Quando tinha treze anos de idade minha
irmã se casou com um cara chato, sargento do exército, que conheceu num retiro
de jovens, e meu irmão Thalles havia conseguido uma vaga de estudos na Alemanha
numa faculdade de arquitetura. Restava apenas Michel – o irmão chato – que logo se casaria também. Com a partida de
Thalles, isso significava que repentinamente eu tinha herdado temporariamente
todo quarto dele com uma vasta coleção de gibis dos mais variados, LPs e CDs e
aparelhagem de som que na época era o que havia de melhor. Depois disso meu
irmão Michel também se casou, e ele havia deixado uma moto, uma daquelas de
motocross, e como eu já tinha uma noção de como se pilotava, sempre que podia
saia com ela para escola ou na casa de algum amigo. De repente eu estava livre
das amolações constantes da minha irmã por notas e para cortar o cabelo e usar
roupas mais “adequadas” que não fossem camisetas de banda de rock. Estava livre
dos irmãos e de alguns atritos com eles por outras coisas também.
Fora isso eu teria mais espaço em casa,
seria o único a ficar ali com mamãe e isso sem dúvida era bom, pois certamente
teria mais liberdade e menos patrulhamento devido minha irmã ser osso duro de
roer e pegar no meu pé mais do que mamãe. Até hoje é assim acreditem se quiser!
Ontem mesmo ela me deu uma bronca dizendo: “Você é incorrigível mesmo hein
mocinho!” Mas isso é uma longa história que conto depois.
Eu me recordo que no casamento do meu
irmão, assim no casório da maninha autoritária, vieram meus primos por lado de
mãe e minhas primas por parte de pai. Meus primos eram de Sampa. Três moleques
típicos garotos de cidade grande que não tinham aquele traquejo da meninada do
interior que brinca na rua ou sobe em árvores. Um deles ao ver a minha
bicicleta ficou maluco e passou aquele final de semana todinho andando com ela
fazendo derrapagens e empinando, ao ponto de final da tarde de domingo cair e
quebrar o braço. Minha tia ficou doida da vida com isso e fez a maior cena.
Nada fora do normal para um dondoca classe média que tinha um filho com o
apelido de Danete como já sabem.
Por coincidência as primas também eram
três e eram todas loirinhas. O pai delas era um russo daqueles bem brancos,
loiros, de barba e alto pra dedéu. Ele era piloto de avião e trouxe naquela
ocasião aeromodelos para gente brincar na fazenda onde seria feita recepção do
casório. Lá tinha espaço para tudo, tanto para se esborrachar de bicicleta como
passar o dia brincando com aeromodelos que fascinava até os adultos.
A casa estava cheia de gente, as
brincadeiras transcorriam numa boa, era tudo alegria, e eu e meus primos
ficávamos ainda como que num concurso de calouros julgando quem era a garota
mais bonita e gostosa da ocasião. Por incrível que pareça meu primo, o ciclista
de final de semana, estava gamado nos seios fatos de Rosa nossa empregada. Era
uma moça peituda mesmo, cozinhava divinamente ao ponto do meu pai fazer questão
de levar ela sempre nas viagens que fazíamos para não ficar sem os quitutes que
ela nos presenteava. Rosa logo iria embora também, se casaria com um rapaz que
justamente conheceria ali naquela festa de casamento de minha maninha.
Depois duma sexta feira cheia de
aeromodelismo para uns e bike-cross pra outros, e muita conversa colocada em
dia entre os adultos. Estava tudo pronto para o casório do dia seguinte.
Entretanto, a noite de sexta, véspera de casamento a coisa ainda estava boa
para a gurizada. Meus primos e eu ficamos todos no mesmo quarto e ficamos
jogando vídeo game até altas horas e assistindo filmes pornôs numa TV preto e
branco. Digamos que criamos festival dos pornô-games. Na manhã seguinte
estávamos todos sonolentos levando bronca porque nossa roupa ou cabelo não
estava arrumado como nossas mamães afrescalhadas queriam. A noiva estava sendo
paparicada por minhas primas e uma maquiadora e cabeleireiro, que por sinal era
uma bicha enrustida. O noivo e meus irmãos tinham sumido na noite anterior,
possivelmente tinha ido com outro primo fazer uma festinha de despedida de
solteiro.
