roubei um longo beijo dela ali mesmo, aproveitando a ocasião perfeita que tanto precisava. Voltamos para a festa e dançamos até o final da festa de rosto colado como se fossemos dois pombinhos.

Na volta para a universidade a rotina era aula, treino e namoro. Aos finais de semana Ellen sempre queria sair fotografar alguma paisagem ou filmar alguma coisa visto que cursava cinema. Eu sempre interpretava algum papel que ela me dava para seus testes.  Ela estava ainda trabalhando num curta que era um documentário que seria avaliado na próxima prova do curso. Passei a ajudar ela com isso, e foi esse bendito documentário que seria a chave para nossa primeira vez. O documentário na avaliação levou nota baixa e ela apareceu no meu apartamento triste com isso. Nessas horas bater um papo e comer e beber alguma coisa sempre faz bem. Portanto, foi nessa hora que revelei os meus dotes de ajudante de chef de cozinha fazendo um belo jantar para nós com direito a muito vinho.  O vinho deixava ela sonolenta e acabou dormindo por lá mesmo no sofá. Na manhã seguinte lá estava ela acordando no meu sofá e o café já estava pronto especialmente feito para ela. Ela olhou a mesa, sorriu e disse seriamente: - Eu quero outra coisa no café! Será que você tem aqui? Eu fiquei decepcionado achando que o café não tinha agradado ela. Perguntei o que era que ela queria e ela disse: - Eu quero você seu bobo! Lógico que inglês essa frase soa melhor, mas escutar isso em inglês sulista ainda por cima é bem melhor sem dúvida. Depois daquilo não tinha mais nada para fazer a não ser beijar ela longamente e tirar cada peça de roupa dela com todo carinho e beijar cada pedacinho daquele corpinho branco dela centímetro por centímetro e passar o resto do dia ali fazendo amor com ela.

Passei o resto do curso naquela rotina de aulas, treinos e muito amor, disse para ela filmar nossa “love story” mas ela nunca fez isso, ficou  apenas as fotos juntos para registrar esse romance inusitado. Na época de voltar para o Brasil sentia mais vontade de ficar por ali naquela rotina maravilhosa. Como sempre a vida nos leva para novos lugares e tudo aquilo tinha que acabar para novas coisas acontecerem tinham que acontecer...   


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