Pois bem, no casamento ocorreu tudo o
que sempre ocorre nos casamentos. A única coisa de especial a ser digna de nota
foi que mais uma vez estive na companhia de Karen. Ao contrário do casamento da
irmã não rolou apenas um beijinho, mas sim aqueles amassos e nada de batidinhas
e sim a velha mão boba. Durante a festa fomos escondidos para um recanto e
ficamos juntos por algum tempo. Infelizmente Karen já não morava mais na mesma
cidade e revê-la seria difícil. Fiquei com ela na cabeça e naquela coisa de
mandar cartas por algum tempo. Quando havia férias ou feriados ela aparecia e
ficávamos juntos como daquela vez. Era uma espécie de primeiro amor, e ainda
por cima com ares de amor proibido, devido a família ser tacanha e tradicional
tendo em vista o romance entre primos.
Creio que isso seria apenas um prelúdio para o que viria acontecer alguns meses depois, com a chegada da nova empregada em casa após a partida de Rosa. A nova empregada doméstica se chamava Gina, ela era alta, cabelos longos e volumosos, uma pele que parecia seda, coxas grossas, lábios carnudos, e sempre usava shortinho e tinha um pé lindo. Foi naquele dia que comecei a gamar em pés femininos diga-se de passagem. Meus irmãos não sabiam o que estava perdendo e eu agradecia por ser o único “homem” na casa, visto que meus pais também logo se divorciaram logo depois do casório da minha irmã.
Na manhã que Gina chegou em casa, eu
estava tomando café, e logo que avistei aquela beldade tudo ficou em slow
motion para mim. Minha mãe nos apresentou e foi mostrar para ela o quartinho
que ela iria ficar. Ah o quartinho da empregada! Quem conhece o sentido erótico
desse lugar creio que sejam poucos como eu, pois foi lá, no belo dia que minha
mãe começou dar aulas num cursinho noturno de vestibular que Gina e eu ficamos
assistindo novela ali num sofá cama, e de repente ela passava a mão no meu
cabelo, alisava meu braço e minha perna, e quando eu percebi ela estava em cima
de mim, me beijando, fazendo carícias, quando a ficha caiu estávamos nus e
suados e já havíamos consumado aquilo que foi a minha primeira vez. Saí dali e
fiquei no quintal absorvendo o momento como se estivesse nas nuvens. Confesso
que no começo, sem saber o que fazer fiquei temeroso, mas ela conduziu tudo
naturalmente.
Das vezes seguintes houve um dia que de
repente minha mãe chegou e Gina praticamente me expulsou do quarto e ficou
envolta numa toalha de banho rosa choque fazendo de conta que tinha saído do
banho. Creio que ela já tivesse experiência, até porque era uma garota de
dezesseis anos e já estava noiva dum sujeito que era atarracado e ainda cheio
de espinhas. Eu ficava me perguntado o que ele tinha de tão bom para ser capaz
de conquistar uma delícia daquelas. Gina dizia que o papo dele era bom e que
ele era rico. Em todo caso, seja lá como for, era eu o amante dela e ele o
noivo traído. Quase todas as noites estávamos ali no quartinho, ou no sofá da
sala, ou no chuveiro, fazendo amor. Enquanto minha mãe dava lições de gramática
num cursinho noturno ou estava na igreja, lá estava eu tendo um cursinho da
gramática do amor com a minha tutora sexual esbelta e sensual e pecando contra
a castidade sem pensar duas vezes. Seis meses depois ela se casou, e meu curso
terminou, e aqueles momentos mágicos ficaram marcados para sempre como tatuagem
na memória. Além disso, creio atualmente que eu faça pós-doutorado na área na
qual Gina me iniciou.
Foram numas férias no Mato Grosso do
Sul que posso alegar que foi que fiz amor de verdade com algum afeto pela outra
pessoa. Foi com Karen. Lá estávamos nós em nossos habituais passeios de
bicicleta pela fazenda e todo final de tarde era a melhor hora para ficarmos
juntos as sós sem levantar suspeitas. Aproveitávamos aqueles galpões vazios
para longos beijos longe das vistas de qualquer pessoa e depois voltávamos para
sede ao escurecer. Até que um dia tudo foi acontecendo naturalmente, entre um
beijo e outro, o calor do corpo dela a respiração ofegante, aquele tempero de
romance juvenil proibido, foi nos levando a tirar a roupa um do outro, e aos
poucos numa mistura de sensações de paixonite com algo proibido tudo aconteceu
de forma inesquecível.
A minha sensação depois disso, e anos e anos depois, era que tudo aquilo era algo ocorre nesses acasos amorosos é a melhor sensação da vida. A sensação de romper com tudo e viver intensamente com uma garota esses momentos de carinho e prazer me deixavam feliz e ao mesmo tempo sempre querendo mais. Queria mais conquistas desse tipo por um lado e queria ao mesmo tempo que houvesse uma mulher capaz de me prender a ela definitivamente como nenhuma outra. De tantas outras que surgiram depois, umas foram como Gina, apenas puro prazer e casos passageiros, já outras, ou melhor, poucas outras mulheres me fizeram reviver a sensação daquela tarde de férias de verão no meio do nada sem ter nada a perder com vontade de prolongar aquele dia ou ter mais momentos como aquele com uma só pessoa. Nesse sentido, não seria apenas prazer do sexo que contava, mas sim, o gosto de sentir o afeto que envolve uma profunda relação, por assim dizer, de corpo e alma.
Depois dessas férias arrumei minha primeira namorada, digamos primeira no sentido convencional. Ana Lúcia era uma loira de olhos verdes, irritadiça e arrogante, ela sempre jogava volley no clube que frequentava aos finais de semana. Tinha um corpo lindo, era disputada por todos, era versão teen da Michele Pfeiffer. Nessa época como já tinha ingressado no conservatório cursar violão isso foi uma mão na roda, ou melhor, na viola. Era tocar bem violão que chamou a atenção dela para mim. Ela que se aproximou de “moi”, eu até então era mais que ficava babando nela como todos os outros.
Durou pouco nosso namorico, mas
passávamos muito tempo na casa da avó dela, surda que não ouvia nossos gemidos
numa edícula que transformamos em nosso ninho de amor. Ela tinha mania de
arranhar-me todinho e chupar meu pesco até deixar marcas, ela fazia isso de
propósito alegando que era para que soubessem que tinha namorada. O gênio dela
era intempestivo, sempre queria presentes, sempre arrumava uma briga comigo,
talvez para poder fazer as pazes depois como sempre acontecia ao levar algum
presentinho de reconciliação para ela.
Quando tudo terminou com Ana Lúcia eu
parti para a próxima namorada. Aos dezesseis anos de idade me apaixonei pela filha
dum portuga mal humorado. A bela rapariga se chamava Valéria e era um pouco
mais velha que eu, cursava inglês com ela e sempre fazíamos duplas e depois do
curso saíamos tomar milk shake. Além disso, ela estudava no mesmo colégio e
passamos a viver grudados um no outro. A rotina logo fez nos apaixonarmos um
pelo outro, e passávamos o tempo juntos feito carrapato, até que precisei
ficar, posteriormente digamos: “mais responsa”.
Entretanto, aproveitei muito aqueles
olhos cor de mel, cabelos lisos e negros, boquinha carnuda e corpinho delicado
e bem delineado me deixavam enfeitiçado. Ainda mais quando ela aparecia de
cabelos molhados na piscina da casa com aquele biquíni e coxas torneadas a
mostra e seios empinadinhos. Ela tinha os pés mais lindo que já vi. Sem dúvida
uns dos pés mais macios que já mordisquei. Pois é, pequei essa mania de morder
o pé do mulheril com a Gina, ela adorava isso.
Nessa fase eu já tinha me distanciado
dos meus coleguinhas maconheiros, e pensava apenas em Valéria e em ajudar minha
mãe nos problemas caseiros e negócios devido o meu irmão mais velho e já casado
não administrar as coisas bem. Eu queria terminar aquele monte de cursos que de
certa forma era necessário fazer, mas pretendia cursar alguma coisa que tivesse
a ver comigo, e arrumar um emprego que nos deixasse numa boa. Depois do
divórcio a situação em casa ficou apertada e com o meu irmão dando mole nos
negócios a coisa ficava cada dia pior.
Logo comecei a trabalhar numa oficina
de torneiro mecânico, funilaria e pintura quando tivemos que nos mudar para um
bairro mais afastado e menos requintado. O dono da oficina de tornearia me
conheceu por acaso num dia que ajudei ele a resolver um probleminha com a moto
dele no clube depois duma partida de futebol. Passei a freqüentar a oficina
dele depois disso e sempre fazia alguma coisa por ali para ajudar ele.
Pouco tempo depois ele me propôs
trabalhar com ele meio período visto que eu manjava de algumas coisas de
mecânica e me ensinou manusear o torno. Ele tinha visto que eu gostava do
negócio, como Lúcio não tinha nenhum assistente que pudesse ser office-boy,
cobrador e ajudante fiquei encarrego de múltiplas tarefas. Na oficina ainda
trabalhava um velho pingaiada que adorava contar piadas. Sempre conversava com
eles coisas sobre a minha vida e eles contavam os causos da vida deles também.
Creio que eles tinham sacado que eu estava passando por uma fase difícil.
Ambos eram pessoas que trabalhavam desde criança e por isso sabiam como
era viver no aperto.
O patrão se chamava Lúcio e era um
sujeito altamente religioso daquelas igrejas pentecostais da prosperidade e
vivia filosofando sobre Deus, a política, relacionamentos, negócios. Ele queria
vencer na vida, ficar rico, casar com uma mulher que ajudasse ele e fosse
fogosa na cama, e depois que tivesse feito tudo na vida queria morar num sítio
e ficar o resto da vida pescando e vivendo de renda.
O contato com ele de certa forma de
tornou mais realista. Apesar do pouco estudo dele ele tinha ambição e garra
para fazer acontecer os planos dele com certeza. No entanto, a saúde dele não
era daquelas coisas. Aos sábados depois do serviço sempre saíamos tomar uma
cervejinha e comer alguma coisa, ou fazíamos na própria oficina um churrasco
enquanto fazíamos hora extra. Lúcio sempre evitava tomar cerveja alegando
que lhe deixava com a rinite atacada mais ainda. Por outro lado, apesar de ser
fanático por teologia da prosperidade adorava um baseado e gastava muito em
bordeis. Estranhamente ele não arrumava namorada, ele gostava era mesmo das
putas apesar de seus planos de casar com uma mulher quente e decente.
Confesso que essa passagem pela oficina
me moldou em diversas coisas. A princípio pelas horas e horas de debates sobre
política, trabalho, mulheres e outras coisas da vida. O cotidiano puxado me fez
valorizar o valor de ganhar o próprio dinheiro, a partir daquele momento passou
haver alguma coisa que fazia sentir-me constrangido com a grana duma pífia
mesada e pensão que ainda recebia. Mesmo trabalhando meio período comecei a
lapidar os meus dotes como negociante devido ser em pouco tempo uma espécie de
homem de confiança do Lúcio, sendo assim, muitas vezes eu fechava preços de
serviços com fornecedores e clientes. Logo aquela oficina que era uma filial de
outra maior passou a pertencer ao Lúcio e eu havia me tornado uma espécie de
gerente. Parecia que o sangue libanês e jeito para os negócios começava a falar
mais alto na prática. Outra coisa que foi crescendo em mim foi o senso de
ambição, de ter algo que fosse próprio no futuro e que de alguma forma
representasse a minha capacidade e confiança no meu tino empresarial. Ao
decorrer dos anos apliquei muitas coisas que aprendi ali naquela oficina
barulhenta tanto nos estudos ligados a isso e também na forma de conduzir a
empresa que tenho hoje. Fiquei tarado por lucros, exigente com prazos e
horários, aprendi a identificar que tipo de pessoa era um bom cliente e aqueles
que são caloteiros através dum simples contato rápido. Isso foi se aprimorando
cada vez mais, tanto na prática mais a frente convivendo com Tio Pepe, que era
macaco velho nos negócios e que seria responsável por me motivar a trocar uma
carreira de juiz por uma de empresário logo depois da faculdade.
Ainda naquela época comecei a ver
concretamente as dificuldades impostas por políticas de governo que sugam esses
pequenos empreendimentos e fazem as pessoas passarem muito tempo trabalhando sem
ter sucesso ou sem alcançar estabilidade financeira. Ficávamos horas discutindo
sobre como ultrapassar essas barreiras. Aquele período ali me fez ter certa
aversão por uma possível e futura carreira pública ou burocrática, mesmo assim
iria fazer muitos concursos e passar em vários depois na época de final de
faculdade, visando apenas o status e a estabilidade dada por altos salários. Entretanto,
havia algo dentro de mim que dava preferência à iniciativa privada como meio de
fazer algo de inovador com possibilidade de deixar algum legado. Naqueles papos
foi surgindo uma certa consciência política fomentada por nossas críticas
ao governo da época que nos fazia crer mais nas propostas da oposição. Com o
passar do tempo e fatos vimos que a oposição nos traiu, ou melhor, traiu aquele
tipo de pessoa que está ainda hoje naquela posição e depende do próprio esforço
sem receber algo decente em troca pelos impostos pagos com o suor do próprio
rosto.
Entre um serviço e outro, falávamos
sobre as mulheres, como elas são lindas e ao mesmo tempo temperamentais,
pensávamos como seriam nossos planos do amanhã ao nos tornar chefes de famílias
casados com filhos e responsabilidades afetivas com estes, falávamos sobre tudo
que o futuro poderia nos reservar de bom e desafiador nesses temas e isso
formulava premissas para nossas crenças, ideais, esperanças e planos.
Assim passei o tempo trabalhando
naquela oficina praticamente o mesmo tempo que passei namorando com Valéria,
entre dezesseis e dezessete anos. Um belo dia, logo nas primeiras semanas do
ano minha mãe apareceu na oficina no meio da tarde junto com a mãe da minha
namorada, ambas furiosas e nervosas ao mesmo tempo. E logo descarregaram o
repertório típico das mães alarmadas. Quem começou soltando os cachorros para
cima de mim foi a mãe de Valéria que assim como o pai dela eram os típicos
madeirenses com o gênio do cão:
- O senhor sabe que criança também faz criança? E continuou “in verbis”
– E eu que pensava que a minha filha era virgem ainda ora meu Santo Antônio, e
agora ela está no “huspital” passando “male” por estar “prenhe” de ti ô menino
sem juízo!
Eu estava sem reação e olhando para
cara da minha mãe ela dizia o mesmo só de olhar pra mim num misto de
perplexidade, fúria das mães conservadoras, e de surpresa e nervosismo pela
vinda de mais um neto logo agora que a situação não estava nada boa financeiramente.
Quem me ajudou nessa hora
colocando panos quentes em tudo foi o patrão dizendo o que eu deveria fazer.
Ele chegou e falou baixo no meu ouvido: Pega o carro e vai lá ver a moça no
hospital e deixa as velhas estourarem... vai, vai,vai...
Foi o que fiz, entrei no carro dei partida e ainda escutei ao fundo
minha mãe dizer: Ei você nem tirou carteira de motorista ainda!
Chegando ao hospital Valéria estava num
quarto tomando soro branca como papel. Só sabia chorar e ficar perguntando: E
agora que vai ser da nossa vida? Me diz! O que vamos fazer? Eu não sei o que
fazer! Eu falei pra gente usar camisinha naquele dia! Essas coisas que os
adolescentes imaturos sempre dizem nessas horas depois que tudo está perdido.
Naquele momento eu estava com um frio
na espinha e tremia mais que esquimó sem agasalho no Polo Norte por estar sem
saber o que fazer também e pensando num milhão de coisas ao mesmo tempo sem
nexo, preocupado e tendo que aturar o discurso de meio mundo dando bronca e
conselhos e dizendo que teríamos que casar “pois onde já se viu ter um filho
sem casar” como se a ordem dos fatos alterasse algo naquela altura do
campeonato.
A idéia de casamento não agradava
principalmente a minha mãe por incrível que pareça. Ela queria que eu estudasse
e entrasse na faculdade e depois cuidasse dos negócios que estavam a cargo do
meu outro irmão, que era um porra loca que não tinha a menor responsabilidade
na empresa que na divisão de bens ficou para nós e que naquele momento já
estava falida devido a péssima gestão dele. Essa era a razão de tudo estar
financeiramente quase na lona conosco naquela fase. Tudo isso somado para
minha mãe era desastroso.
No dia seguinte voltei pra oficina
ainda em estado de choque e lá o Lucio só sabia dizer: Então papai como vai ser
agora? Era a mesma pergunta que eu me fazia sem dúvida. Nos dias que se
seguiram eu fiquei dividindo o tempo entre escola, trabalho e longas conversas
- nas quais eu ficava mais calado - com a família da Valéria que já planejavam
data e festa de casamento e até uma possível lua de mel na casa da avó dela em
Portugal. Esse foi o princípio da influência portuguesa na minha vida por assim
dizer.
Menos de três meses depois o inevitável
aconteceu. Lá estava eu de terno com toda pompa e circunstância no altar
escutando o padre proferir não um sermão matrimonial, mas sim uma sentença que
tornava o desejo de toda aquela portuguesada fato consumado. Depois duma
festa tremendamente longa e cansativa eu finalmente comecei a cair na real depois
de tantos fatos sucessivos e repentinos.
Confesso que não estava pulando de
alegria, nem mesmo a fim de casar, porque poderia muito bem assumir o filho e
continuar o relacionamento com Valéria até terminar a faculdade e depois disso
nos casarmos. Isso seria o melhor caminho, mas não seria assim. Apesar de nos
gostarmos muito tudo poderia ter sido mais ameno e menos apressado. Esse era o
plano traçado por minha mãe, mas por mais que ela tivesse batalhado nessa idéia
a vontade da família da noiva falou mais alto. Nessa época a beira dos
dezessete anos eu me tornava pai de família, mas não era respeitado como
pessoa, era assim que me sentia. Era como se tivesse sido jogado numa
arena como um gladiador lutando com leões querendo me devorar.
O sogro queria me dar um emprego na
empresa dele à todo custo para garantir o futuro da filha e do neto. Ele sempre
nas conversas tentava me dissuadir a deixar de lado os propósitos de cursar
faculdade naquele momento. Ele mesmo traçava os planos para sua filha e para
mim sem a menor hesitação. Por mais que fosse generosa a proposta dele eu não
aceitei. Não estava a fim de viver no cabresto deles ou seguindo ordens deles o
tempo inteiro, já bastava ter que morar provisoriamente na casa deles até a
criança nascer.
Foi precisamente no dia em que fomos
registrar o bebê que eu fiquei puto de vez e resolvi dar um basta naquilo. O
motivo foi até razoável ao meu entender. Eu queria ter ao menos o poder de
escolher o nome do meu filho e na hora do registro colocam o nome do avô com
aquele complemento ridículo de “Neto” no final. Ora bolas, eu fiquei
contrariado com aquilo mais do que torcida que perde clássico para time rival.
Quebrei o pau com aquela portuguesada
com síndrome de colonizadores, peguei mulher e filho e fui para casa da minha
mãe. Continuei trabalhando na oficina e estudava mais do que nunca para sair
daquela situação que me deixava ora preocupado, ora irritado ao extremo.
Em seguida passei no vestibular e tal como Raul Seixas, passei em Direito
numa faculdade de renome. Talvez quisesse provar algo para aquele povo não
ficar dando palpite na minha vida nem sequer me taxando de fracassado ou alguma
coisa do tipo. Mais uma vez peguei mulher e filho e me mandei para Sampa dessa
vez com o peito e a coragem. Isso deixou todo mundo mais alvoroçado ainda
buscando novas tentativas de mandar na nossa vida.
Percebo com o passar do tempo e
maturidade que os pais muitas vezes querem manter os filhos aprisionados aos
seus conceitos, modo de fazer as coisas, isso lhes castra a liberdade, e pior,
pode até torná-los pessoas sem a devida capacidade de lidar com as pessoas e
decidir a vida por si mesmos. Esse elemento me recorda do Neil do filme
Sociedade dos Poetas Mortos, que sendo massacrado por um pai que tinha de
antemão planejado seu destino impede que ele viva seu sonho de ser ator. Na
minha cabeça isso ficou marcado a ferro e fogo de certa forma. Talvez a forma
que meus pais e os de Valéria impunham certas coisas era o mesmo método usado
com o Neil. Aquilo me deixava diante do dilema do respeito pela família em face
dos próprios planos para minha vida. Sempre optei em dar voz para minhas
próprias decisões e aceitar as conseqüências delas. Vejo que agora, com os
filhos já em certa idade, quando seus sonhos e planos começam aflorar e
naturalmente a ganhar forma, vejo que, eles como pessoas não merecem ser reféns
de tantas correntes paternais ou maternais. Noto que dar para eles confiança e
até mesmo meios para seguirem seus caminhos livremente é o melhor a ser feito
na maioria dos casos. Foi com base nessa busca por realizar a minha vida sem os
palpites e algemas dos pais que bati de frente com eles e segui o meu caminho
rumo São Paulo.
Embora o começo fosse difícil quando
chequei em Sampa eu senti que o meu calvário tinha passado. Sentia-me aliviado,
renovado nas esperanças e com energia para atingir minhas metas. Arrumei o
emprego mais incomum que poderia arrumar na minha cabeça até então: Assistente
de chef de cozinha dum restaurante francês de requinte e prestígio na alta roda
paulistana. Não era muito, mas dava para bancar muita coisa e manter os
estudos.
A explicação para ter conseguido esse
emprego logo de cara é bem simples. Minha mãe é francesa e meu pai nativo de
Beirute e todos em casa foram obrigados a aprender o idioma materno e sempre
que possível conversávamos com eles em francês. O dono do restaurante
mesmo sabendo que eu só sabia assar costelas em grelha de churrasco de fundo de
quintal me contratou na hora devido esse diferencial. Aquele cursinho de inglês
que por anos a fio tinha feito de nada valia ali por ironia do destino.
Trabalhar em restaurante exige que a
sua agenda se ajuste ao horário de serviço, geralmente trabalhava no turno da
noite aos finais de semana, para poder tirar breve no período da manhã. Durante
o resto da semana estudava a noite e trabalhava até o meio da tarde e depois me
mandava para a facul.
Aprendi tarefas simples como lavar
pratos, fazer entregas, servir as mesas, até o ponto que demonstrei certa
aptidão para montar pratos e preparar certos alimentos e receitas de sobremesa.
Quando fiquei encarregado da grelha e dos pedidos de carnes foi nessa fase que
me destaquei e fui incentivado pelo notório dono do restaurante a estudar algo
sobre gastronomia e me aperfeiçoar nos meus dotes culinários. Ainda hoje não
tive oportunidade para estudar os segredos da boa mesa, por outro víeis, prezo
as refeições como algo artístico e sagrado em alguns momentos e isso me levou a
apreciar bons restaurantes e vinhos. Algumas pessoas podem até achar isso
modismo, porém, quando se vive nesse meio e tem contato direto como os pratos
são elaborados e do prazer e relação que certas pessoas possuem como isso a
coisa muda de patamar. Uma simples refeição deixa de ser uma comida e se torna
algo que merece degustação e apreciação pelos sabores e modo qual foi
preparado, além do reconhecimento de quem faz um simples alimento se tornar
algo tão saboroso.
O que não estava ficando tão saboroso
era a vida de casado. Mesmo longe dos pais intrometidos de Valéria, ela mesma
se encarregava de deixar as coisas mais difíceis entre nós. Aquela mocinha
cheia de vida e alegre estava aos poucos dando lugar para uma megera que
reclama de tudo e sente que a vida lhe pregou uma peça. Na certa deixar os
paparicos e conforto da casa dos pais mexeu com a cabeça dela, e cuidar dum
filho praticamente sozinha não era a tarefa que ela mais desejava, mas o nosso
destino e barco estava naquele porto e tínhamos certeza que nos amávamos e que
nosso esforço iria fazer tudo correr bem e dar certo. Ledo engano.
Em primeiro lugar era apenas mais uma
paixão juvenil e não amor de verdade que fosse o suficiente forte para perdoar
e compreender grandes e pequenas falhas e manter dois jovens imaturos unidos a
qualquer custo. Em segundo o respeito mútuo estava acabando briga após briga.
Apesar de estar enfeitiçado por aquele bebezinho fofo, e ter alguns momentos
ainda bons com Valéria, havia uma idéia que às vezes me vinha a mente: E se
fosse a Karen no lugar da Val? As coisas poderiam dar certo? Essa questão me
deixava intrigado, pois a vida de Karen tomou o mesmo rumo que o meu, ela
engravidou do namorado, se casou, teve seu bebê, mas ao contrário de mim que
nunca quis aceitar o emprego ofertado pelo sogro, o namorado dela fez isso e
passaram anos casados.
Essas possibilidades nunca
concretizadas muitas vezes se tornam uma espécie de assombração e questão
permanente por longos anos, mas um dia são resolvidas, seja por uma conversa,
passar do tempo ou até mesmo reencontro. O “como as coisas poderiam ser
diferentes” se ao invés de fulano fosse siclano, essas coisas brincam com
nossos pensamentos e emoções e percebi que dar margem e espaço para isso não
era uma coisa boa. Afinal de contas, eu tinha uma vida real pra lidar e esta
vida estava dando trabalho suficiente em todos os sentidos. Deve ter sido nessa
época que aprendi que faça chuva ou faça sol o negócio é sempre manter o foco e
viver um dia de cada vez sem deixar-se levar pelas situações e acasos.
Como disse no começo... a minha vida iria mudar muito e mudou e depois
de tudo isso continuou mudando ainda mais
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